PRINCÍPIOS JURÍDICOS E SUA EVOLUÇÃO



Fontes do Direito

A palavra fonte, em seu sentido literal, denota nascente de água. Transportando para o direito "fonte" significa a origem, o nascedouro ou local de onde brotam as normas do ordenamento.

O direito se manifesta no ordenamento jurídico através de duas espécies de fontes: as fontes formais e as fontes materiais ou reais. As fontes materiais decorrem dos fatores sociais que emergem da própria realidade; dos valores que inspiram o ordenamento jurídico; ou seja, fatores históricos, religiosos, naturais, demográficos, higiênicos, políticos, econômicos e morais de cada época, atuando como fonte de produção do direito positivo (DINIZ, 2006, p. 286-287). De outro lado, encontram-se as fontes formais como meio de expressão do direito, as formas pelas quais as normas jurídicas se exteriorizam, tornado-se conhecidas, possibilitando sua aplicação a casos concretos (NADER, 2007, p. 142).

A doutrina tradicional apresenta uma divisão entre as fontes formais do direito, classificando a lei e o costume como fontes formais primárias ou imediatas e a doutrina e a jurisprudência como fontes secundárias mediatas. Enquanto estas esclarecem os espíritos dos aplicadores da lei, servindo de auxílio à aplicação global da mesma, aquelas, de per si, têm potencialidade suficiente para gerar a regra jurídica (VENOSA, 2006, p. 121).

A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657/ 1942), ao estabelecer em seu artigo 4º, que, "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito", está classificando os princípios gerais de direito, assim como a analogia e os costumes, como fontes subsidiárias do direito.

Seguindo as lições de Paulo Bonavides, é possível, no âmbito do Direito Constitucional, distinguir fontes em duas modalidades: as escritas e não escritas. Enquanto aquelas abrangem as leis constitucionais, as leis complementares ou regulamentares, os regimentos do Legislativo e do Judiciário, os tratados internacionais, etc., estas são essencialmente, duas: o costume e os usos constitucionais (BONAVIDES, 2006, p. 52).

Conceito e Características dos Princípios

"É o conhecimento dos princípios, e a habilitação para manejá-los, que distingue o jurista do mero conhecedor de textos legais" (SUNDFELD, 1992, p. 13).

A idéia de principio, segundo Luís-Diez Picazo, deriva da linguagem da geometria, "onde designa as verdades primeiras". Logo acrescenta o mesmo jurista que exatamente por isso são princípios, ou seja, porque estão ao principio, sendo as premissas de todo um sistema que se desenvolve more geométrico (apud BONAVIDES, 2006, p. 255).

O dicionário brasileiro da língua portuguesa aponta várias acepções para a palavra princípio – momento em que alguma coisa tem origem, origem, começo, causa primária, elemento predominante da constituição de um corpo orgânico – todos os significados atribuídos a esta palavra trazem a idéia de aquilo que serve de base a alguma coisa, sem, no entanto, estabelecer uma definição aplicável ao campo jurídico.

Princípios designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam (ESPINDOLA, 2002 p. 53). Princípios jurídicos significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito.

Em sua clássica definição, Celso Antônio Bandeira de Mello define "princípios" como sendo:

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (2005, p. 903).

Neste sentido o mesmo autor afirma que a violação de um princípio jurídico é muito mais grave que a transgressão de uma norma qualquer uma vez que agride a todo sistema normativo.

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comando. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra (2005, p. 903).

Os princípios constitucionais são os conjuntos de normas da ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus afins. Ou seja, são as normas eleitas pelo constituinte como fundamento ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui (BARROSO, 2006 p.151).

Os princípios exercem diversos papéis na ordem jurídica. Na visão de Canotilho, os princípios são multifuncionais, podendo ora desempenhar uma função argumentativa, atuando como cânone interpretativo, ora servir de instrumento de revelação de normas não expressas nos enunciados legislativos (1998, p.1035).

Dentre as funções desempenhadas pelos princípios, podemos destacar:

a)Função Fundamentadora – os princípios são idéias básicas que servem de fundamento ao direito positivo, ou seja, outras normas jurídicas encontram neles o seu fundamento de validade. Canotilho atribui aos princípios a natureza normogenética, para ele, "os princípios são fundamento de regra, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenetica fundamentante" (1998, p. 1035). Em decorrência dessa função normogenetica fundamentante é que os juristas atribuem aos princípios o ponto mais alto da pirâmide normativa, qualificando os mesmos como "norma das normas", "fonte das fontes". Nas palavras de BONAVIDES, "são qualitativamente a viga–mestra do sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma constituição" (2000, p. 265).

b)Função Interpretativa – essa função atribuída aos princípios é decorrente da anterior, ou seja, já que os princípios servem de fundamento para as demais normas do ordenamento (função fundamentante), havendo dúvida em sua utilização, essas normas devem ser interpretadas de acordo com os princípios que os fundamentam.

Assim, na lição de Luís Roberto Barroso:

O ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte com fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais especifico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie (2006, p. 151).

c)Função sistêmica – os princípios interligam e harmonizam o ordenamento jurídico, atuando como vínculos mediante os quais as demais normas do ordenamento se congregam de tal sorte que constituem um bloco sistemático (GRAU apud ESPÍNDOLA, 2002, p. 78).

d)Função Limitativa – essa função atribuída aos princípios decorre da função negativa que os mesmos desempenham, vedando quaisquer ações ou atos normativos contrários ao seu conteúdo.

e)Função Integrativa – o processo de integração da norma é desenvolvido pelos princípios sempre que haja lacunas ou omissões da lei.

Em razão da sua virtual inexaurabilidade, os princípios oferecem a regulamentação daqueles casos concretos aos quais não correspondam normas especificas, permitindo que normas implícitas no sistema sejam reveladas e possibilitando aos aplicadores do Direito sua integração e complementação (NOVELINO, 2007, p. 128).

Seguindo Antoine Jeammaud, Eros Roberto Grau apresenta uma distinção entre os princípios situados na linguagem dos juristas (princípios gerais do direito), daqueles pertencente a linguagem do direito (princípios jurídicos). Enquanto estes constituem verdadeiras regras jurídicas, não podem ser valorados segundo as dicotomias analíticas do verdadeiros ou falsos, mas tão-somente como vigentes e/ou eficazes ou como não vigentes e/ou eficazes, constituindo verdadeiras regras jurídicas, aqueles são proposições descritivas (e não normativas), através das quais os juristas referem, de maneira sintética, o conceito e as grandes tendências do direito positivo (GRAU, 1991, p. 95). São princípios implícitos, não positivados, que, após serem utilizados inúmeras vezes pela jurisprudência na fundamentação de decisões, passam a ser descobertos no ordenamento positivo.

Fases dos Princípios

Hoje, há unanimidade em se reconhecer o caráter normativo dos princípios, devendo ser abandonadas as tradicionais diferenciações entre princípios e normas para dar lugar à distinção entre princípios e regras, ambos espécies do gênero norma – princípios como espécies de normas jurídicas.

Para se chegar a esse status de normatividade, passou-se por trabalho de longa elaboração metodológica desenvolvida pela Ciência Jurídica, que remonta as disputas epistemológicas entre duas velhas correntes do pensamento jurídico, superadas e retrabalhadas, de algum modo, por outra postura epistêmica. Fala-se dos debates entre o jusnaturalismo e o positivismo jurídico e, agora, mais recentemente, dos novos aportes advindos de uma corrente que passou a ser nominada de pós-positivismo no Direito (ESPÍNDOLA, 2002, p. 62-63).

Fase Jusnaturalista

No Absolutismo o monarca reinava de forma absoluta, por isso era preciso criar uma forma de controlar esse poder, algo que estivesse acima do Rei. O jusnaturalismo surge como forma de controle, preconizando direitos fundamentais inerentes ao homem em razão da sua natureza.

O jusnaturalismo – primeira fase da teoria dos princípios – é uma corrente filosófica fundada na existência de um direito natural caracterizado pela existência de leis ditadas pela razão que não decorrem de uma norma jurídica emanada pelo Estado. Ou seja, conjunto de valores e de pretensões legitimados por uma ética superior, independente do direito positivo.

"Aqui, os princípios encontram-se situados em uma esfera inteiramente abstrata e sua normatividade é praticamente nula, apesar do reconhecimento de sua dimensão ético-valorativa inspiradora dos postulados de justiça" (BONAVIDES, 2006, p. 259).

O Jusnaturalismo surge tendo como fundamento a existência de leis estabelecidas pela inteligência e vontade de Deus. Denominado de teológica, essa ideologia afirma que o direito natural tem como essência leis estabelecidas pela natureza, criada por Deus, ou seja, o divino agindo pela natureza. Tendo como ponto de partida a razão humana, o Jusnaturalismo Racional ou Humanista contrapõe o teleológico, vez que, para esta corrente de pensadores, o direito natural surge como direito da razão, direito inerente ao próprio ser humano, mesmo que suposta a inexistência de Deus.

Fase Positivista

A segunda fase da teoria dos princípios é o positivismo jurídico. Marcada pela busca de objetividade científica, essa fase se ocupa em apartar o direito da moral. Os princípios passam a ingressar os códigos, porém, exercem apenas funções subsidiárias informadora do direito positivo.

Assinala Gordillo Cañas:

Os princípios entram nos Códigos unicamente como válvula de segurança, e não como algo que se sobrepusesse à lei, ou lhe fosse anterior, senão que, extraídos da mesma, foram ali introduzidos para estender sua eficácia de modo a impedir o vazio normativo (BONAVIDES, 2006, p. 262).

Nesta fase, os valores atribuídos aos princípios derivam do fato de estes pertencerem à lei (o que interessa é a forma, o conteúdo é irrelevante), e não mais pelo ideal de justiça ditado pela razão.

Luís Roberto Barroso aponta como principais características do positivismo jurídico: a) a aproximação quase plena entre direito e norma; b) estabilidade do direito – a ordem jurídica é una e emana do Estado; c) a completude do ordenamento jurídico, que contém conceitos e instrumentos suficientes e adequados para solução de qualquer caso inexistindo lacunas; d) o formalismo: a validade da norma decorre do procedimento seguido para a sua criação, independendo do conteúdo (2006, p. 323).

Na fase do positivismo jurídico o direito reduzia-se ao conjunto de normas em vigor. O fetiche da lei e o legalismo acrítico, subproduto do positivismo jurídico, serviram de disfarce para autoritarismo de matizes variados. A aproximação quase absoluta entre Direito e norma e sua rígida separação da ética não correspondia ao estágio do processo civilizatório e às ambições dos que patrocinavam a causa da humanidade (BARROSO, 2006, p. 326). Nesse contexto surge o pós-positivismo, guardando deferência relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as idéias de justiça e legitimidade.

Fase Pós-Positivista

Essa terceira fase, que vem sendo denominada de pós-positivismo ou neopositivismo, após serem consagrados nos textos constitucionais, finalmente os princípios atingem o seu auge normativo, passando a ser tratado como uma espécie de norma jurídica (NOVELINO, 2007, p. 69). Nesta fase a tradicional diferenciação entre normas e princípios é afastada, passando as normas à elevada categoria de gênero, do qual as espécies vêm a ser os princípios e a regras.

Sendo tratado por Paulo Bonavides como o mais insigne precursor da normatividade dos princípios, Boulanger foi o primeiro a apresentar uma distinção entre regras e princípios. Porém, o mesmo autor, segundo o testemunho de Esser, afirma que "a teoria dos princípios jurídicos ainda não foi formulada, sendo os princípios os materiais mediante os quais pode a doutrina edificar com confiança a construção jurídica" (BONAVIDES, 2006, p. 266-267).

Numa visão de princípios como normas propriamente ditas, o constitucionalista italiano Crisafulli, em sua caminhada doutrinária para a normatividade dos princípios, assinala que "os princípios (gerais) estão para as normas particulares como o mais está para o menos, como o que é anterior e antecedente está para o posterior e o conseqüente". Entende esse constitucionalista por princípio "toda norma jurídica considerada como determinante de outra ou outras que lhe são subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares" (apud BONAVIDES, 2006, p. 272-273). Este autor (Crisafulli) foi o primeiro a acentuar o caráter de norma jurídica dos princípios.

No estudo das normas jurídicas a distinção entre regras e princípios é um dos pontos centrais da original concepção de Dworkin; este autor foi um dos primeiros a admitir essa distinção com toda consistência e solidez conceitual.

Seguindo a essência do pensamento de Dworkin, o autor alemão Robert Alexy, em sua teoria normativa-material, instituiu a distinção entre regras e princípios, ambas como espécies do gênero normas. Para este autor, tanto os princípios quanto as regras "se formulam com a ajuda de expressões deônticas fundamentais, como mandamento, permissão e proibição" (BONAVIDES, 2006, p. 277).

Com a normatividade dos princípios, tal como se acaba de expor, a constituição passa a ser compreendida como sistema aberto de regras e princípios, sistema este que Canotilho entende como "constitucionalismo adequado". Para ele, uma constituição – ou sistema – constituída exclusivamente por regras conduzir-nos-ia a um sistema jurídico de limitada racionalidade prática e bastante exaustivo; conseguir-se-ia um sistema seguro, porém este sistema não permitiria o balanceamento de valores e interesses de uma sociedade pluralista e aberta. De outro lado, uma constituição formada exclusivamente de princípios conduzir-nos-ia a indeterminação, a inexistência de regras precisas, a coexistência de princípios conflitantes, a um sistema falho de segurança jurídica. Daí a proposta sugerida por Canotilho em desenvolver um sistema jurídico aberto de princípios e regras (1998, p. 1036).

Para esse autor a Constituição como um sistema aberto de regras e princípios:

é um sistema jurídico porque é um sistema dinâmico de normas; é um sistema aberto porque tem uma estrutura dialógica (Caliess) traduzida na disponibilidade e 'capacidade de aprendizagem' das normas constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepções cambiantes da 'verdade' e da 'justiça'; é um sistema normativo, porque a estruturação das expectativas referentes a valores, programas, funções e pessoas, é feita através de normas; é um sistema de regras e de princípios, pois as normas do sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a sua forma de regras (1998, p. 1036).

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2006.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Editora Malheiros. 1999.

DINIZ, Maria Helena. Compendio de Introdução à Ciência do Direito. 18 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2002.

MELLO, Celso Antônio Bandeia de. Curso de Direito Administrativo. 19 ed. São Paulo: Editora Malehiros Meditores. 2005.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional para Concurso. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2007.

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1992.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao Estudo do Direito. 2 ed. São Paulo: Editora Atlas S.A. 2006.


Autor: Ricley Marcel Mota Santana


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