Um assunto difícil



251 - UM ASSUNTO DIFÍCIL

 

O tema é interessante.

A professora é uma verdadeira especialista em propostas inovadoras.

Hoje ela chegou com uma  bomba:

 - “ O tema  é:  HOMENS  E CACHORROS”

Assim, sem mais nada.

As cabeças estão começando a ferver.

Mas uma primeira dúvida surge logo:  do que vamos falar primeiro?

De gente? De cachorros? De gente que age como cachorro? Ou de cachorros que agem como gente?

As alternativas são todas atraentes, só resta a incerteza da escolha.

 

Falar de gente é fácil; falar mal, principalmente.

Os homens, tanto no sentido  individual quanto no coletivo, têm se portado mal.

Apesar das normas morais, dos mandamentos religiosos, das ameaças penais, fazem o que querem, abusam, desrespeitam os seus semelhantes.

Precisam sentir-se superiores, dominar os outros, impor sua vontade.

Quando estão em grupo, pior.

Cada um quer mostrar  mais maldade, como se fosse um concurso, não um pecado, uma transgressão, um delito.  

Afinal, todos nós dependemos dos outros, de muitos outros.

Cabe a cada um cumprir modestamente  a sua pequena parte.

Cabe-lhe ajudar a construir, para o bem de todos, um mundo melhor.

Produzir riqueza e criar bem estar,  que possam ser distribuídos a todos, sem distinção,

Essa é, para a Humanidade, a única forma de se realizar 

Banindo a maldade – seja pequena ou imensa – e fazendo triunfar o que é bom para todos, não deixando de fora ninguém..

 

Falar de cachorros é mais difícil. São animais e portanto irracionais.

Apesar de que muitas vezes os homens agem irracionalmente, de forma pior que qualquer espécie animal.

O cachorro tem completa consciência de sua fragilidade; sabe que a vida é uma luta – para comer, para sobreviver, para encontrar um cantinho em que se possa ficar em paz. Ele raramente perde esta perspectiva e se adapta a ela. É dócil, remissivo, afetuoso; precisa de carinho e atenção – e demonstra isso de muitas maneiras.  Quando ultrapassa os limites e fica raivoso e morde e arranha, é porque alguém já passou da conta com ele e sua reação espontânea é de vingança. Enfim, é um animal mais previsível, mais lógico que o homem.

Não fica à espreita, numa rua escura, assaltando à traição  qualquer um que passe por lá. Não obriga os semelhantes a cumprirem atos insanos, loucos  e reprováveis, mesmo que esteja incorporado a uma matilha. Come o suficiente e não guarda para si gananciosamente o que sobra, enquanto vê morrer de fome o seu semelhante, perto dele.

 

Gente que se comporta como cachorro, então, é difícil de responder.

Demos ao cachorro uma personalidade que ele não tem.

Chamamos de “cachorrada” algo que o cachorro seria incapaz de fazer, mas que está no nosso dia a dia. Trair o amigo, a companheira ou o companheiro,  largar a cria,  matar por qualquer motivo – ao mesmo sem motivo. Sair em bando, deliberadamente, com todas as armas disponíveis, para acabar com um inimigo, real ou imaginário. Seja ele um único ser, ou um povo inteiro.

Todos são atos de gente que se comporta como cachorro....

 

Cachorro que se comporta como gente é mais fácil.  Todos os dias, cachorros fazem companhia a crianças doentes, a adultos com alguma espécie de deficiência ou incapacidade. levam cegos pela rua, são carinhosos e obedientes. Têm mais paciência que a maioria das pessoas.  Muito mais!

 

Afinal, qual é a diferença entre homens e cachorros?

Que o homem, apesar de sua racionalidade, sua percepção, seus sentimentos profundos e arraigados, ainda não conseguiu chegar perto do comportamento, moralmente mais sadio, do seu cachorro. 

Ainda temos muito que aprender com eles!.

 

A professora olhou, leu, parou para pensar, enquanto esperávamos aflitos o seu comentário. 

Fez um muxoxo, estalando a língua em sinal de desprezo.

Depois, soltou a bomba:  

-“ Fraco, superficial. Não gostei.Deviam ter dito muito mais, deviam ter-se esforçado um pouco! Que diabo, não pedi para falar de uma girafa ou de um tatu, que só se vê no Discovery.... É de cachorros, animais que convivem conosco há milhares de anos, que estão por todo o lugar, em todas as casas; animais aos quais muitos de nós devem a vida.. Animais que nos entendem, muito mais do que nós a eles... Decididamente, este trabalho não valeu;  sinto muito por vocês:   quatro! .”

E lá fomos nós para casa, meditando sobre a “cachorrada” que a professora fizera conosco...

Temos que adotar um, para aprender melhor como eles são, de verdade.

Ou talvez... adotar uma professora, para entender melhor o que ela quer...


Autor: Romano Dazzi


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