PRESÉPIOS



264 - PRESÉPIOS

 

Naquele ano, Dom Paulo,  pároco de Santa Maria do Alto, inventou um concurso de Presépios. A cidade, a bem da verdade, é pouco mais que um vilarejo, empoleirado numa das primeiras colinas à sombra da Serra da Mantiqueira; 

O concurso de presépios foi lançado em agosto; amplo, flexível, sem muitas regras.

Logo se sentiu um impulso no comércio local; as vendas de fitas e renda aumentaram, as crianças saíam à cata de musgo; materiais elétricos obsoletos saiam das prateleiras empoeiradas.

Durante semanas, não se falava de outra coisa A criatividade fervia.

 

Chegou afinal o grande dia.

A comissão  examinou cada um dos presépios para emitir um parecer.

Difícil compará-los, impossível classificá-los:

Um, todo iluminado, com luzinhas piscando e brilhando; outro, com a cabana coberta por finíssimas lâminas douradas, um terceiro,  com tantas figuras em movimento. Outro ainda, coberto por um céu de  papel azul, com mil estrelinhas iluminadas...

 

Um presépio, em princípio, é bem simples: deve apenas reproduzir o lugar onde tudo  aconteceu: uma colina irregular e inóspita, com raros tufos de grama de hastes longas, um antigo abrigo de cabras abandonado, semi destruído.

No fundo dele, sob o teto em ruínas, uma manjedoura tosca, com um feixe de feno. Um velho boi e um burrico arisco. É só.

É tudo pobre, triste, escuro. 

Maria segura no colo o recém-nascido. José olha, atônito, o milagre.

Lá fora, apenas o brilho da lua e da poucas estrelas pálidas.

Está frio. Tudo é silêncio, contemplação.

É neste cenário esquálido que o rei dos reis, o dono do universo, o poderoso filho de Deus, vem ao mundo, como o  mais humilde entre os humildes, o mais pobre entre os pobres.

Deverá percorrer um longo caminho,  da gloria ao desespero, numa parábola que é o destino de todos os que portam a luz.

Mas hoje, é apenas um recém nascido, cujo fraco vagido adeja no silêncio do vale.  

O milagre está aí: no fato de  lembrarmos, dois mil anos depois, este momento mágico.  No fato de sentirmos  e revivermos aquela emoção.

E entretanto somos tão diferentes daqueles pastores!

Nada temos em comum com eles, a não ser que também somos homens, como eles foram, guiados por sentimentos, levados por emoções.

 

Pela  rua principal de Santa Maria do Alto ressoa hoje a alegria que está em todas as casas.  Pessoas comem, brindam,  cumprimentam-se, abraçam-se.

A felicidade estampa-se nos rostos, espalha-se nas almas.

 

Mas o presépio verdadeiro está lá: no fim da rua, perto da última casa, numa construção abandonada e deserta, caindo aos pedaços, um lamento contido, um choro que ninguém ouve, sobe do piso frio pelas paredes escuras.

 

É Marilda, que já foi uma menina bonita, alegre, segura de si, orgulhosa e inteligente, que corria atrás das borboletas coloridas que eram os seus sonhos.  

Mas os homens, ah!, os homens ...  são mentirosos, trapaceiros.

Promessas, juras, carinhos falsos, foram se acumulando, se multiplicando.

Quando percebeu que tudo era apenas uma ilusão, já era tarde;

As mentiras enredaram a alma de Marilda, envenenando seus pensamentos, tirando dos seus olhos o brilho,  de seu coração a seiva, de seu espírito a força.

 

De repente sentiu-se abandonada, seca, árida,  como um deserto queimado por um sol inclemente.  

Marilda está só, nesta noite de festa e de alegria, encolhida numa toca, como um animal ferido, incapaz de fazer qualquer coisa, de tomar qualquer atitude.

Está doente, infeliz, desesperada.

Pior: está sozinha – e a solidão é o maior de todos os males.

Marilda acabou de dar à luz um menino, cujo rosto nem consegue distinguir, na escuridão. Está fraca, pálida, perdida, esvaindo-se em sangue.

E enquanto seus gemidos vão lentamente diminuindo, enquanto a vida a abandona, a criança levanta um vagido forte, rápido, inesperadamente agudo, repetido, como um pedido de ajuda.

Luzes se acendem sobre a rua, portas se abrem, pessoas saem, primeiro de forma tímida,  depois cada vez mais decidida, respondendo àquele chamado primordial de socorro.

Logo alguém encontra a criança, toma-a suavemente nos braços, agasalha-a, aquece-a , segura-a com infinito carinho.

 

Marilda entrevê os rostos, tenta esboçar um sorriso...mas esta é a ultima coisa que percebe.

Ela se foi.

 

A noite de Natal ainda vai longe; o bebê é limpo, cuidado, alimentado e finalmente adormece.

 

No horizonte, acaba de descer uma grande estrela, que atravessou lentamente, durante a noite toda a volta do céu, e que está agradecendo à cidadezinha de Santa Maria do Alto, por dar abrigo ao seu novo habitante.  Vão chamá-lo Jesus.         

 

 

 

 


Autor: Romano Dazzi


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