DO CRIME DE ESTUPRO NA TIPIFICAÇÃO DA LEI Nº 12.015/09 – NOVATIO LEGIS IN MELLIUS?



DO CRIME DE ESTUPRO NA TIPIFICAÇÃO DA LEI Nº 12.015/09 – NOVATIO LEGIS IN MELLIUS?

Desde o início do mês de agosto o nosso Código Penal sofreu mais uma alteração no seu título VI, que dispunha sobre os crimes contra os costumes.

Inicialmente, já se verifica que o próprio "nomen júris" do título, foi modificado para "crimes contra a dignidade sexual", mudança esta salutar eis que, trouxe o nosso diploma legal mais próximo do princípio da dignidade da pessoa humana.

Em uma sociedade pós-moderna, caracterizada pelo fenômeno da sociedade do risco, sociedade de massas e estabelecida na égide de um Estado Democrático de Direito, não tinha sentido falarmos em crimes contra os costumes. Afinal, que costumes seriam esses se o indivíduo tem liberdade de escolha?

Assim sendo, tratar tal título como, crimes contra a dignidade sexual, traz à baila a questão do bem ambiental eis que a prática sexual (ou o desejo de não praticá-lo) está contido no conceito de piso vital mínimo, instituto esse conceituado pelo professor doutor Celso Antônio Pacheco Fiorillo, como sendo a combinação dos artigos 1º, inciso III com o artigo 6º, todos da Constituição Federal[1].

Contudo, em que pese a existência de muitos pontos polêmicos na neófita lei, trataremos, no presente trabalho apenas da questão do estupro.

O artigo 213 da lei em comento dispõe sobre o crime de estupro, conceituando-o da seguinte forma: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos"

De plano, verifica-se que o novo crime funde os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, anteriormente previstos na legislação pátria, tanto se afirma que a novel lei revogou expressamente o artigo 214, para que não pairasse dúvidas em relação a intenção do legislador.

A objetividade jurídica continua sendo a liberdade da dignidade sexual, porém, em relação aos sujeitos, agora, trata-se de crime comum, pois pode ser praticado por homem ou mulher e, ter como vítima, qualquer ser humano.

Importante asseverar que, o legislador efetivou o princípio constitucional da isonomia com essa alteração pois, anteriormente, se a mulher constrangesse o homem a manter com ela conjunção carnal a mesma não responderia por atentado violento ao pudor pois aquele tratava de ato libidinoso diverso da conjunção carnal e a antiga conceituação do estupro só previa a mulher como sendo sujeito passivo do tipo. Restava, subsidiariamente, ao exemplo em tela, o crime de constrangimento ilegal tipificado no artigo 146 do Código Penal, cuja pena é bem inferior ao crime de estupro.

Em relação aos elementos objetivos do tipo, pois nada mudou, continua sendo núcleo do tipo o "constranger" que significa coagir, forçar a fazer algo, mediante violência ou grave ameaça, alguém (homem ou mulher), a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

Dessa forma, resta cristalino que houve a fusão dos crimes sexuais anteriormente previstos em tipos distintos.

O elemento subjetivo, ainda, continua sendo o dolo específico (fim sexual), em que pese parte da doutrina, ainda, sustentar a necessidade do dolo genérico.

A consumação se dá de duas formas distintas, a saber: na hipótese de conjunção carnal, com a introdução, ainda que parcial, do membro no órgão sexual, sem a necessidade de ejaculação; na hipótese de ato libidinoso diverso, com a satisfação da lascívia.

De acordo com o caso concreto a conduta, em regra, será plurissubsistente, razão pela qual resta admissível à tentativa.

Nos parágrafos 1º e 2º estão contidas qualificadoras do crime de estupro e em razão do disposto no artigo 225 do Código Penal trata-se de crime de ação pública condicionada à representação em regra[2].

Em que pese às inovações extremamente relevantes da nova roupagem do crime de estupro, o legislador no afã de tratar com maior rigor os crimes sexuais, posto que o nosso Congresso Nacional, de certa forma impulsionado por parte da mídia que possui um extremo senso sensacionalista, não esconde que, ao invés de adoção de políticas públicas de educação, moradia, saúde, saneamento, alimentação que demandariam tempo (e não ganhariam votos), prefere aderir ao chamado Direito Penal de Emergência e "tipifica tudo".

Contudo, no que tange ao crime de estupro acabaram por dar "um tiro no pé" pois ao "fundir" as condutas suso mencionadas, caso o agente no mesmo contexto fático pratique conjunção carnal e outro ato libidinoso qualquer, responderá apenas pelo crime de estupro, tendo em vista a aplicação do princípio da alternatividade, diretriz essa inerente aos tipos alternativos mistos, também conhecidos como crimes de conduta variada, tipo de conteúdo variado.

Até a vigência da nova lei, caso o agente praticasse, por exemplo, conjunção carnal e felatio ori com a mesma vítima, em que pese a doutrina permitisse diversos entendimentos, prevalecia na jurisprudência que se tratava de concurso material entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, submetendo o mesmo a uma pena mínima de 12 (doze) anos, haja vista que antes da alteração os dois delitos tinham a pena mínima de 6 (seis) anos.

Agora, o mesmo caso demanda entendimento distinto eis que, todas as condutas estão subsumidas no mesmo tipo, devendo o juiz analisar o contexto criminoso apenas à luz das circunstâncias judiciais. Porém, caso entenda que a pena deve ser majorada não poderá ultrapassar o máximo legal que atualmente é de 10 (dez) anos de reclusão[3].

Dispõe a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XL que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu", preceito este ecoado, também, no Código Penal, artigo 2º, parágrafo único.

Assim, entendemos que aos condenados pela pratica das condutas descritas nos artigos 213 e 214 do Código Penal em concurso de crimes, cabe a adequação de suas respectivas penas nos termos acima propostos (Lei de Execuções Penais, artigo 66, inciso I) por se tratar de nova lei penal mais benéfica ao agente.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em 04 out. 2009.

BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execuções Penais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm. Acesso em 04 out. 2009.

BRASIL. Lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009. Altera o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5o da Constituição Federal e revoga a Lei no 2.252, de 1o de julho de 1954, que trata de corrupção de menores. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12015.htm>. Acesso em 04 out. 2009.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 231. A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&livre=%40docn&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=151. Acesso em 05 out. 2009.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=12015&processo=4301. Acesso em 05 out. 2009.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 6ª ed. ampl. - São Paulo: Saraiva, 2005.

RAMOS, Elisa Maria Rudge. Estupro e atentado violento ao pudor: crime continuado ou concurso material?. notícia LFG em 12.03.09. Disponível em: < http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090312105521891>. Acesso em 05 out. 2009.




Autor: Moacir Martini de Araújo


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