A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA



Cristiane Kuhn de Oliveira

A escola, principalmente a pública, é espaço democrático dentro da sociedade contemporânea. Servindo para discutir suas questões, possibilitar o desenvolvimento do pensamento crítico, trazer as informações, contextualizá-las e dar caminhos para o aluno buscar mais conhecimento. Além disso, é o lugar de sociabilidade de jovens, adolescentes e também de difusão sócio-cultural. Mas é preciso considerar alguns aspectos no que se refere a sua função social ea realidade vivida por grande parte dos estudantes brasileiros.

Na atualidade alguns discursos tenham ganhado força na teoria da educação. Estes discursos e teorias, centrados na problemática educacional e na contradição existente entre teoria e prática produzem certas conformações e acomodações entre os educadores.

Muitos atribuem a problemática da educação às situações associadas aos valores humanos, como aausência e/ou ruptura de valores essenciais ao convívio humano. Assim, como alegam despreparo profissional dos educadores, salas de aula superlotadas, cursos de formação acelerados, salários baixos, falta de recursos, currículos e programas pré-elaborados pelo governo, dentre tantos outros fatores, tudo em busca da redução de custos.

Todas essas questões contribuem de fato para a crise educacional, mas é preciso ir além e buscar compreender o núcleo dessa problemática, encontrar a raiz desses fatores, entendendo de onde eles surgem. A grande questão é: qual a origem desses fatores que impedem a qualidade na educação?

Certamente a resposta para uma discussão tão atual como essa surja com o estudo sobre as bases que compõem a sociedade atual. Pois, ao analisar o sistema capitalista nas suas mais amplas esferas, descobre-se que todas essas problemáticas surgem da forma como a sociedade está organizada com bases na propriedade privada, lucro, exploração do ser humano e da natureza e se manifestam na ideologia do sistema.

Um sistema que prega a acumulação privada de bens de produção, formando uma concepção de mundo e de poder baseada no acumular sempre para consumir mais, onde quanto mais bens possuir, maior será o poder que exercerá sobre a sociedade, acaba por provocar diversos problemas para a população, principalmente para as classes menos favorecidas, como: falta de qualidade na educação, ineficiência na saúde, aumento da violência, tornando os sistemas públicos, muitas vezes, caóticos.

Independentemente do discurso sobre a educação, ele sempre terá uma base numa determinada visão de homem, dentro e em função de uma realidade histórica e social específica. Acredita-se que a educação baseia-seem significações políticas, de classe. Freitag (1980) ressalta a freqüente aceitação por parte de muitos estudiosos de que toda doutrina pedagógica, de um modo ou de outro, sempre terá como base uma filosofia de vida, uma concepção de homem e, portanto, de sociedade.

Ainda segundo Freitag (1980, p.17) a educação é responsável pela manutenção, integração, preservação da ordem e do equilíbrio, e conservação dos limites do sistema social. E reforça "para que o sistema sobreviva, os novos indivíduos que nele ingressam precisam assimilar e internalizar os valores e as normas que regem o seu funcionamento."

                                                A educação em geral, designa-se com esse termo a transmissão e o aprendizado das técnicas culturais, que são as técnicas de uso, produção e comportamento, mediante as quais um grupo de homens é capaz de satisfazer suas necessidades, proteger-se contra a hostilidade do ambiente físico e biológico e trabalhar em conjunto, de modo mais ou menos ordenado e pacífico. Como o conjunto dessas técnicas se chama cultura, uma sociedade humana não pode sobreviver se sua cultura não é transmitida de geração para geração; as modalidades ou formas de realizar ou garantir essa transmissão chama-se educação. (ABBAGNANO, 2000, p. 305-306)

Assim a educação não alienada deve ter como finalidade a formação do homem para que este possa realizar as transformações sociais necessárias à sua humanização, buscando romper com o os sistemas que impedem seu livre desenvolvimento.

A alienação toma as diretrizes do mundo do trabalho no seio da sociedade capitalista e no modo como esse modelo de produção nega o homem enquanto ser, pois a maioria das pessoas vive apenas para o trabalho alienado, não se completa enquanto ser, tem como objetivo atingir a classe mais alta da sociedade ou, ao menos, sair do estado de oprimido, de miserável. Perde-se em valores e valorações, não consegue discernir situações e atitudes, vive para o trabalho e trabalha para sobreviver. Sendo levado a esquecer de que é um ser humano, um integrante do meio social em que vive, um cidadão capaz de transformar a realidade que o aliena, o exclui.

Há uma contribuição de Saviani (2000, p.36) que a respeito do homem considera "(...) existindo num meio que se define pelas coordenadas de espaço e tempo. Este meio condiciona-o, determina-o em todas as suas manifestações." Vê-se a relação da escola na formação do homem e na forma como ela reproduz o sistema de classes.

Para Duarte (2003) assim como para Saviani (1997) o trabalho educativo produz nos indivíduos a humanidade, alcançando sua finalidade quando os indivíduos se apropriam dos elementos culturais necessários a sua humanização.

O essencial do trabalho educativo é garantir a possibilidade do homem tornar-se livre, consciente, responsável a fim de concretizar sua humanização. E para issotanto a escola como as demais esferas sociaisdevem proporcionar a procura, a investigação, a reflexão, buscando razões para a explicação da realidade, uma vez que é através da reflexão e do diálogo que surgem respostas aos problemas.

Saviani (2000, p.35) questiona "(...) a educação visa o homem; na verdade, que sentido terá a educação se ela não estiver voltada para a promoção do homem?" E continua sua indagação ao refletir "(...) uma visão histórica da educação mostra como esta esteve sempre preocupada em formar determinado tipo de homem. Os tipos variam de acordo com as diferentes exigências das diferentes épocas. Mas a preocupação com o homem é uma constante."

Os espaços educativos, principalmente aqueles de formação de educadores devem orientar para a necessidade da relação subjetividade-objetividade, buscando compreender as relações, uma vez que, os homens se constroem na convivência, na troca de experiências. É função daqueles que educam levar os alunos a romperem com a superficialidade de uma relação onde muitos se relacionam protegidos por máscaras sociais, rótulos.

A educação, vista de um outro paradigma, enquanto mecanismo de socialização e de inserção social aponta-se como o caminho para construção da ética. Não usando-a para cumprir funções ou realizar papéis sociais, mas para difundir e exercitar a capacidade de reflexão, de criticidade e de trabalho não-alienado.

                                               (...) sem ingenuidade, cabe reconhecer os limites impostos pela exploração, pela exclusão social e pela renovada força da violência, da competição e do individualismo. Assim, se a educação e a ética não são as únicas instâncias fundamentais, é inegável reconhecer que, sem a palavra, a participação, a criatividade e apolítica, muito pouco, ou quase nada, podemos fazer para interferir nos contextos complexos do mundo contemporâneo. Esse é o desafio que diz respeito a todos nós. (RIBEIRO; MARQUES; RIBEIRO 2003, p.93)

A escola não pode continuar a desenvolver o papel de agência produtora de mão de obra. Seu objetivo principal deve ser formar o educando como homem humanizado e não apenas prepará-lo para o exercício de funções produtivas, para ser consumidor de produtos, logo, esvaziados, alienados, deprimidos, fetichizados.

É necessário que a práxis educativa dos educadores e educadoras supere o espírito de competitividade individualista e egoísta da sociedade capitalista. A fim de que possa se converter em instrumento de ação política e social, a favor das classes trabalhadoras.

Diante do exposto pode-se questionar: qual o perfil dos educadores e dos estudantes de educação frente à problemática educacional na sociedade capitalista?

É claro que não há um perfil determinado e nem um modelo que deva ser seguido á risca. Mas pode-se salientar que os envolvidos com a educação e que desejam ou acreditam na possível transformação social devem buscar através da dinâmica e da dialética, assumir um compromisso com o povo, abandonando a postura de neutralidade e visando a práxis transformadora; recusar o imobilismo, não ficando somente na idéia de críticas e denúncias, mas pesquisando e apontando soluções; encarar a educação como problematizadora, tendo a consciência de que não cabe a educação realizar a transformação estrutural da sociedade, mas que, para que ocorra essa transformação a educação tem um papel intransferível.

Mészáros (2005) salienta que a educação deve qualificar para a vida, e não para o mercado, como está impregnada na ideologia capitalista, como mercadoria, um negócio. Para elea crise educacional não resulta apenas da modificação política dos processos educacionais, masda reprodução da estrutura dos valores que perpetuam a ideologia da sociedade mercantil.

Nessa perspectiva pode-se apontar que a origem dos fatores que impedem a universalização da educação, uma educação igualitária e que promova o ser humano e o ser social está na ideologia imposta pelo capital.

Trata-se de reações provocadas pelo trabalho alienado e alienante, condições originadas das relações de produção, que levam os indivíduos a seguir modelos e a desencadear tantas outras situações que fortalecem ainda mais o sistema. As crises que agravam o sistema educacional são conseqüências do modelo econômico vigente e contribuem para o maior agravamento da situação.

Atrelado a esse contexto, explica Mészáros (2005, p.27) "(...) é por isso que é necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente."

Somente um sistema que pregue e realmente efetive a igualdade entre homens, sem dominados nem dominantes, poderá contemplar a formação integral do homem. Da mesma forma que, depende de uma educação de qualidade a possibilidade de termos uma sociedade mais justa, em que a ética exista e se firme enquanto ciência da conduta entre homens.

Para compreender mais nitidamente toda essa discussão, busca-se compreender quem determina os rumos da educação. E para chegar a essa resposta basta analisar que as classes dominantes impõem uma educação que sustente o trabalho alienado, em que o capital destrói o lazer apostando num prazer alienado, de puro entretenimento e voltado para o mercado, a fim de manter o trabalhador na condição de dominado. Assim, as relações de trabalho originadas desse meio, transformam e moldam a cultura ocorrendo a reprodução de valores que auxiliam a continuação de concepções de homem e de mundo firmadas na sociedade mercantil.

Em meio a todas essas questões torna-se preciso refletir se a educação de qualidade para todos prejudica o interesse de alguns. E para esse questionamento Gomes (1994, p.47) explica que "(...) não pode haver educação livre ou universal, enquanto existem classes. Embora possa utilizar disfarces sutis, a escola é o instrumento da classe dominante."

A educação escolar, considerada como o principal meio de transformação social através da conscientização, criticidade e reflexão do homem em relação ao meio em que vive, tem tomado outros significados no seio da alienação da sociedade e acabadesempenhando o papel de depósito de jovens, onde oferece os conhecimentos úteis ao mercado de trabalho e legitima os valores ditos pela classe dominante, integrando-se ao processo de acumulação de capital que perpetuae reproduz o sistema de classes.

A escola, neste contexto, não é imparcial. Ela atua como instrumento de dominação, sendo reprodutora das classes sociais por meio de processos de exclusão dos mais pobres, concomitamente com a dissimulação dessa situação, impondo uma cultura que considera legítima, tornando falsas quaisquer outras manifestações que contrariama ideologia dominante.

Vale salientar que, mesmo com todas essas problemáticas geradas pelo capitalismo, e até mesmo, como resposta a todos esses conflitos, há uma parcela da sociedade que lança mão das lutas sociais e das manifestações culturais e artísticas a fim de difundir o pensamento dialético, de criticidade de forma a tentar superar a ideologia vigente.

É evidente que devido a todas essas limitações provocadas pelo sistema, sempre surgem novos movimentos como respostas a novas exigências sociais, originando-se das carências sociais mais atuantes e relevantes e por isso mesmo, com a possibilidade de compreender e interpretar os anseios populares. Dentre esses movimentos pode-se destacar os que defendem os direitos humanos, as populações marginalizadas e o meio ambiente.

Mas a escola não pode ser vista apenas como instrumento de dominação. E através dela que se busca a superação da realidade vigente. E é a escola, também, que proporciona o surgimento de muitos movimentos sociais que almejam a superação da crise capitalista. A escola pode e deve ser vista como espaço de prazer, de trocas, de experiências, onde aprende-se a viver e a conviver. Não fosse assim, não haveriam reaçõesdos mais diferentes tipos por parte de alunos e de professores que insatisfeitos com determinada situação buscam mudanças.

É urgente superar a educação tantas vezes deseducadora, abandonando posturas embutidas na ideologia do sistema e ultrapassar a visão distorcida da educação como mero instrumento de formação para o mercado de trabalho. Reformular o compromisso de educadores com a atividade pedagógica e renovar o comportamento frente à sociedade.

Vale reafirmar que embora a escola esteja comprometida com os interesses econômicos, sociais e políticos dominantes, legitimando ou reproduzindo estas estruturas, ela também pode ser transformadora desde que os sujeitos que a integram tenham clareza, compreendam o movimento da realidade e construam uma práxis transformadora que vise a verdadeira socialização dos bens materiais e espirituais produzidos pela humanidade. Além do mais, a universidade e os cursos de formação de professores tem um papel relevante ao reagirem sobre as bases teóricas, o currículo e as discussões que negligenciam a análise crítica-radical da sociedade.

A função social se amplia a fim de converter-se em centro privilegiado de educação, cidadania e cultura. A escola, enquanto instituição ética e socializadora, consiste num dos principais meios para a formação crítica e cidadã. E para o exercício dessa incumbência a escola precisa assegurar a realizaçãode atividades que possuem relação com todos os aspectos que envolvem a tarefa maior da escola: a qualidade em educação. Tendo como objetivo o processo de ensino e aprendizagem e a realização de atividades que não possuem uma relação direta com o processo educativo, mas concorrem para torná-lo efetivo, propiciando as condições básicas para que ele se realize, assimpodemos citar algumas:

·Possuir autonomia, definindo e construindo seu próprio caminho pedagógico;

·Oferecer instrumentos de compreensão da realidade local, onde a escola considere a realidade na qual está inserida, promovendo a identidade cultural do aluno;

·Propor planejamento adequado com ações articuladas aos objetivos, assim como programas de avaliação de desempenho;

·Possuir um currículo contextualizado, que seja organizado e que assegure as aprendizagens fundamentais estabelecidas para o país, mas que se identifique com o contexto local;

·Promover a inclusão e a participação dos educandos em relações sociais diversificadas e cada vez mais amplas;

·Estimular o exercício da cidadania;

·Criar a ação educativa partilhada com a comunidade local, ultrapassando os muros da escola;

·Incentivar o professor a assumir sua condição de pesquisador, dentre tantas outras.

Além disso cabe ao governo investir em política educacional de qualidade, garantindo infra-estrutura de funcionamento, condições adequadas de trabalho e salário, programas de capacitação e a adoção de uma gestão participativa e democrática.

Assim é direito e dever de todos os segmentos sociais, que buscam e acreditam numa sociedade democrática, exigir o cumprimento e realização das funções primordiais da educação garantidas em lei. Sendo importante a participação nas decisões relativas aos rumos, diretrizes e organização.

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

DUARTE, Newton. Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões? Campinas, SP: Autores Associados, 2003.

_________.(org.). Crítica ao fetichismo da individualidade. Campinas, SP: Autores Associados, 2004.

FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação. 3. ed. São Paulo: Moraes, 1980.

FREITAG, Bárbara. Educação, estado e sociedade. 4. ed. rev. São Paulo: Moraes, 1980.

GOMES, Candido Alberto. A educação em perspectiva sociológica. 3. ed. rev. amp. São Paulo: EPU,1994.

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. Tradução de Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2005.

RIBEIRO, Luís Távora Furtado; MARQUES, Marcelo Santos; RIBEIRO, Marco Aurélio de Patrício . Ética em três dimensões. 2. ed. Fortaleza: Brasil Tropical, 2003.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 6. ed. Campinas, Autores associados, 1997.

________. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 13. ed. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2000.

________. Escola e democracia: teorias daeducação, curvatura da vara, onze teses sobre a educação política. 36. ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.


Autor: Cristiane Kuhn de Oliveira


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