COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: O PRINCÍPIO DA PROPROCIONALIDADE COMO MEIO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS



A colisão entre direitos fundamentais é tema atual e que tem merecido atenção da doutrina, tendo em vista a importância desses direitos no ordenamento jurídico brasileiro e a difícil tarefa do intérprete em buscar solução para esses conflitos. Procuramos iniciar o estudo do tema proposto, fazendo uma relação entre os direitos fundamentais e os direitos humanos. Em seguida abordamos as dimensões dos direitos fundamentais. Buscamos, com respaldo na melhor doutrina, mostrar a importância de se identificar os seus elementos essenciais e seu âmbito de proteção, vez que extremamente importante devido à complexidade do sistema de direitos fundamentais. Por fim, tratamos da problemática dos conflitos entre direitos fundamentais e entre estes e outros valores protegidos constitucionalmente, apresentando propostas da doutrina e jurisprudência, em especial o princípio da proporcionalidade, para a solução desses conflitos.

INTRODUÇÃO

Após uma longa história de desencontros entre um país e sua gente, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, impulsionada por fenômenos políticos importantes, tais como, a organização da sociedade, a liberdade de imprensa, a formação de uma opinião pública mais consciente, o movimento social e a alternância de poder, marca a construção de uma nova interpretação constitucional. Tudo isso só foi possível porque o povo, finalmente, ingressou na trajetória política brasileira, o que culminou com uma maior efetividade da constituição. A partir daí as normas constitucionais conquistaram o status pleno de normas jurídicas, dotadas de imperatividade[1].

Vale registrar que o modelo de interpretação tradicional, que se utiliza da técnica da subsunção, ainda continua sendo importante na solução de muitos conflitos jurídicos. Todavia, a nova interpretação constitucional se assenta em um modelo de princípios, aplicáveis mediante ponderação, e visa, primordialmente, a assegurar a efetividade dos direitos fundamentais e da própria constituição.

O constituinte brasileiro conferiu aos direitos fundamentais uma importância ímpar, um significado especial, dedicando, em seu art. 5°, setenta e oito incisos e quatro parágrafos a eles.

Segundo lição de J.J. Gomes Canotilho[2], recepcionando a doutrina de Robert Alexy, a fundamentalidade de um direito se relaciona com sua especial dignidade no ordenamento jurídico.

O legislador constituinte, visando assegurar a identidade e continuidade da própria constituição, considera ilegítima qualquer tentativa de suprimir esses direitos fundamentais, tendo gravado-os com a cláusula da eternidade (Art. 60§4°)[3].

Todavia, nenhum direito é absoluto. A idéia da relativização dos direitos não é recente, pois já advertia GEORGES RIPERT, in citação de Hely Lopes Meirelles[4]: "o direito do indivíduo não pode ser absoluto, visto que o absolutismo é sinônimo de soberania. Não sendo o homem soberano na sociedade, o seu direito é, por conseqüência, simplesmente relativo".

Podem ocorrer, portanto, muitas situações de colisão entre direitos fundamentais constitucionalmente protegidos, devendo o intérprete resolver esse conflito da maneira menos lesiva, possível, aos direitos tutelados. A problemática do tema consiste em auxiliar o intérprete na definição de qual dos direitos fundamentais deverá prevalecer.

A moderna interpretação constitucional, já citada, entende que o sentido da norma será determinado à vista dos elementos do caso concreto, dos princípios a serem preservados e dos fins a serem realizados e procura auxiliar o exegeta nessa árdua tarefa de solução dos conflitos entre direitos fundamentais, buscando demarcar os parâmetros para a ponderação de valores e interesses e pelo dever de demonstrar, de maneira fundamentada, o acerto de suas decisões[5].

1. DIREITOS FUNDAMENTAIS- CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Os direitos fundamentais são os direitos humanos reconhecidos como tais pelas autoridades políticas incumbidas de editar normas, ou seja, são os direitos humanos positivados nas constituições, nas leis, nos tratados internacionais os quais dão maior segurança às relações sociais[6].

Na lição de Vidal Serrano Nunes Júnior e Luiz Alberto David Araújo, direitos fundamentais podem ser conceituados como a "... categoria jurídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade humana em todas as dimensões"[7].

Assim, os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Como direitos subjetivos, outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos estatais[8] e, também, em relação aos particulares, com a chamada aplicação horizontal dos direitos fundamentais.

Enquanto elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito Democrático[9]. Em suma, o núcleo de identidade da constituição são os direitos fundamentais.

2. DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A doutrina nacional apresenta uma classificação de direitos fundamentais em primeira, segunda e terceira dimensão. Os direitos de primeira dimensão são os direitos individuais (também conhecidos como civis ou liberdades públicas) e os políticos. Os direitos de segunda dimensão são os direitos sociais, econômicos e culturais. O direito de terceira dimensão é a solidariedade internacional ou fraternidade (paz no mundo, desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, etc.). Alguns sustentam a existência de uma quarta dimensão de direitos, que seria a proteção do indivíduo frente à existência da tecnologia e seu avanço, além da comunicação em massa. Na Europa fala-se em uma quarta dimensão de direitos para significar a proteção ao patrimônio genético.

Em que pese o esforço da doutrina em classificá-los, o mais importante é conseguir mantê-los, proteger os direitos duramente adquiridos ao longo da histórica e continuar avançando, a fim de garantir a dignidade plena para todos. Esse é o esforço que deve ter o intérprete, na solução dos conflitos entre direitos individuais, o de garantir a continuidade desses direitos e a justiça de sua decisão, na perspectiva constitucional.

3.ÂMBITO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E AS POSSÍVEIS LIMITAÇÕES

O pluralismo de idéias existentes na sociedade é projetado na constituição, sendo acolhido através de seus princípios, valores e interesses dos mais variados. Esses princípios entram, às vezes, em tensão na solução de casos concretos[10].

Para a análise de qualquer direito fundamental faz-se necessário, inicialmente, delimitar o seu âmbito, ou núcleo de proteção, e, se for o caso, fixar, de maneira precisa, as restrições ou limitações a esses direitos, pois o exercício dos direitos individuais pode, muitas vezes, dar ensejo a conflitos com outros direitos constitucionalmente protegidos[11].

Para se aferir o núcleo ou âmbito de proteção de um direito fundamental não há uma regra geral, exigindo, para cada direito fundamental, um procedimento. Pode-se afirmar que a definição do âmbito de proteção exige uma análise da norma constitucional garantidora de direitos, tendo em vista:

a) a identificação dos bens jurídicos protegidos e a amplitude dessa proteção;

b) a verificação de possíveis restrições contempladas, expressamente, na constituição e identificação de reservas legais de índole restritiva.

Portanto, para a identificação precisa do âmbito de proteção de um direito fundamental é necessário um constante esforço hermenêutico, vez que essa discussão é o ponto central da dogmática dos direitos fundamentais.

4. DIREITOS FUNDAMENTAIS- PRINCÍPIOS OU REGRAS

Outro aspecto a ser considerado é se o intérprete entende os direitos individuais como posições definitivas (regras), ou se entende que eles apenas definem posições prima facie (princípios).

Vale registrar a lição de Alexy, citado por Gilmar Ferreira Mendes[12], onde registra a diferença entre princípios e regras:

"Segundo a definição básica da teoria dos princípios, princípios são normas que nos permitem que algo seja realizado, da maneira mais completa possível, tanto no que diz respeito à possibilidade jurídica quanto à possibilidade fática. Princípios são, nestes termos, mandatos de otimização (Optimierungsgebote)... O processo para a solução de colisões de princípios é a ponderação. Regras são normas que são aplicáveis ou não-aplicáveis. Se uma regra está em vigor, é determinante que se faça exatamente o que ela exige: nem mais e nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no contexto fático e juridicamente possível. São postulados definitivos (definitive Gebote). A forma de aplicação das regras não é a ponderação, mas a subsunção".

Como se sabe, foi Ronald Dworkin[13], se contrapondo ao positivismo jurídico de Hans Kelsen, quem primeiro sustentou a tese segundo a qual a configuração das normas como princípios ou como regras é uma atividade cognoscitiva, em que existem características estruturais ou morfológicas que diferenciam uma espécie da outra. Ao valorizar a função dos princípios, Dworkin cria uma importante diferenciação entre regras e princípios, ressaltando que ambos estão inseridos na categoria normas jurídicas. Sustenta o autor que as regras não têm função diferenciada dentro do sistema jurídico, pois caso ocorra colisão entre duas regras, uma delas irá substituir completamente a outra. Ao contrário, se dois princípios colidem, o intérprete deverá, analisando o caso concreto, aplicar preferencialmente um deles, através da ponderação, mas o princípio preterido não perderá a eficácia e poderá ser utilizado em outras hipóteses.

A diversidade na tipologia das normas entre regras e princípios é condição necessária e suficiente para a diversidade na sua interpretação e aplicação, para a diversidade na argumentação, a partir de um ou outro tipo, para a diversidade na solução dos conflitos e colisões.

Importa, assim, averiguar, primeiro, se uma determinada ação é adequada para promover a realização de um princípio, sem que iniba ou impeça a realização de outro princípio e, segundo, qual dos meios igualmente idôneos é o mais benigno com o direito fundamental afetado. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostos.

Por sua vez, as regras são normas que somente podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então há de fazer-se exatamente o que ela exige.

Assim, como já dissemos, os princípios contêm mandados prima facie, ou seja, os princípios apresentam razões que podem ser suplantadas por outras razões opostas. Os princípios encontram-se sempre em uma situação de tensão, pois cada princípio limita a possibilidade jurídica do outro, de modo que inexiste princípio absoluto, isto é, não há nenhum caso em que não possa ser suplantado por outro.

Isto conduz à necessidade, em uma situação de tensão, do estabelecimento de procedimentos metodológicos, a fim de resolver a colisão entre os princípios, procedimento este denominado: Juízo de ponderação.

5. A FUNÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O Princípio da proporcionalidade (ou razoabilidade) é visto como parâmetro de controle da constitucionalidade das leis e dos atos administrativos e/ou judiciais. A doutrina costuma examiná-lo sob o prisma de seus três elementos (ou sub-princípios): a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Não preenchendo a norma qualquer desses três elementos ou não se conformando com eles o ato administrativo ou judicial produzido pela respectiva autoridade, deverá ser considerado inconstitucional, por violação ao Princípio da Proporcionalidade.

Ademais, o princípio da proporcionalidade visa inibir e neutralizar o abuso do Poder Público no exercício de suas funções, especialmente o de legislar e regulamentar, funcionando como fundamental categoria de limitação de excessos emanados do Estado, atuando, ainda, como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade dos atos estatais.

Já na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, havia previsão de restrições legais, que impunham limites aos direitos naturais e a necessidade de intervenção legislativa para fixação desses limites. Percebe-se, também, nesse documento histórico, a preocupação com o problema da colisão de direitos, sendo que contemplava, ainda, o princípio da supremacia da lei e da reserva legal[14].

Não há dúvidas de que a imposição de reservas legais impede a multiplicação de conflitos entre direitos individuais. Todavia, não se pode olvidar que a utilização de formas vagas e de conceitos indeterminados pode configurar ameaça aos direitos individuais e uma preocupação para a segurança jurídica, posto que transfere ao intérprete a incumbência de definir a abrangência do direito fundamental tutelado.

Havendo colisão entre direitos fundamentais, poderá o intérprete utilizar-se do Princípio da Proporcionalidade (ou razoabilidade) para decidir a causa. Mas a razoabilidade não pode significar a concessão de uma perigosa prerrogativa ao juiz para decidir baseado exclusivamente na sua própria noção subjetiva de justiça. Deve, ao contrário, ser um princípio cientificamente definido, que orientará o magistrado na solução do conflito, em consonância com o próprio ordenamento constitucional.

6. A COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Há colisão entre direitos fundamentais quando se identifica conflito decorrente do exercício de direitos individuais por diferentes titulares, podendo ocorrer, também, entre direitos individuais do titular e bens jurídicos da comunidade.

Inicialmente é preciso identificar o âmbito de proteção do direito para se aferir se determinada conduta encontra-se protegida ou não, pois muitas questões tratadas como relações conflituosas de direitos individuais não passam de conflitos aparentes, vez que as práticas controvertidas não encontram proteção no direito fundamental invocado. Portanto, somente se têm autêntica colisão de direitos individuais quando um direito individual atinge diretamente o âmbito de proteção de outro direito individual.

Esse confronto pode ser resolvido pelo legislador, com a criação da reserva legal, ou seja, quando restringe o exercício de um direito à observância do outro, ou pelo intérprete, no caso de direitos fundamentais não acobertados por essa reserva, que deverá realizar a ponderação dos bens envolvidos, com o intuito de resolver a colisão por meio do sacrifício mínimo dos direitos envolvidos.

Não se pode olvidar que nenhum direito é absoluto. Nem mesmo o direito à vida. Prova disto é a permissão constitucional de condenação à pena de morte em estado de guerra e, ainda, a possibilidade de realização de aborto autorizado judicialmente, diante da previsão no Código Penal, no caso de gravidez resultante de crime de estupro.

Na colisão de direitos fundamentais não é possível uma solução adequada in abstrato, esta somente pode ser formulada à vista dos elementos do caso concreto, devendo o intérprete utilizar-se dos princípios informadores da hermenêutica constitucional, que servem como parâmetros para ponderação de valores e interesses.

6.1 ESPÉCIES DE COLISÃO DE DIREITOS OU VALORES CONSTITUCIONALMENTE PROTEGIDOS

A doutrina destaca dois tipos de colisões: em sentido estrito e em sentido amplo. A primeira refere-se apenas àqueles conflitos entre direitos fundamentais. A segunda envolve os direitos fundamentais e outros princípios ou valores, constitucionalmente protegidos, que visam a assegurar interesses da comunidade.

1) Colisões em sentido estrito podem ser de direitos fundamentais idênticos ou de direitos fundamentais diversos.

A colisão entre direitos fundamentais idênticos pode apresentar-se de quatro formas:

a) Colisão de direito fundamental enquanto direito liberal de defesa;

b) Colisão de direito de defesa de caráter liberal e o direito de proteção;

c) Colisão do caráter negativo de um direito com o caráter positivo desse mesmo direito;

d) Colisão entre o aspecto jurídico de um direito fundamental e o seu aspecto fático.

Nas colisões entre direitos fundamentais diversos um exemplo clássico, e de suma importância, é o conflito entre a liberdade de opinião, de imprensa ou liberdade artística, de um lado, e o direito à honra, à privacidade e à intimidade de outro.

2) Colisões em sentido amplo envolvem direitos fundamentais e outros princípios e valores constitucionalmente relevantes, sendo comum a colisão entre o direito de propriedade e interesses coletivos associados, v.g., como a utilização da água ou a defesa de um meio ambiente equilibrado.

7. PRINCÍPIOS ESPECIAIS APLICÁVEIS NA SOLUÇÃO DOS CONFLITOS ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Na colisão de direitos fundamentais ocorre a incidência de mais de uma norma, princípio ou valor sobre o mesmo conjunto de fatos. Daí a técnica da subsunção mostrar-se insuficiente na solução deste conflito, pois a solução dada por esta técnica implicaria na escolha de uma única premissa maior (norma) incidindo sobre a premissa menor (os fatos) e, por força do princípio da unidade da constituição, sabe-se que não é dado ao intérprete o poder de optar por uma norma, desprezando a outra, em tese aplicável, criando certa hierarquia entre elas.

Assim, na interpretação constitucional, os intérpretes passaram a desenvolver técnicas capazes de lidar com o fato da constituição ser um documento que tutela valores e interesses potencialmente conflitantes e que princípios nela consagrados entram freqüentemente em rota de colisão[15].

A problemática da solução dos conflitos entre direitos individuais consiste em definir qual deles prevalecerá, vez que, como já dissemos, a constituição é um complexo normativo unitário e harmônico e que o estabelecimento de uma hierarquia entre esses direitos poderia desconfigurá-la, sendo admissível, somente, em casos especialíssimos.

É certo que o postulado da dignidade da pessoa humana, apesar de não ter sido privilegiado especificamente no nosso texto constitucional, é princípio fundamental da ordem constitucional e requer posição especial frente a outros preceitos constitucionais.

Assim, em caso de eventual conflito entre direitos individuais, devem ser levados em conta, no juízo de ponderação, os valores relativos a esse princípio (inviolabilidade da pessoa humana, respeito à sua integridade física e moral, inviolabilidade do direito de imagem e da intimidade).

Ademais, no artigo 32 do Decreto n°678 de 06/11/1992, que promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) enaltece: "Art.32. (...) 2. Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, numa sociedade democrática."

Na tentativa de auxiliar o intérprete na busca do sentido alvejado pelo legislador constituinte ao elencar determinado direito fundamental, e diante da colisão de dois ou mais direitos fundamentais no caso concreto, a doutrina enumera princípios específicos para a interpretação constitucional, sendo os principais, dentre outros, o já citado, princípio da unidade da Constituição, princípio da concordância prática ou harmonização e princípio da proporcionalidade ou razoabilidade.

O princípio da unidade da constituição determina a análise do texto constitucional como um todo, como um sistema que necessita compatibilizar preceitos divergentes, surgindo para o intérprete o ônus de detectar na Constituição as normas pertinentes ao caso, identificar eventuais conflitos entre elas e considerá-las em conjunto para sua solução.

O princípio da cedência recíproca (concordância prática ou harmonização), estabelece que os direitos em colisão devem ceder reciprocamente, permitindo a existência de um ponto de convivência entre eles.

A concordância prática, ou princípio da harmonização, expressa uma conseqüência lógica do princípio da unidade da constituição, pois, conforme aquele, os valores e direitos fundamentais devem ser harmonizados, no caso concreto, por meio de juízos de ponderação, que vise concretizar ao máximo os direitos constitucionalmente protegidos, não se devendo, por meio de uma precipitada ponderação de bens ou valores in abstrato, desprezar um direito a custa da prevalência do outro.

A proporcionalidade, por sua vez, consiste na realização do princípio da concordância prática no caso concreto, ou seja, significa a distribuição necessária e adequada dos custos, de forma a salvaguardar direitos fundamentais e/ou valores constitucionalmente colidentes.

O princípio da proporcionalidade caminha junto com o princípio da razoabilidade, formam uma espécie de parceria: significam a ponderação entre os meios empregados e os fins atingidos: é a busca do razoável. Esse princípio manifesta-se como um senso de justiça, balizador do juízo de ponderação a ser realizado pelo intérprete no caso concreto.

A técnica da ponderação consiste em apurar os pesos ou a importância relativa que devem ser atribuídos a cada elemento em disputa, a fim de se escolher qual deles, no caso concreto, prevalecerá ou sofrerá menos constrição do que o outro. Ressalvando-se que na produção dessa solução deve o intérprete nortear-se pelo princípio da proporcionalidade.

Portanto, no caso de colisão de direitos fundamentais, faz necessária a opção de preferência de um direito sobre o outro oposto, em que se perquire, inicialmente, todos os valores constitucionais envolvidos e, num juízo de ponderação, aplicam-se ao caso concreto os princípios constitucionais específicos, especialmente a proporcionalidade e a razoabilidade.

Esse juízo de ponderação ou harmonização permite resolver situações conflitantes de direitos individuais, mas, tal procedimento não deverá atribuir primazia absoluta a um ou a outro princípio ou direito. Ao contrário, deve esforçar-se para assegurar a aplicação das normas conflitantes, ainda que, no caso concreto, uma delas sofra atenuação.

Neste sistema de harmonização, o operador do direito terá ainda que respeitar o núcleo essencial dos direitos fundamentais, ou seja, terá que identificar o bem jurídico tutelado por cada um deles, associá-los a um determinado valor, e então, traçar o âmbito de incidência de cada norma, sempre tendo como referência máxima as decisões fundamentais do constituinte.

Quando ocorre o choque entre direitos fundamentais restringíveis, com titulares distintos, a doutrina e a jurisprudência adotam com maestria o juízo de ponderaçãopara dirimir esse conflito, como no RE n°18.331, Relator Min.Orozimbo Nonato, um dos primeiros registros de referência ao princípio da proporcionalidade na jurisprudência do STF:

"O poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir, uma vez que aquele só pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, comércio e da indústria e com o direito de propriedade. É um poder, cujo exercício não pode ir até o abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável, ainda aqui, a doutrina fecunda do 'détournement de pouvoir'. Não há que se estranhar a invocação dessa doutrina no propósito da inconstitucionalidade, quando os julgados têm proclamado que o conflito entre a norma comum e o preceito da Lei Maior pode se acender não somente considerando a letra do texto, como também, e principalmente, o espírito do dispositivo invocado" [16].

CONCLUSÃO

Realizar a ponderação entre os direitos fundamentais conflitantes não é tarefa fácil, pois estabelecer um ponto de equilíbrio entre direitos que não possuem uma determinação exata, exige do intérprete um esforço significativo no sentido de não causar injustiças irreparáveis para qualquer das partes. Portanto, entendemos que, para a solução de conflitos entre direitos fundamentais, é imperiosa uma justa ponderação entre eles, sendo necessário que o intérprete identifique, primeiro, os valores e os interesses jurídicos presentes no caso sub examine e que foram efetivamente atingidos, em seguida, deve analisar se os meios empregados são proporcionais, necessários e adequados à atuação de seu titular e, finalmente, deve sopesar quais os fins concretamente pretendidos pelos titulares dos direitos em conflito.

Por fim, para resolver a questão da colisão entre direitos individuais é preciso analisar cada caso concreto, buscando critérios nos princípios informadores da Hermenêutica Constitucional e balizar a ponderação de tais valores na supremacia da dignidade humana, fundamento do nosso Estado de Direito democrático e social e princípio informador de qualquer interpretação de direitos fundamentais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. rev. Coimbra: Livraria Almedina, 1993.

COMPARATO, Fábio Konder, A afirmação histórica dos Direitos Humanos, 3ª edição, ed. Saraiva, 2003.

BARROSO, Luis Roberto & BARCELOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito Brasileiro. R. Dir.Adm. Rio de Janeiro, 232:141-176, Abril/Jun. 2003.

JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes & ARAÚJO, Luiz Alberto David. Curso de Direito Constitucional: Saraiva, 9ª edição. São Paulo, 2005.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 27ªed., p.119, ed. Malheiros, 2002.

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, 3ª edição, ed. Saraiva, 2007.

SARMENTO, Daniel. A ponderação de Interesses na Constituição. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2002.

SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. SARMENTO, Daniel. A constitucionalização do direito, Rio de Janeiro: Lumen juris, 2007.




[1] BARROSO, Luís Roberto & BARCELOS, Ana Paula de.R. Dir. Adm. Rio de Janeiro, 232:142-143, 2003

[2] CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1993, p.498.

[3] MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, Ed.Saraiva,3ª Ed., 2007,p.1.

[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24ª ed., p.119.

[5] BARROSO, Luís Roberto & BARCELOS, Ana Paula de. Ob. Cit. P.145.

[6] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3ª edição. Ed. Saraiva, pp 57-58.

[7] JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes & ARAÚJO, Luiz Alberto David. Curso de Direito Constitucional. Pág. 109.

[8] MENDES, Gilmar Ferreira. Ob. Cit., p.2.

[9] MENDES, Gilmar Ferreira. Ob. Cit., p.2.

[10] SARMENTO, Daniel. A ponderação de Interesses na Constituição Federal, p.97.

[11] MENDES, Gilmar Ferreira. Ob. Cit., p 13.

[12] MENDES, Gilmar Ferreira. Ob. Cit., p

[13] DWORKIN, Ronaldo. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p 127.

[14] MENDES, Gilmar Ferreira. Ob. Cit., p 29.

[15] BARROSO, Luís Roberto & BARCELOS, Ana Paula de.R. Dir. Adm. Rio de Janeiro, 232:153, 2003.

[16] RE 18.331, Relator: Ministro Orozimbo Nonato, RF, v. 145, p. 164 e s., 1953.


Autor: LUCIENE DANTAS


Artigos Relacionados


A Desigualdade Social

Locação De Imóveis E O Direito Constitucional

Cidadania Social E Democracia

O Estatuto Da Criança E Do Adolescente

PrincÍpios Contratuais

A Função Da Escola E Da Educação

A Sociedade Aberta Dos Intérpretes Da Constituição