Comprometimento cognitivo leve e demência tipo Alzheimer – Estudos realizados.



Funções executivas (FE) referem-se às habilidades cognitivas envolvidas no planejamento, iniciação, seguimento e monitoramento de comportamentos complexos dirigidos a um fim. Na avaliação neuropsicológica, o termo FE é utilizado para designar uma ampla variedade de funções cognitivas que implicam: atenção, concentração, seletividade de estímulos, capacidade de abstração, planejamento, flexibilidade, controle mental, autocontrole e memória operacional. Inúmeros testes e baterias neuropsicológicas têm sido empregados para avaliar as FEs (Green, 2000; Spreen & Strauss, 1998).

Evidências advindas da avaliação neuropsicológica (Stuss & Alexander, 2000; Stuss & Levine, 2002), de neuroimagem (Carpenter, Just, & Reichle, 2000; Royall et al., 2002; Smith & Jonides, 1999) e de pesquisas neurofisiológicas (Funahashi, 2001) têm apontado para a necessidade atual de fracionamento das FEs, diferenciando o produto do mecanismo de execução. Em outras palavras, FEs podem ser compreendidas como um termo amplo, que se refere ao produto de uma operação eliciada por vários processos cognitivos para realizar uma tarefa particular. Por sua vez, o controle executivo (CE) pode ser compreendido como um sistema ou mecanismo responsável pela coordenação dos vários processos implicados na realização das FEs. O lobo frontal, em particular a região pré-frontal, tem sido relacionado com o processamento cognitivo das FEs e do CE. Lesões nessas regiões e nos circuitos corticais e subcorticais ocasionam diferentes síndromes neuropsicológicas (Faw, 2003; Tekin & Cummings, 2002). Por esta razão, há necessidade de cuidados na avaliação neuropsicológica do CE, pois, as relações entre estrutura e função, sistemas e processos, lesão e comprometimento funcional e entre fisiologia e função cognitiva, ainda não estão plenamente estabelecidas (Royall et al., 2002; Stuss & Levine, 2002; Tirapu-Ustárroz, Munõz-Céspedes, Pelegrin-Valero, 2002).

No envelhecimento normal tem sido constatado alteração ou déficit em relação à memória episódica verbal e ao CE, e não há uma compreensão clara deste processo. No envelhecimento, os déficits nas tarefas neuropsicológicas da memória episódica e do CE ocorrem, principalmente, associados à diminuição no processamento da informação, nos processos atencionais, nos processos inibitórios e na flexibilidade cognitiva (Grady & Craik, 2000; Green, 2000; Woodruff-Pak, 1997). Explicação para essas alterações cognitivas associadas ao envelhecimento tem sido formulada em termos de uma hipótese do envelhecimento do sistema frontal (Stebbins et al., 2002; West, 1996). Segundo esse modelo, no envelhecimento normal ocorre um declínio das funções cognitivas relacionadas às habilidades verbais, visuais e temporais, em decorrência do processo de envelhecimento fisiológico natural dos lobos frontais. Esse modelo tem encontrado sustentação nas pesquisas neuropsicológicas e neurobiológicas sobre os efeitos do envelhecimento nos processos cognitivos (Grady & Craik, 2000).

A Demência Tipo Alzheimer (DTA) é uma doença crônico-degenerativa que atinge o Sistema Nervoso Central, manifestando-se, inicialmente, através da perda de memória para fatos recentes, e, posteriormente, atingindo outras funções cognitivas como a linguagem e as funções executivas. A DTA compromete as atividades sociais e funcionais do indivíduo (Associação Psiquiátrica Americana, 1995) e atinge, igualmente, homens e mulheres (Barnes et al., 2003). O Comprometimento Cognitivo Leve (CCL) é um estado intermediário entre o envelhecimento normal e a DTA, cuja característica principal é o comprometimento da memória episódica, sem outros déficits cognitivos e funcionais, e que apresentam um risco aumentado de desenvolver demência (Petersen et al., 1999; 2001). Em outras palavras, o CCL é uma condição clínica da pessoa que apresenta perda de memória episódica maior que a esperada para a sua idade e na qual esta condição não satisfaz critérios para a Doença de Alzheimer provável (para revisão do conceito de CCL, ver, e.g., Bischkop, Busse, & Angermeyer, 2002; Petersen et al., 2001). As pesquisas em idosos com CCL são importantes na medida em que aumenta a população de idosos, crescendo também as queixas e os problemas de memória em ambulatórios e serviços de saúde. Esses idosos poderão ser beneficiados por tratamentos, em estágio anterior à manifestação plena da demência. A Associação Americana de Psicologia e a Academia Americana de Neurologia recomendam que pessoas com CCL devam ser identificadas e monitoradas quanto à progressão para desenvolver DTA (American Psychological Association, 1998; Petersen et al., 2001).

Vários estudos têm procurado identificar e predizer quais indivíduos irão desenvolver demência no futuro, não apenas com marcadores fisiopatológicos (Buerger et al., 2002; Riemenschneider et al., 2002), mas também tendo como base parâmetros neuropsicológicos (Collie & Maruff, 2000; Palmer, Bäckman, Winblad, & Fratiglioni, 2003). Em recente estudo (Petersen et al., 2001), que utilizou a metodologia da revisão baseada em evidências, foi recomendada tanto a utilização de instrumentos de rastreios (e.g., Mini-Exame do Estado Mental - MEEM e Teste do Desenho do Relógio), como a utilização de baterias neuropsicológicas, instrumentos cognitivos breves e entrevistas do informante estruturadas para a identificação e monitoramento de pessoas com CCL.

Na DTA, comprometimento do CE tem sido evidenciado de maneira inequívoca, principalmente nos estágios iniciais e com a progressão da doença, mas este processo não está plenamente compreendido (para uma revisão, ver, e.g., Perry & Hodges, 1999). As evidências do comprometimento do CE no CCL também têm sido observadas, mas ainda existem poucos trabalhos a respeito (e.g., Hänninen et al., 1997). A fluência verbal semântica, a denominação de objetos, a solução de problemas, as tarefas visuoconstrutivas e a atenção encontram-se comprometidas na DTA (Foster, Behrmann, & Stuss, 1999; Green, 2000). Vários estudos têm indicado o comprometimento da memória operacional na DTA em diferentes tipos de material e procedimentos (para uma revisão, ver, e.g., Morris, 1994). Outra linha de investigação do CE na DTA tem estudado o processamento de sentenças, mas ainda as evidências são pequenas. Os processos cognitivos no processamento de sentenças envolvem medidas de controle inibitório, planejamento e memória operacional. Algumas evidências têm demonstrado que a compreensão de sentenças na DTA está comprometida (Grossman & Rhee, 2001; Grossman & White-Devine, 1998). Outros trabalhos têm procurado demonstrar as diferenças de comprometimento do CE na DTA em relação a outros domínios cognitivos e patologias (Binetti et al., 1996; Yuspeh, Vanderploeg, Crowell, & Mullan, 2002).

As evidências apresentadas anteriormente sugerem que no envelhecimento, e em particular, na DTA ocorre o declínio da memória episódica verbal e do CE, mas não há estudos mostrando as relações entre o declínio da memória episódica verbal e o CE. Com este estudo talvez se possa compreender melhor a relação entre o comprometimento da memória episódica verbal e outros sistemas cognitivos e também a fronteira entre o envelhecimento normal e o patológico. Este estudo teve dois objetivos. O primeiro foi comparar o desempenho de idosos com CCL e com DTA em alguns testes de controle executivo. O segundo objetivo foi relacionar o comprometimento da memória episódica verbal com o desempenho nos testes de controle executivo nestes grupos de idosos.

Referências

American Psychological Association. (1998). Presidential Task Force on the assessment of Age-consistent Memory Decline and Dementia: guidelines for the evaluation of dementia and age-related cognitive decline. American Psychogicologist, 53(12), 1298-1303.        [ Links ]

Associação Psiquiátrica Americana. (1995). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (4ª ed.). Porto Alegre: Artes Médicas.        [ Links ]

Barnes, L. L., Wilson, R. S., Schneider, J. A., Bienias, J. L., Evans, D. A., & Bemmett, D. A. (2003). Gender, cognitive decline, and risk of AD in older persons. Neurology, 60, 1777-1781.        [ Links ]

Berger, A-K., Fratiglioni, L., Forsell, Y., Winbland, B., & Backman, L. (1999). The occurrence of depressive symptoms in the preclinical phase of AD: a population-based study. Neurology, 53(9), 1998-2002.        [ Links ]

Bertolucci, P. H. F., Okamoto, I. V., Brucki, S. M. D., Siviero, M. O. Toniolo Neto, J., & Ramos, L. R. (2001). Applicability of the CERAD neuropsychological battery to Brazilian elderly. Arquivos de Neuropsiquiatria, 59(3A), 532-536.        [ Links ]

Binetti, G., Magni, E., Padovani, A., Cappa, S. F., Bianchetti, A., & Trabuccho, M. (1996). Executive dysfunction in early Alzheimer´s Disease. Journal of Neurology, Neurosurgery and Psychiatry, 60, 91-93.        [ Links ]

Carpenter, P. A., Just, M. A., & Reichle, E. D. (2000). Working memory and executive function: evidence from neuroimaging. Current Opinion of Neurobiology, 10(2), 195-199.        [ Links ]

Collie, A., & Maruff, P. (2000). The neuropsychology of preclinical Alzheimer´s disease and mild cognitive impairment. Neuroscience and Biobehavioral Reviews, 24, 365-374.        [ Links ]

Daneman, M., & Carpenter, P. A. (1980). Individual differences in working memory and reading. Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, 19, 450-466.        [ Links ]

Daselaar, S. M., Veltman, D. J., Rombouts, S. A. R. B., Raaijmakers, J. G. W., & Jonker, C. (2003). Neuroanatomical correlates of episodic encoding and retrieval in young and elderly subjects. Brain, 126, 43-56.        [ Links ]

Faw, B. (2003). Pre-frontal executive committee for perception, working memory, attention, long-term memory, motor control, and thinking: a tutorial review. Consciouness and Cognition, 12, 83-139.        [ Links ]

Foster, J. K., Behrmann, M., & Stuss, D. T. (1999). Visual attention deficits in Alzheimer´s disease: simple versus conjoined feature search. Neuropsychology, 13(2), 223-245.        [ Links ]

Funahashi, S. (2001). Neuronal mechanisms of executive control by the prefrontal cortex. Neuroscience Research, 39, 147-165.        [ Links ]

Grady, C. L., & Craik, F. I. M. (2000). Changes in memory with age. Current Opinion in Neurobiology, 10, 224-231.        [ Links ]

Green, J. (2000). Neuropsychological evaluation of the older adult: a clinician's guidebook. San Diego: Academic.        [ Links ]

Hamdan, A. C., Bueno, O. F. A., & Souza, J. A. (2004). Performance of university students on random number generation at different rates to evaluate executive functions. Arquivos de Neuropsiquiatria, 62(1), 58-60.        [ Links ]

Hänninen, T., Hallikainen, M., Koivisto, K., Partanen, K., Laakso, M. P., Riekkinen, P.J., & Soininen, H. (1997). Decline of frontal lobe functions in subjects with age-associated memory impairment. Neurology, 28, 148-153.        [ Links ]

Kizilbash, A. H., Vanderploeg, R. D., & Curtiss, G. (2002). The effects of depression and anxiety on memory performance. Archives of Clinical Neuropsychology, 17, 57-67.        [ Links ]

Mehta, K. M., Yaffe, K., & Covinsky, K. (2002). Cognitive impairment, depressive symptoms, and functional decline in older people. Journal of American Geriatric Society, 50, 1045-1050.        [ Links ]

Morris, J. C. (1993). The Clinical Dementia Rating (CDR): current version and scoring rules. Neurology, 43, 2412-2414.        [ Links ]

Morris, R. G. (1994). Working memory in Alzheimer-type dementia. Neuropsychology, 8(4), 544-554.        [ Links ]

Petersen, R. C., Smith, G. E., Waring, S. C., Ivnik, R. J., Tangalos, E., & Kolmen, E. (1999). Mild Cognitive Impairment: clinical characterization and outcome. Archives of Neurology, 56, 303-308.        [ Links ]

Petersen, R. C., Steves, J. C., Ganguli, M., Tangalos, E. G., Cummings, J. L., & DeKosky, S. T. (2001). Practice parameter: early detection of dementia; mild cognitive impairment (an evidence-based review). Neurology, 56, 1133-1142.        [ Links ]

Peterson, L. R., & Peterson, M. J. (1959). Short-term retention of individual verbal items. Journal of Experimental Psychology, 58, 193-198.        [ Links ]

Powlishta, K. K., Von Dras, D. D., Stanford, A., Carr, D. B., Tsering, C., Miller, J. P., & Morris, J. C. (2002). The clock drawing test is a poor screen for very mild dementia. Neurology, 59, 898-903.        [ Links ]

Royall, D. R., Lauterbach, E. C., Cummings, J. L., Reeve, A., Rummans, T. A., Kaufer, D. I., LaFrance, W. C., & Coffrey, C. E. (2002). Executive control function: a review of its promise and challenges for clinical research. A report from the Committee on Research of the American Neuropsychiatric Associations. Journal of Neuropsychiatry Clinical Neuroscience, 14(4), 377-405.        [ Links ]

Schultz, R. R., Siviero, M. O., & Bertolucci, P. H. F. (2001). The cognitive subscale of the "Alzheimer´s Disease Assessment Scale" in a Brazilian sample. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, 34, 1295-1302.        [ Links ]

Smith, E. E., & Jonides, J. (1999). Storage and executive process in the frontal lobes. Science, 283(5408), 1657-1661.        [ Links ]

Spreen, O., & Strauss, E. (1998). A compendium of neuropsychological tests. Administration, norms, and commentary. Nova York: Oxford University Press.        [ Links ]

Stebbins, G. T., Carrillo, M. C., Dorfman, J., Dirkse, C., Desmond, J. E., Turner, D. A., Bennett, D. A., Wilson, R. S., Glover, G., & Gabrielli, D. E. (2002). Aging effects on memory encoding in the frontal lobes. Psychology and Aging, 17(1), 44-55.        [ Links ]

Stuss, D. T., & Alexander, M. P. (2000). Executive functions and the frontal lobes: a conceptual view. Psychological Research, 63, 289-298.        [ Links ]

Stuss, D. T., Bisschop, S. M., Alexander, M. P., Levine, B., Katz, D., & Izukawa, D. (2001). The Trail Making Test: a study in focal lesions patients. Psychological Assessment, 13(2), 230-239.        [ Links ]

Stuss, D. T., & Levine, B. (2002). Adult clinical neuropsychology: lessons from studies of the frontal lobes. Annual Review of Psychology, 53, 401-433.        [ Links ]

Stuss, D. T., Levine, B., Alexander, M. P., Hong, J., Palumbo, C., Hamer, L., Murphy, K. L., & Izukawa, D. (2000). Wisconsin Card Sorting Test performance in patients with local frontal and posterior brain damage: effects of lesion and test structure on separable cognitive process. Neuropsychologia, 38, 388-402.        [ Links ]

Tekin, S., & Cummings, J. L. (2002). Frontal-subcortical neuronal circuits and clinical neuropsychiatry: an update. Journal of Psychosomatic Research, 53, 647-654.        [ Links ]

Tirapu-Ustárroz, J., Muñoz-Céspedes, J. M., & Pelegrín-Valero, C. (2002). Funciones ejecutivas: necessidad de uma integración conceptual. Revista de Neurología, 34, 673-685.        [ Links ]

Trzepacz, P. T., & Baker, R. W. (1993). The psychiatric mental status. Nova York: Oxford University Press.        [ Links ]

Wechsler, D. (1981). Wechsler Adult Intelligence Scale – revised. Nova York: Psychological Corporation.        [ Links ]

West, R. L. (1996). An application of prefrontal cortex function theory to cognitive aging. Psychological Bulletin, 120(2), 272-292.        [ Links ]

Whitney, P., Arnett, P. A., & Driver, A. (2001). Measuring central executive functioning: what's in a reading span. Brain and Cognition, 45(1), 1-14.        [ Links ]

Woodruff-Pak, D. (1997). The neuropsychology of aging. Oxford: Blackwell.        [ Links ]

Yesavage, J. A., Brink, T. L., Rose, T. L., Lum, O., Huang, V., Adey, M. B., & Leirer, V. O. (1983). Development and validation of a geriatric depression screening scale: a preliminary report. Journal of Psychiatric Research, 17, 37-49.        [ Links ]

Yuspeh, R. L., Vanderploeg, R. D., Crowell, T. A., & Mullan, M. (2002). Differences in executive functioning between Alzheimer's disease and subcortical ischemic vascular dementia. Journal of Clinical and Experimental Neuropsychology, 24(6), 745-754.        [ Links ]


Autor: Bárbara Peinado


Artigos Relacionados


Theo De Carvalho - Segundo AniversÁrio

Tema: Eu Rio

Quando Vier Me Visitar...

O Processo Da Independência Do Brasil

No Vale Terá Tura

Sonhar é Viver

País De Duas Faces