Ares de Natal



265 - ARES DE NATAL

 

Era apenas o começo  de setembro e já  respirávamos o Natal.

O movimento, a atmosfera, a ansiedade pela sua chegada;.

A firma em que trabalho é especializada em Natal.

Recebemos desde abril, os catálogos com  as novidades: luzinhas, festões, motivos, cores, decoração.

Escolhemos as personagens:  renas, cervos, alces - e coelhos, esquilos, sapos,  passarinhos...

Estudamos sinos, arvores, enfeites, bolas -  bolas de plástico, de vidro,  de cristal. Estrelas de todo tamanho e cor, douradas, prateadas, alegres, fulgurantes, tinindo, brilhando., piscando: - “ Estou aqui! Estou aqui!.” 

 

Natal, para nós, não é só uma festa. É um trabalho estafante, corrido, apertado, mas que no fim nos rende um bom dinheiro. .

Separamos sempre uma boa quantia  para algum projeto especial.

 

Este ano queríamos fazer algo diferente, original, capaz de  associar a idéia do Natal à nossa marca.

Natal, todos sabem, é feito de ruas iluminadas, árvores enfeitadas, cordões sem fim de  luzinhas coloridas, coroas, guirlandas.

Músicas antigas, dos Natais de nossa infância, repetem-se em cada esquina.  Trezentos Papais Noel, um mais falso que outro, suando em bicas sob as barbas postiças, as cabeleiras brancas, as pesadas roupas vermelhas da tradição.

Coitados: é duro conseguir um trocadinho para comprar uma lembrancinha que as crianças de casa esperam...

 

No meio de tantas idéias – e de tão poucas opções viáveis, era difícil encontrar uma que servisse.

 

Pensamos em um presépio de rua, com reis magos, e neve e músicas.

Mas é uma coisa tão repetida, que não traz nada de novo; além do perigo de uma chuva de verão, que desmontaria qualquer cenário em dois minutos.l

 

Pensamos em um espetáculo de patinação no gelo.

Anjos seriam ótimos, mas Maria, José e o Menino Jesus deslizando suavemente na pista, não colariam: seriam originais, mas excêntricos, irreais

 

Alguém chegou a sugerir uma abordagem sem rodeios da realidade atual:

Jerusalém, Israel e a Palestina em equilíbrio instável; três religiões competindo pela posse daquele pedaçinho de terra árida, onde o Menino escolheu nascer.

 

Seria lindo, histórico. Mas todos continuam brigando, por lá. E brigam feio e se matam  em nome de Deus. .  

A festa perderia as cores; e todas as nossas estrelas ficariam cinza.

 

Aí percebemos, que as cores do Natal dependem da bondade dos homens, da sua capacidade de sentir compaixão, de compreender, de suportar, de perdoar, de amar; de  saber-se e sentir-se irmãos.

 

O que o Natal pretende festejar é muito mais que o nascimento de uma criança – mesmo que se trate do Filho de Deus.

 

O Natal repete , de um ano a outro, de um século ao seguinte, a mesma  mensagem de paz; a mesma promessa de amizade.

 

No meio dos males que nos afligem, da miséria que nos sufoca, da fome que leva  tantos pequenos inocentes, cumprir  apenas uma das nossas promessas, mesmo a mais insignificante,  é renovar a esperança....

 

 Mas continuávamos com o problema: nenhuma idéia nos deixava satisfeitos.

Até que apareceu uma cartinha, escrita com uma letra clara, que transmitia paz.

 

Dizia

Querida menina

Meu nome é Renata e tenho sete anos.

Não sei como você se chama, mas acho que deve ser bonita e alegre como eu.

Papai Noel está quase chegando e eu  pedi uma porção de coisas.

Não sei se ele vai conseguir, porque são todas coisas muito, muito  difíceis;

Primeiro, quero que ele leve um brinquedo bonito para cada criança pobre. Sei que são muitas, uma enormidade, pelo mundo afora....

Segundo, que ele traga de volta o meu papai, e o faça ficar junto da mamãe, que está   triste e chora muito.

Terceiro, quero uma boneca: não é para mim, porque não brinco de boneca; é para a  minha amiga Cida, que não tem nenhuma.

Quarto - mas o doutor Reginaldo disse que este desejo é muito difícil, que é quase impossível, que é quase um milagre:  queria ver as luzes do Natal, entender como são feitas, e assim manter sua fotografia em meu coração, por todos os anos que virão.

A Madalena, a enfermeira, que escreve esta carta que estou ditando, diz que precisa pedir com muita força, com muita fé.

Eu não sei o que é isso.  Mas sei que o Papai Noel sabe o que faz.

Eu quero mais uma coisa, menina amiga que não conheço.

Reze muito por mim, por favor. A Madalena diz que milagres acontecem.

Desejo que você tenha um bom Natal, e mando um beijo a Você e à sua Mamãe.

Renata

 

Este, então, era o nosso projeto! Este, o sinal de que precisávamos!

Aquela pequena fortuna que gastaríamos em um espetáculo ambicioso,  poderia ser usada muito melhor, se...

 

     Fomos ao Doutor Reginaldo, conseguimos sua aprovação,  Renata teve que ser examinada e reexaminada; havia esperanças, sim. 

Uma semana depois, sofreu uma complicada operação; ficou jogada na cama, um trapinho pálido, parado, triste, sob umas gazes enormes.

 

Mas finalmente, na noite de Natal. Renata, apoiada no balcão de sua janela no hospital, pode finalmente abrir os olhos e ver, extasiada,  os milhões de luzes, espalhadas pela cidade, piscando até onde a vista alcançava. 

 

-“ Acho que pedi mesmo com muita fé, Mamãe !”  repetia ela, encantada.

 

Os sócios da nossa firma  deram-se as mãos, comovidos e agradecidos.

Foi sem dúvida o melhor projeto, em muitos, muitos anos!!  

 

 

 

 


Autor: Romano Dazzi


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