PARA LÁ DO AMOR



[A beleza com que a noite se fez viva ao sonhador, que aos empoçados vales tanto dedicara o soturno pensamento, semeou seus inférteis campos, brotando-lhe, no amargurado seio paternal, uma fecunda vida, deveras.] Que aprazimento me toma o espírito do estar, do presente perecível, do ver ao longe, porvir assentado pelo sentir esmero, à medida em que o observar me distancia da solidão lúgubre, soez, frente às intempéries do meu pequenino haver, até percebê-lo? Romperam-se, de modo abrupto, os grilhões que me atavam às donzelas solitárias noturnas, e a alça da Criação me pôs, brandamente, a grifar um sentimento infindo, luzente, apraz, amorável... valor indefinível, por ausência própria de exatidão, tamanha feitura criacional – bem o sei, pois a plenitude de seu lirismo houve de me arremeter, sorrateiramente, à extremidade de seu afeito saber. Primeira vida minha, a prole sonhada no entornar de lágrimas sob tal fenômeno da existência. Porquanto repousa minha celestial atenção sobre sua vistosa face; acompanham os seus vívidos olhos marinhos os meus – como os pássaros o fazem, ao resguardarem sua linhagem – , e, desmedidamente, à Criação rogo que eu perdure, a fim de lhe significar, querida filha, contemplando-a em sua limpidez, refulgindo, ao nosso lado, com peculiar candura. A bem de minha verdade, para o que sinto, no viço dessa nova vereda, tenra filha, não chegam as palavras, irrefletem, ao cabo, o meu assaz desejo de manifestá-lo. Com que ânsia de expressão ora figura em meu peito a alma já exausta de dantes, cuja fronde, de secas folhas, que a amortalhara tristonha se esvaiu? Vivera, até então, a raiz íntima do meu infortunado contemplar, no negror vão do revoar das ilusões – agora sepulta, no arcaico covão do além; esquecida, por fim, no porão de minha indelével ventura. _____ (Texto dedicado ao nascimento da filha – 14 de dezembro de 2006 – Maria Regina)
Autor: Escritor Renneé Cardoso Fontenele


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