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Este buraco escuro oprime todos os sentidos do homem que fui um dia.

Desde a soleira da porta tudo é cheiro de morte e urgência de ganhar a rua.

Ao meu lado geme um velho vagabundo esquecido de si e do mundo.

Mais à frente, um marinheiro tatuado assovia uma canção indecifrável.

 

Na parede de concreto um relógio fiel bate horas tristes e de agonia.

Do outro lado do muro a vida segue em largas passadas a despeito de nós.

Rompe um dia após o outro sem que o filho veja o pai que teve.

E na lembrança do pai o rosto do menino aos poucos desaparece.

 

Neste buraco fétido não há flores, cheiro da chuva que fecunda a terra.

Nem um só instante de alegria, um só rasgo de felicidade.

Tudo aqui é dor de estar perdido da vida que pulsa lá fora.

Tudo é uma imensa solidão de sonhar-se livre e dono de si.

 

Tenho pensamentos constantes sobre portas e janelas.

Tenho uma voz que sussurra a libertação de minha alma cativa. 

Quisera acreditar que o último dia me encontrará logo a seguir!

E que aquele imenso portão de ferro tombará cansado ao solo.

 

— Ó Deus de minha infância e miséria, envia teus anjos a mim!


Autor: Nara Junqueira


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