O quadro



O Quadro

 

 

            . Após a conclusão do curso de Direito, resolvi fazer um mestrado em filosofia, que sempre considerei uma cadeira muito atraente.

            Foram oferecidos três professores disponíveis, para que um deles fosse meu orientador. Escolhi o filósofo Pedro, que era o homem mais atraente da universidade.  Todos os olhares femininos convergiam para ele.  Ouviam-se suspiros emocionados cada vez que ele se aproximava. Era um homem de 51 anos, loiro, com sedutores olhos azuis e mais de um metro e oitenta de altura. E, o melhor de tudo: era divorciado, sem filhos e estava totalmente desimpedido.

            Tinha eu 21 anos, nunca havia namorado de verdade e, para ser sincera, desde as primeiras aulas do curso, senti que aquele era o homem da minha vida. Passei o restante do curso fazendo fantasias amorosas a seu respeito. Não tinha interesse por mais ninguém. Meus sonhos noturnos e diurnos corriam soltos em direção ao meu ídolo. Ele jamais notou que eu existia como mulher. Talvez só chamasse atenção pelo fato de ser uma aluna nota dez.

            À vezes me perguntava se o desejo pelo mestrado, não seria uma grande confusão interna, sem distinguir se o fascínio era pela filosofia ou pelo filósofo.

            Fiquei feliz quando ele aceitou ser meu orientador. Só pensava nos momentos que passaria ao seu lado. Eu estudava de forma quase delirante, pois queria ser uma pessoa diferenciada aos seus olhos.

            Sua conduta em nossas reuniões de supervisão era de uma pessoa extremamente educada, mas ao mesmo tempo fria e distante. O tempo passava. Eu cada vez mais apaixonada e, ele imutável.

            Outro dia, levei um grande susto quando Pedro convidou para fazer uma supervisão na noite seguinte em sua casa, dizendo que desejava mostrar um quadro relacionado à escolha do tema de minha tese de mestrado. Comecei a suar frio. Minhas mãos tremiam; meu pulso deve ter ultrapassado 130 batimentos por minuto. Ainda bem que ele não notou. Que vergonha passaria. No entanto, sei que o professor nada percebeu: nem olhava para mim. Todas as minhas fantasias retornaram neste momento. Cheguei a pensar que poderia estar enganada e quem sabe ele nutrisse alguma atração por mim, mas não queria admiti-la. Como ele morava sozinho, pensei que um milagre poderia acontecer. Chegada a hora, coloquei meu vestido mais provocante, arrumando o cabelo e me maquiando de maneira impecável.

            Ainda trêmula, bati a sua porta. Ao entrar, lá estava o mesmo Pedro que conhecia, mas tive a impressão que me olhava de maneira diferente.

            O professor me conduziu até uma sala com lareira apontando para um quadro que estava sobre ela. Disse-me que gostaria que eu desse a minha opinião sobre a tela, enquanto ele preparava a bibliografia necessária para o trabalho.

            .Assim que ele se afastou, olhei atentamente para o quadro e tentei interpretá-lo. Era um trem dos antigos, mostrando algumas figuras humanas, umas em pé, outras sentadas, mas que pareciam totalmente ausentes. . Logo, meus olhos se depararam com uma pessoa sentada, que me olhava fixamente. Era um homem, com uma calça de arlequim e o rosto pintado. Um palhaço. O único personagem do quadro que mostrava vida, embora com semblante tristonho.     

            Quando Pedro retornou, eu continuava a pesquisar o quadro. Senti seu braço nos meus ombros. Indescritível. Aquele homem frio e indiferente me tocando com carinho!       Sentamos para iniciar a aula. O professor pediu que lhe alcançasse o material que eu havia trazido. Ao entregar-lhe, senti suas mãos acariciando as minhas. Comecei também a acariciar as suas e, usando toda coragem possível, declarei a paixão que nutria por ele durante todo o curso. Pedro reassume a sua atitude anterior, austero e gelado. Abandona o quadro uma linda mulher, que eu não tinha visto, aproximando-se do professor. Ele a abraça e me apresenta: esta é a mulher da minha vida.

            Logo a seguir diz que colocara tantos projetos na minha capacidade de me tornar uma excelente filósofa e que agora percebera o engano. Continua dizendo que como minha tese versava sobre Descartes, com o título: “Penso, logo existo”, esperava que eu soubesse interpretar o quadro, que se relacionava às teses filosóficas e sociais que estavam refletidas na imagem. Ainda continua: a principal qualidade de um filósofo é pensar e tu não pensas; cheguei a me entusiasmar, acariciando-te impulsivamente, motivado pela idéia de que tinhas desvendado o conflito dos personagens.

            -Podes procurar outro orientador, ou, melhor desistir do mestrado, pois jamais serás uma filósofa.

            Levou-me até a porta, dando adeus.

 

            A locomotiva do trem apitou forte. Acordei assustada. O vagão estava vazio, e eu era a única passageira. Percebi então, que as imagens irreais de um quadro imaginário, nada mais eram do que minhas fantasias adolescentes e, a única realidade era o triste palhaço, que era eu.

                                                                                        

 

 

           

           


Autor: Themis Groisman Lopes


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