O que é Semântica? É uma ciência à parte ou faz parte da Linguística?



Rodolfo Ilari e Geraldi (no livro Semântica, de 1987, p.6, apud apostila de Linguística da professora Ana Doroteia) consideram o seguinte: "A palavra ciência evoca domínios de investigação claramente definidos, a respeito dos quais os cientistas aperfeiçoaram métodos de análise unanimemente aceitos e elaboraram conhecimentos coerentemente articulados e fiéis aos fatos. Ao contrário disso, a Semântica [segundo eles] é um domínio de investigação de limites movediços...". Ou seja, ainda não teria um objeto claramento definido.

Por outro lado, conforme a professora doutora em Linguística Ana Doroteia, Saussure já a vislumbrava como ciência; embora, pelo que se pode inferir, não era ainda uma ciência à época do linguísta e semiólogo Saussure (A Semiologia estuda a vida dos signos no seio da vida social), e talvez hoje ainda não o seja por falta de convergência no seu objeto de estudos, ou de outro modo, pela falta de concordância entre os seus estudiosos (por ex.: nem todos concordam que sejam sinônimas as palavras significado, sentido, significação; e o entendimento do que seja signo é diferente em Saussure e Peirce; e Émile Benveniste e Ducrot têm as suas ideias próprias do que seja signo, enunciado e enunciação, etc.).

Mesmo assim, continuando, a Linguística, (que não se ocupa dos signos índices e icônicos ou não os tem como objeto), estuda os signos símbolos convencionados e de uso nas línguas para a comunicação humana; enfim, estuda as línguas, na sua evolução e estado presente, e os segmentos fônicos significativos da fala e suas várias variantes dentro de uma comunidade linguística (que interage com certo idioma coloquialmente ou para transmitir e desenvolver a sua cultura). Se serviria da Fonética Descritiva e Histórica e da Fonologia e Sociolinguística. Diante disso, podemos pensar que a Semântica entranha-se pela Linguística, não a abrangendo e nem sendo uma sua disciplina. Seria ela como um polvo cujos tentáculos se espraiam em outras ciências e delas se nutre para compreender a significação de formas-estímulos em seres vivos e máquinas autogerenciáveis.

Por conseguinte, em sentido amplo, podemos dizer que SEMÂNTICA é a ciência de tudo que possa produzir na mente humana (ou noutro ser de sensibilidade e reação) uma significação, um sentido, um significado. Essa é a definição de Palmer: "Semântica é um termo técnico usado para designar o estudo do significado". O campo de investigação da Semântica, portanto, seria bastante vasto podendo abarcar especialidades de estudo do significado em seres vivos pensantes ou senscientes e até máquinas com softwares de inteligência artificial e sensoriamente de estímulos do meio ambiente: estudaria tanto os signos tipo índice (com vínculo natural significante/significado) como do tipo símbolo (vínculo convencional significante/significado) e também aqueles do tipo ícone ou icônico (cujo significante quando mostrado na sua aparência sugestiva é uma porta de entrada a uma porção de cousas a ele relacionadas pela semelhança), pois eles, estes signos, manifestam significação, significados, sentidos (Riegel define signo como "todo elemento perceptível (o significante) que evoca outra coisa diferente dele mesmo (a significação)", havendo dois tipos: o signo índice e o signo símbolo; Peirce acrescenta o signo ícone); e ainda além, a Semântica se ocuparia também da comunicação por vontade ou intenção de um ser comunicante-emissor (a Pragmática, assim, faria parte da Semântica) ou aquela manifesta ao acaso e sem intenção de vontade ou por relações naturais de causa e efeito da natureza e outros corpos.

A palavra-chave e objeto da Semântica seria tão-somente a significação; ou melhor, toda significação produzida ou possível de ser produzida na mente humana ou em qualquer ser com alguma capacidade cerebral ou sensitiva-reativa de recepção de um estímulo (mesmo que sendo uma projeção telepática ou sensoriamente em máquinas inteligentes) e passível de traduzi-lo ou decodificá-lo e tomar alguma decisão a partir da significação produzida em seu ser, mesmo que seja a indiferença ou imobilidade.

Por exemplo:

1) perceber no céu nuvens escuras e traduzir na significação: vai chover. Nuvens escuras é sinal (ou índice) de chuva.

2) ver fumaça saindo de um barraco numa favela e gritar: Fogo!!! Fumaça é sinal (ou índice) de fogo.

3) índios vendo sinais (ou símbolos) de fumaça em uma montanha. Meio de transmissão de mensagem à distância.

4) Os sinais (ou símbolos) luminosos projetados por um marinheiro. Transmissão de mensagem à distância.

5) índios do Amazonas que falam por assobios (símbolos sonoros). Código de comunicação entre eles.

6) placas e sinais de trânsito. Símbolos para orientar os motoristas.

7) o rubor na face como sinal (ou índice) de constrangimento ou vergonha.

8) a temperatura do corpo anormalmente elevada (febre) como sinal (ou índice) de doença.

9) o alfabeto, as palavras, frases, e os números na comunicação humana. Símbolos constituindo um código para interação entre os indivíduos de uma língua.

10) A significação da relação trovão, relâmpago, raio.

11) O latido de um cachorro no entendimento de outro cachorro ou produzindo como um sinal (ou índice) com uma significação específica no entendimento do dono.

12) o código de gestos Libras para os surdos.

13) o código Braille para os cegos.

14) o código de imagens para os autistas.

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Enfim, tudo parte do campo amplo da Semântica cujo objeto e palavra-chave, como antes já fora dito, é a significação; um campo que ultrapassa os signos símbolos da linguagem humana, estuda também os signos índices, ícones, e vai além...

José Fernandes da Silva2, falando do Signo Semiótico assim descreve o signo ícone: "Os signos são icônicos quando a relação entre as coisas em que eles aparecem e as coisas que eles representam é de caráter imitativo e, portanto, baseada não mais numa simples convenção [caso do signo símbolo], mas em dada semelhança entre os dois tipos de coisas, no sentido de que, se isto parece com aquilo, de modo que, percebendo-se isto, lembra-se imediatamente daquilo, então a primeira coisa pode ser tomada como representação da segunda coisa. (...) As cores verde, amarela e azul (com pintinhas brancas), que aparecem na bandeira de nosso país, podem ser tomadas como representações das riquezas vegetais e minerais nele existentes, bem como do céu límpido e iluminado que, nas noites de estio, cobre tudo isso."

Restringindo-se a Semântica dos elementos significativos de uma língua como instrumento da linguagem para a comunicação entre pessoas de uma comunidade, as palavras, os radicais, os elementos mórficos derivativos e flexivos, os lexemas, as frases, abstraídos de um contexto específico ou contextualizados, teremos algumas divisões de estudo semântico:

*

a) A Semântica Lexical tem por fim estudar os lexemas; os homônimos e termos polissêmicos, as ambiguidades geradas pela homonímia perfeita, os parônimos e hipônimos, os antônimos e sinônimos, a pressuposição, a denotação e a conotação, a análise componencial (dos traços semânticos) de uma palavra.

Pode-se aqui estudar a Teoria dos Signos de Saussure (suíco que revolucionou a Linguística) e Peirce2 (linguista norte-americano), como os que os repensaram: Benveniste3 e Ducrot3.

Em www.fernandodannemann.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=690911 explica-se: "Chama-se "palavra" a combinação de sons pela qual podemos designar alguém ou alguma coisa. O balbucio inicial de uma criança que ainda não fala, não constitui palavra, mas se, por exemplo, ela diz "áua" quando quer beber, isso é uma palavra, embora não corresponda exatamente ao modelo (água) da fala adulta." Ou seja, a sequência fônica que representa algo ou alguém é um significante, mas se em vez desse /áua/ projeta-se (como um projetor de filme - este a mente emissora - numa tela de cinema - a mente receptora -) direto na mente da criança a imagem mental e o sentir de uma água derramando-se em sua mão por via direta, telepática, onde estaria o significante? Passar-se-ia apenas o significado a ser processado e compreendido numa significação.

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b) A Semântica da Frase estuda a influência dos termos que a compõem, com suas funções e posição na estrutura frasal.

Aqui pode ser estudada a Gramática Gerativa de Chomsky [tendo em português, de Christian Nique, tradução de Edward Lopes, a "Iniciação Metódica à Gramática Gerativa", São Paulo: Cultrix, 1974] para análise dos sintagmas, e a Gramática de Valências5 para conhecer a dependência dos termos da oração em relação ao verbo6 (estudo iniciado em 1966 por Lucien Ternière, na obra Éléments, seguido por Chafe, 1979, Mário Vilela, 1984, e Francisco da Silva Borba: "Uma gramática das valências para o português". São Paulo: Ática, 1996.)

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c) A Semântica Formal analisa o valor-verdade das sentenças, ou a relação dos enunciados com o mundo real ou um mundo fictício ou hipotético.

Para John Lyons seria essa disciplina um complemento da Pragmática.

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d) A Pragmática8, ou prática dos elementos semântico-linguísticos interacionados, é o estudo do ato da fala (o enunciado) dentro de uma situação específica ou contexto (a enunciação) com uma intenção por parte do falante ou emissor. Em geral é considerada um ramo da Linguística, todavia, como gera significados extra-linguísticos, isto é, significações no receptor ou ouvinte, preferimos colocá-la como uma disciplina da Semântica.

Pelo site http://pt.wikipedia.org/wiki/Pragmática temos a seguinte explicação desse ramo linguístico: "A Pragmática estuda os significados linguísticos determinados não exclusivamente pela Semântica proposicional ou frásica, mas aqueles que se deduzem a partir de um contexto extra-linguístico: discursivo, situacional, etc. A capacidade de compreender a intenção do locutor é chamada de competência pragmática. A Pragmática está além da construção da frase, estudado na Sintaxe, ou do seu significado, estudado pela Semântica. A Pragmática estuda essencialmente os objetivos da comunicação. Como exemplo, suponha uma pessoa queira fazer uma segunda pessoa não fumar numa sala. Pode simplesmente dizer, de uma forma muito direta: "Pode deixar de fumar, por favor?". Ou, em alternativa, pode dizer: "Huumm, esta sala precisa de um purificador de ar". Repare que a palavra 'fumo' ou 'fumar' não é utilizada, mas indiretamente revela a intenção do locutor. O termo Pragmática como ramo da linguística teve início com Charles Morris, em 1938, significando o estudo da linguagem em uso."

Outro exemplo:

- Esta sala está quente...

Acabando aí, apenas frase declarativa ou declaração, um sentido literal. Os lexemas sala e quente podem ser esclarecidos pela Semântica.

Mas, fosse dito assim:

- Esta sala está quente... (...) Está tão quente, não acham?... (...) Puxa, será que ninguém tem um simancol aqui? O botão da coisa para ventilar mais ar está perto da porta!

- Oras, amiga, todo mundo aqui está cansado e com uma preguiça danada em se levantar. Se você deu a ideia, em indiretas e diretas, vai lá e liga pra gente!

Ou seja, a frase pronunciada não era apenas uma declaração, tinha uma intenção, um sentido contextualizado, portanto, cai no campo da Pragmática. O entendimento do que se diz depende do contexto situacional, da enunciação, e da intenção que exala feito perfume além do texto manifesto.

Se alguém saísse por aí em pequena cidade repetindo às pessoas que cruzassem consigo pela rua:

- Sim, agora. (...) Sim, agora. (...) Sim, agora., etc.

Seria como um Diógenes saindo com uma vela acesa em meio a uma multidão. Quem não entendesse o contexto que o levou àquela atuação pensaria "É mais um louco no mundo.", "Coitado, já sem razão, nem sabe mais o que diz.".

Entretanto, ele encontrou com alguém conhecido e também filósofo que entendeu o código e mensagem, tinha a chave do deciframento enigmático:

- Sim, agora.

- Agora sim, compadre, encontraste um amigo. Quantos indiferentes encontrou? Quantos tentavam ajudá-lo ou ao menos dirigiram-lhe uma palavra ou pergunta?

- Ninguém, colega, ninguém é o nome dos indiferentes.

- Uma exclusão total?!

- Geral.

*

Expressões da fala dentro de um contexto gera significados que vão além das palavras e sentenças pronunciadas, exalam inferências, pressuposições, deduções, intenções, elipses subentendem textos maiores.

Por exemplo, uma frase solta sem contexto: O carro bateu no banco.

Pelo homônimo "banco" não se sabe se o veículo bateu em um assento da praça ou na parede do local instituição financeira.

Agora, expressando a situação contextualizada:

Maria estava saindo do local onde foi efetuar o depósito de parte de seu salário quando viu um veículo desgovernado em sua direção, rápido desviou-se e o carro bateu, no banco, à porta do banco de onde estava saindo. Foi um grande susto.

Quando uma pessoa, com um aparelho fonador bem constituído ou minimamente constituído ao seu fim prático, conhece as regras para a formação das frases, da sequência de palavras compreensíveis (saber linguístico), e conhece um conjunto de palavras e seus conteúdos semânticos e gramaticais funcionais para uso concreto na língua, então, ela tem a competência linguística e de linguagem para falar e ser entendida, e entender também o que lhe dizem.

Quando fala, em um ambiente concreto de comunicação, um contexto, enunciação, com um vocabulário pobre ou diversificado, em tom formal ou coloquial, mostra quanto aprendeu e assimilou da língua ou de uma variação da sua língua, mostra o seu estilo de se expressar, o seu desempenho ou performance na língua.

e) A Semiologia, pelo livro O Projeto Semiótico, Carontini, p.6, fala o seguinte: "Saussure não parou aí. Previa uma vasta ciência cujo objeto seria o estudo de todos os sistemas de signos da vida social: e é a essa ciência nova que ele chamará Semiologia. O que se deve então entender por esta expressão **a vida de todos os sistemas de signos da vida social?** Em seu projeto, Saussure englobava todas as formas sociais de comunicação e de significação, isto é, tanto a linguagem dos surdos-mudos quanto o sistema codificado da moda, e tantos outros. Como se vê, seu projeto permitia incluir qualquer forma daquilo a que se chama hoje práticas significantes."

Para José Fernandes da Silva2, "a Semiótica pode ser definida como teoria geral dos signos e dos sistemas de signos", ou seja, parece ser um sinônimo para a Semiologia de Saussure.

*

Podem se utilizar da Semântica a Cibernética9 (que estuda como os sistemas se organizam, como se regulam, se reproduzem, evoluem e aprendem11; "uma tentativa de compreender a comunicação e o controle de máquinas, seres vivos e grupos sociais", "Segundo Wiener (1968), do ponto de vista da transmissão da informação, a distinção entre máquinas e seres vivos, humanos ou não, é mera questão de semântica") e a Robótica10 ("sistemas compostos por máquinas e partes mecânicas automáticas e controladas por circuitos integrados", tais "máquinas, pode-se dizer que são vivas, mas ao mesmo tempo são uma imitação da vida, não passam de fios unidos e mecanismos, isso tudo junto concebe um robô", "Os robôs são apenas máquinas, não sonham nem sentem e muito menos ficam cansados").

Bibliografia:

1) http://www.alfa.ibilce.unesp.br/download/v49/v49-1/cap5.pdf, acesso mês de outubro/2009.

2) www.scribd.com/doc/11451925/O-SIGNO-SEMIOTICO-NA-PERSPECTIVA-DE-CHARLES-SANDERS-PEIRCE, acesso mês de outubro/2009.

3) Leci Borges Barbisan, PUC-Porto Alegre:

http://w3.ufsm.br/revistaletras/artigos_r33/revista33_3.pdf, , acesso mês de outubro/2009.

4) Resenha de Introdução a Semântica de Rodolfo Ilari:

http://74.125.47.132/search?q=cache%3AHzQiuXlLxU4J%3Awww.scielo.br%2Fpdf%2Fdelta%2Fv18n2%2Fv18n2a08.pdf+iontrodu%EF%BF%BD%EF%BF%BD%EF%BF%BD%EF%BF%BDo+a+semantica+de+Rodolfo+Ilari&hl=pt-BR&gl=br, acesso mês de outubro/2009.

5) http://www.alfa.ibilce.unesp.br/download/v49/v49-1/cap5.pdf, acesso mês de outubro/2009.

6) http://www.tradepar.com.br/detalhes/estudos-de-gramatica-descritiva-as-valencias-verbais-9788588456877-488.html, acesso mês de outubro/2009.

7) http://pt.wikipedia.org/wiki/Pragmática, acesso mês de outubro/2009.

8) Introdução ao Pragmatismo Linguístico: www.filologia.org.br/soletras/1/07.htm, acesso mês de outubro/2009.

9) http://pt.wikipedia.org/wiki/Cibernética, acesso mês de outubro/2009.

10) http://pt.wikipedia.org/wiki/Robótica, acesso mês de outubro/2009.

11) Epstein, Isaac. "Cibernética e Comunicação". São Paulo, Cultrix, 1973.


Autor: sergio carneiro de andrade


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