PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO NORMAS JURÍDICAS



Teoria da Norma Jurídica

Viver em sociedade sempre foi uma necessidade a ser observada pelo homem na busca pela sobrevivência. O homem sempre precisou estar agrupado a outros da mesma espécie para se proteger e assim superar os problemas inerentes à sua condição humana. Porém, para que a vida em sociedade pudesse subsistir sempre foi necessário um certo número de regras de condutas aptas a regular os comportamentos humanos, impondo limites às suas vontades e ao mesmo tempo solucionando os conflitos surgidos entre eles.

A norma apresenta-se na vida social como um querer que outro (ou outros) deve ou (devem) conduzir-se de determinado modo, ou seja, ela apresenta condutas que regulamentam comportamentos humanos. Nesta visão as normas encontram seus fundamentos na existência da natureza humana de viver em sociedade, dispondo sobre o comportamento dos seus membros (DINIZ, 2001, p. 328). Norma é um ato de vontade intencionalmente dirigido a uma certa conduta humana.

Fala-se em norma de Moral e norma Jurídica para agregar estes dois institutos ao sistema de normas. Tanto a norma Jurídica, quanto a Moral estão pautadas em uma base ética, composta de prescrições para as condutas de seres humanos. Entretanto, como será demonstrado a seguir, vários são os critérios sugeridos pelos juristas para diferenciar as normas Jurídicas das normas Morais.

Enquanto o Direito possui como características a heteronímia, a coercibilidade e a bilateralidade, a Moral possui a unilateralidade, incoercibilidade e autonomia. Costuma-se afirmar que a norma moral é: a) anterior as normas jurídicas; b) interior – independe de fenômenos exteriores; c) não cogente – não pode dispor do poder punitivo de uma autoridade pública para fazer valer seus mandamentos recorrendo-se às sanções da consciência, rejeição social, vergonha...; e d) não é sancionada nem promulgada. A norma moral destina-se a aprimorar a conivência humana de um grupo social que está ordenado pelas normas jurídicas. São exemplo dessas normas: "amarás teu próximo como a ti mesmo", "fazer o bem sem olhar a quem".

Diversos são os conceitos apresentados pela doutrina para identificar o verdadeiro sentido da expressão normas jurídicas.

A palavra norma procede do latim: norma, e na língua alemã tomou o caráter de uma palavra de origem estrangeira – se bem que não em caráter exclusivo, todavia primacial. Com o termo se designa um mandamento, uma prescrição, uma ordem. Mandamento não é, todavia, a única função de uma norma. Também conferir poderes, permitir, derrogar são funções de normas (KELSEN, 1986, p. 1).

Arnaldo Vasconcelos apresenta um conceito simples de norma jurídica e, talvez o de maior virtualide, resultante da expressão sintética "jurídica" ao lado da expressão analítica "de direito":

norma jurídica é norma de Direito, isto é, norma de fazer Direito. A Norma define, dentre as múltiplas possibilidades que se oferecem ao homem, os tipos de condutas desejáveis, ao considerar sua relevância para a manutenção e progresso da vida social. Apresenta-se, desse modo, como regra de fim e instrumento de julgamento. Norma jurídica é regra de fim (1993, p. 20-26).

Partindo da visão de direito como sistema de limites Korkounov conclui que jurídicas são as normas "de delimitação de interesses, fixando o limite entre o direito e o não-direito" (apud VASCONCELOS, 1993, p. 28).

Após estabelecer um sentido à expressão Normas Jurídicas, é necessário fixar o fundamento de sua validade: por que é que uma norma vale, o que é que constitui seu fundamento de validade?

Segundo a doutrina de Hans Kelsen, para que uma norma seja válida é necessário que ela retire seu fundamento de validade de uma norma hierarquicamente superior. Para saber se uma norma é superior ou inferior é necessário observar sua produção. Superior é a norma que determina a produção de outra norma – seja em relação ao conteúdo ou a forma. Ou melhor, a norma inferior retira da norma superior seu fundamento de validade (1998, p.215-217).

A ordem jurídica de um Estado tem na Constituição o ponto de partida de todo processo de criação do Direito positivo. Ela está situada no topo do ordenamento jurídico como norma fundamental, norma superior, ou seja, como o fundamento de validade de todas as normas pertencentes a uma mesma ordem jurídica. Abaixo da constituição estão os atos normativos primários, ou seja, normas que retiram da constituição seus fundamentos de validade; são exemplo desses atos: leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas. Abaixo desses vem os atos normativos secundários, estes tem como fundamento os atos normativos primários; são exemplo desses atos: os decretos e os regulamentos.

Todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma e mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum da validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum. O fato de uma norma pertencer a uma determinada ordem normativa baseia-se em que o seu último fundamento de validade é a norma fundamental desta ordem. E a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento de validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa (KELSEN, 1998, p. 217).

Características das Normas Jurídicas

No capitulo anterior, ao estabelecer uma distinção entre a norma moral e a jurídica, ficou perceptível a observância de algumas características das normas jurídicas. As característica comumente apontadas pela doutrina são:

a)Bilateralidade – a norma jurídica é bilateral porque envolve no mínimo duas pessoas. Ao disciplinar uma relação social a norma jurídica liga dois ou mais sujeitos entre si, criando uma relação jurídica entre eles.

b)Generalidade e Abstração da Norma – a norma jurídica é geral e abstrata por não se ocupar em regular caso particular prescrevendo uma conduta geral aplicável a vários casos, ou seja, regula casos e sujeitos inespecíficos. A norma é geral porque seu preceito se dirige indiscriminadamente a todos segundo a igualdade de situações – todos são iguais perante a lei... (art. 5º, caput da Constituição Brasileira)– e abstrata quando as condutas que ocorrem na vida real são preceituadas em tese – matar alguém, pena de reclusão de seis a vinte anos (art. 121 do Código Penal Brasileiro). Essas duas características se completam visando a garantia de leis idôneas.

c)Imperatividade –essa característica devirá da presença de um comando, uma prescrição, impondo ou proibindo um tipo de conduta a ser observada. O caráter imperativo da norma significa imposição de vontade e não mero aconselhamento.

d)Coercibilidade – ao contrário das demais normas sociais, a jurídica se caracteriza pela coercibilidade, ou seja, pela possibilidade de a conduta transgresora sofrer coerção, isso é, repressão, uso da força. Nas lições de Del Vecchio, coercibilidade é a "possibilidade de se colocar à disposião da autoridade pública ou da organização internacional a força material para o cumprimento da sanção proedominada" (GUSMÃO, 2006, p.84). "Uma norma jurídica desprovida de coerção é um contra-senso, é fogo que não queima, luz que não alumia" (IHERING, apud VASCONCELOS, 1993, p.140).

e)Sanção – a norma jurídica é geralmente acompanhada de sanção, ou seja, de medidas estabelecidas pelo direito como conseqüência da desobediência a um imperativo legal. Em função da sanção a norma pode ser: perfeita (é a norma que estabelece sanção específica); imperfeita (é a norma que estabelece deveres sem estabelecer uma sanção a ser observada no caso de sua inobservância); e mais que perfeita (são as leis que estabelecem sanção de gravidade excessiva). (GUSMÃO, 2006, p.54-55).

Norma Jurídica: Princípios e Regras

A metodologia jurídica tradicional que ao longo da evolução da normatividade dos princípios se ocupou em estabelecer uma distinção entre princípios e normas – tratando-as como categorias pertencentes a tipos conceituais distintos – é abandonada para dar lugar a distinção entre princípios e regras, ambas espécies do gênero norma de direito. O termo norma, que antes possuía um significado diferente de princípio, agora é estabelecido em um sentido amplo, ou seja, como gênero do quais princípios e regras são espécies (ESPÍNDOLA, 2002, p. 66).

O Direito se expressa por meio de normas. As normas se exprimem por meio de regras ou princípios.

Ao classificar princípios e regras como norma o autor alemão Robert Alexy aponta os seguintes caracteres em comum: ambos dizem o que deve ser; ambos podem ser formulados de expressões deônticas básicas – ordem, permissão, proibição; e ambos são razões para juízos concretos de dever-ser – ainda que de tipo diferente (apud GRAU, 2007, p.123). Para Alexy toda norma ou é uma regra ou é um princípio.

Diversos são os critérios sugeridos para distinguir os princípios das regras jurídicas. Trata-se de uma distinção no interior da classe de normas, vez que ambas são espécies deste gênero.

A primeira distinção aqui apresentada para apartar os princípios das regras é o grau de generalidade presentes em ambas as espécies normativas. Este critério formulado por Jean Boulanger, mais tarde aprimorado por Dworkin, propôs uma acentuada distinção afirmando que ambas as espécies normativas têm em comum o caráter da generalidade, porém de maneira estruturalmente diversa.

A regra é geral porque estabelecida para um numero de atos ou fatos. Não obstante, ela é especial na medida em que não regula senão tais atos ou fatos: é editada para ser aplicada a uma situação jurídica determinada; Já o principio, ao contrário, é geral porque comporta uma série infinitas de aplicações (Dworkin, apud GRAU, 1988, p. 154).

Por possuir um maior grau de generalidade em relação às regras, costuma-se dizer que os princípios são normas generalíssimas.

Outro critério para esta distinção é quanto ao grau de determinação. As regras são aplicadas de forma direta e imediata aos casos previstos em seu preceito, são aplicadas a inúmeros casos homogêneos, por esse motivo é possível precisar os casos de aplicação. Desde que os pressupostos de fato aos quais a regra refira – o suporte fático hipotético – se verifiquem, em uma situação concreta, e sendo ela válida, em qualquer caso há de ser ela aplicada. Já os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras vês que atuam de modo diverso. Mesmo aqueles que mais se assemelham às regras, aqueles que possuam condições previstas como suficientes para sua aplicação se manifestar, não se aplicam automaticamente (ESSER, apud CANOTILHO, 2007, p.1034).

Regras são proposições normativas aplicáveis sob a forma de tudo ou nada. Se os fatos nela previstos ocorrem, a regra deve incidir de modo direto e automático, produzindo seus efeitos. Já os princípios jurídicos, por possuírem uma carga valorativa, um fundamento ético, podem ser cumpridos em diversos graus de concretização, não estando vinculados a uma aplicação automática e necessária quando as condições tidas como suficientes se manifestam.

Dworkin estabelece um paralelo entre as duas espécies normativas afirmando que os princípios possuem um caráter prima facie, ao passo que as regras possuem um caráter definitivo. Assim as regras são aplicáveis na forma de juízo disjuntivos: se os fatos estipulados por uma regra valida se dão, a resposta dada deve ser aceita. Por essa razão, distintamente do que se dá com os princípios, um enunciado preciso de uma regra deve levar em conta todas as exceções que ela contém. Ou seja, por apresentar situações determinadas para sua aplicação, situações previamente estabelecidas, as regras jurídicas não devem conter exceções que não estejam previstas de forma expressa em seu texto legal; já os princípios apresentam uma série indefinida de situações e, portanto, não admitem a própria anunciação de suas exceções (DWORKIN, apud NOVELINO, 2007, p.73).

Antinomia Jurídica e Colisão Entre Princípios

A Constituição Federal é fruto de idéias antagônicas, normas conflitantes que devem ser conciliadas pelo intérprete em obediência ao princípio da unidade da constituição. Esse princípio impede a anulação de normas constitucionais através da harmonização dos interesses consagrados na Carta Magna. Não existe hierarquia entre normas constitucionais, todas são elaboradas por um mesmo poder, por isso deve haver uma interpretação de forma a harmonizar as normas.

Sendo que, enquanto as regras possuem somente a dimensão da validade, os princípios possuem ainda a dimensão da importância, peso ou valor. Quando existe conflito no campo da validade das regras – antinomia jurídica ou incompatibilidade – uma das regras envolvidas no conflito deve ser invalidada, ou seja, deverá ser excluída ou abandonada. Entretanto, havendo conflito entre dois ou mais princípios – no campo da importância só pode haver colisão entre princípios – ambos são declarados válidos, observado o peso relativo de cada um, mediante a ponderação e o balanceamento dos valores e interesses envolvidos no caso concreto, preservando ao máximo os direitos e bens constitucionais protegidos.

O autor alemão Robert Alexy, após afirmar que os princípios são normas e que estas compreendem igualmente regras e princípios, apresenta uma notável diferenciação conceituando às espécies normativas. Para ele os Princípios são:

mandamentos de otimização, caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus, sendo que a medida devida de seu cumprimento depende não apenas das possibilidades reais, mas também das jurídicas, cujo âmbito é determinado por princípios e regras opostos. Já as regras, são normas que só pode ser cumpridas ou não. Se uma regra é valida, então há que se fazer exatamente o que ela exige, nem mais, nem menos. Portanto, as regras contem determinações no âmbito do fático e juridicamente possível (apud NOVELINO, 2007, p. 73).

O conflito entre regras jurídicas – conflito no campo da validade – resulta em antinomia própria, ou seja, duas normas pertencentes ao mesmo ordenamento e tendo o mesmo âmbito de validade regulam uma mesma situação de maneira diversa, o que resulta na necessidade de uma delas ser invalidada, salvo quando for possível introduzir uma clausula de exceção.

Segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr. antinomia jurídica é:

A oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcial), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhes uma saída nos quadros de um ordenamento dado. (apud DINIZ, 1996, p. 19).

São três os critérios fornecidos pela doutrina para a solução de uma antinomia jurídica:

1.Critério Hierárquico (norma superior revoga norma inferior) – havendo conflito entre uma norma inferior e outra superior, esta deve prevalecer sobre aquela.

Para kelsen "não há, em normas de diferentes escalões, conflitos, porque a norma inferior tem seu fundamento de validade na superior. Só será válida a norma inferior, se estiver em harmonia com a do escalão superior" (apud DINIZ, 1996, p. 34).

2.Critério Cronológico (lei posterior revoga anterior) – havendo conflito entre duas normas de igual hierarquia prevalece aquela editada posterior.

Assim prevê o art. 2º, § 1º da Lei de Introdução ao Código Civil: "a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior".

3.Critério da Especialidade (norma especial revoga a geral) – por esse critério, considerando duas normas de mesma hierarquia, a norma especial prevalece sobre a norma geral, visto que o legislador, ao tratar de um determinado tema de maneira especifica, faz isso, presumidamente, com maior precisão.

No conflito entre princípios, denominado pela doutrina de antinomia imprópria, ambas as normas conflitantes são válidas – conflito no campo da importância, peso ou valor. À vista dos elementos do caso concreto, o intérprete deverá fazer escolhas fundamentadas, quando se defronte com antagonismos inevitáveis; não se avalia a pertinência de uma das normas ao ordenamento, mas sim qual deverá prevalecer no caso concreto.

Aqui, apesar de existir incompatibilidade entre dois tipos normativos, não há que se falar em antinomia jurídica, portanto, não deve haver exclusão, e sim ponderação. A ponderação trata exatamente das possibilidades fáticas, das quais depende a concretização dos princípios.

A circunstancia de, em determinado caso, a adoção de um princípio, pelo aplicador do Direito ou pelo intérprete, implicar o afastamento de outro, que com aquele entre em testilhas, não importa em que este seja eliminado do sistema, até por que – repito – em outro caso, e mesmo diante do mesmo princípio, este poderá vir a prevalecer (DWORKIN, apud NOVELINO, 2007, p. 73).

Isso significa que um princípio afastado no caso concreto pelo aplicador do Direito ou pelo intérprete poderá prevalecer sobre o princípio que o afastou em outro caso concreto.

Os princípios, por serem fundamentos de regras, desempenham uma função normogenética fundamentante (CANOTILHO, 1998, p. 1036). Desta função percebe-se que as regras são aplicações dos princípios, operando na concreção dos mesmos, por isso inexiste antinomias, conflitos, colidências entre princípios e regras, sendo que qualquer uma das espécies normativas poderá prevalece sobre as outras.

Havendo conflito entre dois princípios, um prevalece sobre o outro, as regras que dão concreção ao que foi desprezado são afastadas; não se dá a sua aplicação a determinada hipótese, ainda que permaneçam integradas, validamente, no ordenamento (GRAU, 1991, p. 134).

A existência de interesses contrapostos na Carta Magna conduz à necessidade de ponderá-los, harmonizá-los e compatibilizá-los, por mais contrários que possam se apresentar.

Neste sentido a técnica de ponderação de valores (interesses) também vem sendo utilizado pelo Supremo Tribunal Federal para decisão nas hipóteses de conflito entre direitos constitucionais contrapostos. As decisões abaixo colacionadas dão conta da ponderação que é feita pelo órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro ao decidi aplicando essa técnica.

Caso Glória Trevi – colisão de direitos fundamentais (honra e à imagem dos servidores da Polícia Federal X direito à intimidade e à vida privada da extraditanda). O Plenário do Supremo Tribunal Federal autorizou e determinou ao juízo federal a realização do exame de DNA na placenta da cantora mexicana Glória Trevi, mesmo contra sua vontade, para que se descubra quem é o pai de seu filho, fruto de um estupro ocorrido nas dependências da Polícia Federal. Os ministros defenderam que o interesse público se sobrepõe aos interesses individuais da extraditanda (Glória Trevi). "O interesse público prevaleceu sobre a elucidação do enigma da gravidez", disse Marco Aurélio. "Opondo-se aos direitos fundamentais da reclamante existem os direitos fundamentais dos 60 agentes que têm seus direitos também afetados porque estão sob suspeita", salientou o ministro Maurício Corrêa. O ministro Celso de Mello demonstrou que "a garantia constitucional à intimidade não tem caráter absoluto, pois necessidades públicas podem restringir direitos individuais em benefício da comunidade, com combate aos atos ilícitos ressaltados" (NOTÍCIAS STF).

O Tribunal, por maioria, conheceu como reclamação o pedido formulado contra a decisão do juízo federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal que autorizara a coleta da placenta de extraditanda grávida, após o parto, para a realização de exame de DNA com a finalidade de instruir inquérito policial instaurado para a investigação dos fatos correlacionados com a origem da gravidez da mesma, que teve início quando a extraditanda já se encontrava recolhida à carceragem da Polícia Federal, em que estariam envolvidos servidores responsáveis por sua custódia. Considerou-se que, estando a extraditanda em hospital público sob a autorização do STF, e havendo a mesma manifestado-se expressamente contra a coleta de qualquer material recolhido de seu parto, vinculando-se a fatos constantes dos autos da Extradição (queixa da extraditanda de que teria sofrido "gravidez não consentida" e "estupro carcerário"), a autorização só poderia ser dada pelo próprio STF. Vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Ilmar Galvão, Celso de Mello e Marco Aurélio, que não conheciam do pedido como reclamação por entenderem não caracterizada, na espécie, a usurpação da competência do STF, uma vez que o fato de a extraditanda estar presa à disposição do STF não impede o curso paralelo de outros procedimentos penais no Brasil. No mérito, o Tribunal julgou procedente a reclamação e, avocando a apreciação da matéria de fundo, deferiu a realização do exame de DNA com a utilização do material biológico da placenta retirada da extraditanda, cabendo ao juízo federal da 10ª Vara do Distrito Federal adotar as providências necessárias para tanto. Fazendo a ponderação dos valores constitucionais contrapostos, quais sejam, o direito à intimidade e à vida privada da extraditanda, e o direito à honra e à imagem dos servidores e da Polícia Federal como instituição — atingidos pela declaração de a extraditanda haver sido vítima de estupro carcerário, divulgada pelos meios de comunicação —, o Tribunal afirmou a prevalência do esclarecimento da verdade quanto à participação dos policiais federais na alegada violência sexual, levando em conta, ainda, que o exame de DNA acontecerá sem invasão da integridade física da extraditanda ou de seu filho. Vencido nesse ponto o Min. Marco Aurélio, que indeferia a realização do exame de DNA. O Tribunal, no entanto, indeferiu o acesso ao prontuário médico da extraditanda porquanto, com o deferimento da realização do exame de DNA, restou sem justificativa tal pretensão (2002).

Caso Law Kin Chong – Colisão de Direitos Fundamentais (imagem X informação). O Supremo Tribunal Federal negou referendo à liminar concedida pelo ministro Cezar Peluso em Mandado de Segurança ajuizado pela defesa do chinês naturalizado brasileiro Law Kin Chong, para que não houvesse a divulgação de sua imagem ao ser ouvido, em audiência pública, pela CPI da Pirataria da Câmara dos Deputados. O empresário impetrou novo MS contra o presidente da CPI da pirataria para impedir a exposição de sua imagem na imprensa, fundamentado na garantia constitucional de seu direito de imagem. Segundo o advogado do empresário, a liminar anteriormente concedida pelo STF foi violada a partir do momento em que a TV Câmara transmitiu o depoimento de Kin Chong, sendo as imagens aproveitadas e retransmitidas pelas demais redes televisivas (NOTÍCIAS STF).

Negado referendo à decisão liminar proferida pelo Min. Cezar Peluso, relator, nos autos de mandado de segurança preventivo impetrado contra ato do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI da Pirataria, pela qual se impedira o acesso de câmeras de televisão, particulares, concessionárias, públicas, inclusive da TV Câmara, ou de qualquer outro meio de gravação ou transmissão, às dependências do recinto onde seria realizada sessão parlamentar para a qual o impetrante fora convocado para prestar esclarecimentos. No caso concreto, houve, ainda, pedido de reconsideração da mencionada decisão, formulado pelos Presidentes da Câmara dos Deputados e da referida CPI, sob a alegação de que a mesma, ao restringir a publicidade de sessão, teria usurpado a competência constitucional do Poder Legislativo, interferindo em assunto interna corporis, passível de limitação apenas por meio de normas fixadas pela própria Câmara dos Deputados. Alegava-se, ademais, contrariedade à garantia constitucional que assegura o direito à informação, além de cerceamento do livre exercício de atividade de comunicação (CF, art. 5º, XIV e IX). Em seguida, o Tribunal, também em preliminar, afastou a prejudicialidade do writ, vencidos, no ponto, os Ministros Ellen Gracie, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa que o julgavam prejudicado, por perda de objeto, em razão da citada informação de que o impetrante, naquele momento, encontrava-se prestando depoimento perante a CPI, com a veiculação de sua imagem. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, embora afastando a alegação de que a matéria em causa consubstanciaria ato interna corporis insusceptível de controle jurisdicional - haja vista a alegação de ofensa a direitos individuais assegurados pela CF que estariam na iminência de serem transgredidos -, e tendo em conta, ainda, o fato de que as reuniões das comissões são públicas, negou referendo à decisão proferida pelo Min Cezar Peluso, por considerar prevalecente, na espécie, o direito à liberdade de informação (CF, artigos 5º, IX, e 220). Entendeu-se não demonstrada circunstância que justificasse, de forma concreta, a necessidade de que a referida sessão se desse com publicidade limitada, salientando-se, ademais, o fato de que eventual violação a direito individual, que não pode ser presumida, é passível de reparação por meio de ação de responsabilidade (CF, art. 5º, X). O Min. Sepúlveda Pertence, em seu voto, ressaltou, ainda, o fato de que o impetrante, em outro mandamus, teve assegurado o direito de permanecer em silêncio ao prestar depoimento perante a CPI, na eventual hipótese de auto-incriminação (2004).

Desse julgado merece destaque o voto do Ministro Carlos Ayres Britto, para quem o núcleo da liminar deferida foi a proibição do televisionamento do depoimento. O ministro citou dispositivo da Constituição Federal (parágrafo 1º, artigo 220) que, ao falar sobre liberdade de imprensa estabeleceu que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. Ele defendeu a conciliação desse dispositivo com incisos do artigo 5º que prevêem a liberdade de pensamento, o direito de resposta, a inviolabilidade da honra, da imagem, vida privada e a intimidade. Por fim, o Ministro afirma que a sociedade vive tempos novos por ele denominados "tempos de mídia", "era da mídia" (NOTÍCIAS STF).

Nós estamos vivendo uma Idade "Mídia", por paráfrase com a Idade Média.   Nessa Idade "Mídia" é natural que tudo venha a lume, porque é próprio da democracia que todos se tomem dessa curiosidade santa curiosidade pelas coisas do Poder, pelas coisas que dizem respeito à toda coletividade. A democracia é um regime de informação por excelência e, por isso mesmo, prima pela excelência da informação, e é claro que a informação televisada ganha essa tonalidade de excelência, de transparência. No caso, eu entendo que não houve prejuízo ao direito líquido e certo do impetrante de ver sua imagem subtraída do televisamento direto (2004).

"Nós já vivemos a Idade Média. Agora estamos vivendo a "Idade Mídia". Significa que a imprensa ultrapassa sua dimensão informativa para incorporar a analítica, a investigativa e a denunciativa, no que tem o respaldo da Constituição" observou Carlos Britto. (VEJA.COM).

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2006.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Editora Malheiros. 1999.

DINIZ, Maria Helena. Compendio de Introdução à Ciência do Direito. 18 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2002.

MELLO, Celso Antônio Bandeia de. Curso de Direito Administrativo. 19 ed. São Paulo: Editora Malehiros Meditores. 2005.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional para Concurso. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2007.

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 1992.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao Estudo do Direito. 2 ed. São Paulo: Editora Atlas S.A. 2006.


Autor: Ricley Marcel Mota Santana


Artigos Relacionados


PrincÍpios Contratuais

Dos Princípios às Normas

A Aplicação Do Princípio Da Legalidade Na Administração Pública

A Questão Do Mínimo Existencial Pelo Princípio Da Dignidade Da Pessoa Humana

Locação De Imóveis E O Direito Constitucional

A Perspectiva Pós-positivista Do Direito

Direito Ambiental - Meio Ambiente