PATRULHA !



263 – PATRULHA

 

 

Os preparativos para a comemoração do Natal já estavam adiantados e  os adultos,  na nossa  pequena cidade, empenhavam-se  com afinco na decoração.

Como sempre, discutiam: O Natal se comemora, se celebra, ou se festeja?

Mas não se chegava à conclusão e a discussão ficava para o Natal seguinte.

Para nós, crianças, esses dias custavam a passar; transcorriam lentamente, porque estávamos aguardando algo, que só chegaria na noite de Natal. 

Todo o ano fazíamos listas de pedidos exageradas, mas esperávamos que o Papai Noel nos trouxesse uns três presentes, ou, se não desse, pelo menos dois.

Mas naquele ano a vovó passara-nos uma descompostura,   lembrando-nos das nossas traquinagens.  

Que presente deveríamos ganhar,  por termos  amarrado a sineta de prata  ao rabo do gato ? O coitado, aterrorizado, pulara por meia hora, até conseguir soltar o nó. Pela primeira vez víramos, com nossos próprios olhos, o que é o pavor.

E que prêmio mereciam as péssimas notas, o estado lastimável dos cadernos, a desordem permanente das nossas roupas, dos nossos quartos?

– “ Vou eu, falar com o Papai Noel, quando ele aparecer na esquina, na noite de Natal. Vou eu, resolver este caso! “ ameaçara apontando-nos o magro indicador.

Mamãe tinha sido mais comedida. Dizia que só crianças bem comportadas tinham direito aos presentes; muitas outras  os mereciam mais do que nos. 

Papai foi peremptório. Este ano o Papai Noel está muito pobre. Não conseguiu dinheiro . Assim, nada de brinquedos.

O vovô deu-nos uma carta, escrita em letra trêmula - (puxa, o Papai Noel está mesmo muito velho) – confirmando que nossos  brinquedos seriam dados a  três meninos: um, doente; outro,muito pobre, o terceiro, o melhor aluno da escola.

A frustração foi grande. E meu primo, alérgico às injustiças, revoltou-se

Decidimos que iríamos enfrentar  o Velhinho  cara a cara, numa conversa séria.  Queríamos ressalvar os nossos “direitos”, brigar por nossa causa.

Já sabíamos que ele não vinha do Pólo Norte. 

Devia usar um grande galpão numa vila próxima, a oito quilômetros de nossa casa; era um lugar suspeito, com caminhões entrando e saindo o tempo todo.  Era a prova de que precisávamos.

Não avisamos ninguém: três moleques e duas meninas, todos entre os sete e os onze anos,  encarando corajosamente a estrada de terra batida.

Depois de caminhar uns três quilômetros, paramos para descansar.

Aproximou-se um menino loiro, de modos educados e reservados, sapatos velhos,  levando uma sacolinha; amistoso, querendo conversar. 

Perguntou  aonde íamos. Explicamos.

“ Mas sabem mesmo onde é?”

“ Por certo! Não iríamos fazer esta caminhada sem saber para onde vamos!”

 “E vão sozinhos? Sem um adulto para acompanhá-los? Não é perigoso?”

“ Não, já somos grandes, sabemos cuidar de nós...”

“ Bem, vocês é que sabem. Posso ir com vocês? ”

“ Claro! É bom! Conversando, o caminho fica mais curto!”

Continuamos a caminhada, as garotas interessadas no que ele contava.

Ele foi tirando dos bolsos umas balinhas de açúcar, muito gostosas.

Depois de mais uns três quilômetros,  paramos para descansar.

Ele abriu a sacola e ofereceu-nos uns sanduíches.  

Precisávamos mesmo, estávamos todos com fome e ninguém tinha pensado em trazer alguma comida.   Logo adiante, descobriu, sob uma moita, uma pequena fonte de  água fresca, limpa, gostosa.

Agora, não tínhamos mais fome, nem sede, graças a ele.  

O menino conhecia todos os truques.

Disse que morava numa vila próxima, sempre acompanhava e ajudava o pai, que era carpinteiro, para fazer serviços na casa de algum freguês.

Ninguém, entre nós, lembrava-se de tê-lo visto antes; mas naqueles dias, vinha muita gente de fora, se registrar na Prefeitura – não demos importância.

Como Deus quis, acabamos chegando, cansados e suados, ao depósito.

Todas as portas fechadas, nenhum  movimento.

Foi o nosso amiguinho que encontrou a única porta aberta.

Entramos; e uma voz áspera, vinda da sombra, perguntou:

“O que querem? O que fazem aqui?”

“Queremos falar com o Papai Noel!”

“Por parte de quem?”

“Como, por parte de quem? Por nossa parte. Temos um assunto urgente.”

“Papai Noel não está. Mas  podem falar com o irmão dele, que toma conta do depósito no fim do ano, quando o Papai Noel viaja..”

 Logo apareceu um sósia do Papai Noel.

Tão parecido com ele, que pensamos que fosse um truque.     

Mas ele foi gentil, atencioso e perguntou o que poderia fazer por nós.

Explicamos.  Ele pensou um pouquinho e depois:

“Não há o que fazer, meus meninos. Vocês erraram e agora devem pagar. É a lei.  Mas não é uma grande punição. E os seus brinquedos vão para meninos que precisam mais que vocês.....”  

E continuou calmamente, explicando-nos, de novo,  como tudo funcionava.

No fim, quando já estávamos plenamente convencidos, acrescentou:

- “Mas vai ter um  pequeno prêmio de consolação para cada um, que meu irmão vai deixar lá na sua casa. Obrigado pela visita, garotos. Voltem,  agora, porque a noite chega rápido e devem estar em casa antes que fique escuro.”   

Até meu primo ficou tranquilo. Tínhamos errado. Não havia como discutir.

Saímos e o nosso amiguinho resolveu acompanhar-nos mais um pouco.

“Mas você não ia para casa?”

“Sim, mas vou mais tarde. Gostei muito de estar com vocês.”

“Nós também gostamos. Então vamos?”

E tomamos o caminho de volta, apressando o passo para não sermos alcançados pela escuridão.

 

Em nossas casas, enquanto isso, era um alvoroço total.  

Tínhamos sumido todos, ninguém nos tinha visto sair.

Podia ter acontecido uma desgraça; procuraram-nos até no hospital.

Mas ai aconteceu uma coisa estranha: em um quarto de hora, menos talvez, estávamos chegando, logo antes da escuridão,  sem saber como.

Já estávamos em segurança.

 

 

A família tranquilizou-se, vendo que estávamos todos juntos, e ninguém esbravejou conosco, como era de costume.  Nem nos puseram de castigo.

Na porta de casa, o menino se despediu de cada um, e nos desejou boa sorte, com muito carinho. Às meninas deu, nas faces rosadas, um beijinho de adeus.

De repente, enquanto ele se afastava, lembrei que não tínhamos nem perguntado   o nome dele; crianças não se apresentam formalmente, nem trocam  cartões de visita, como os adultos. Os nomes vêm depois, quando se consolida a amizade.

 

Enquanto ele se afastava rápido; gritei,  afobado:

“Eh, menino,  como você se chama?”

“ Jesus!”  respondeu.

E sumiu na escuridão.

 

 

 

 

 

 

 

 


Autor: Romano Dazzi


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