CONHECIMENTO HUMANO, LINGUAGEM E LEITURAS: MECANISMOS DE TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE.



CONHECIMENTO HUMANO, LINGUAGEM E LEITURAS: MECANISMOS DE TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE.

 

 

 

 

DARIANY ANDRADE DE SOUZA

 

 

Resumo:

 

O conhecimento engloba a totalidade da experiência humana, exige a curiosidade do sujeito em face ao objeto a ser conhecido e requer dele uma ação transformadora sobre a realidade. A busca pelo saber é uma atividade inerente e exclusiva do ser humano, sua história e evolução estão ligadas, desde os primórdios, diretamente ao ato de descobrir e conhecer. O presente artigo apresenta algumas considerações a respeito de três mecanismos que se fazem presentes na transformação da realidade do homem: o conhecimento que é inato da raça humana, assim como a linguagem que o difere os outros animais e o papel da leitura no processo de construção e reconstrução dessa realidade. Nesse sentido, faz-se necessário discorrer a respeito de algumas questões sobre as concepções de conhecimento, de linguagem e aquisição da leitura. Isso se fará a partir das idéias de alguns pensadores ao longo da história da humanidade.

 

Palavras chaves: Filosofia, Conhecimento, Aquisição, Linguagem, Leitura, Transformação, Realidade.

 

 

 

A incessante busca por explicações para os fenômenos existentes e produzidos, seja na natureza ou no mundo social e individual, está ligada diretamente à finalidade do ato de conhecer. Desvendar os segredos e mostrar a realidade do objeto a ser conhecido por meio de reconstruções e modificações inevitáveis do pensar, leva o homem a procurar mecanismos que o ajudem a entender as descobertas e utiliza-las na transformação de sua realidade. Ao adquirir conhecimento o homem sentiu a necessidade de propagá-lo e então surge a linguagem como forma de difundir de seus hábitos e a partir daí surgem várias formas de comunicação onde a leitura seja, talvez, a mais importante delas. Na tentativa de explicar como se processa o conhecimento humano, surgem diferentes pontos de vista para fundamentar a compreensão desses fenômenos que se opera na relação entre o sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido. Quando se fala em conhecimento, se faz necessário retomar alguns conceitos filosóficos a respeito da teoria e da origem do conhecimento.

A origem do conhecimento determina a capacidade do homem em avaliar o entendimento relevante em dois pontos que se contradizem e ao mesmo tempo completam-se. A teoria geral do conhecimento estabelece uma interpretação filosófica estudando suas prerrogativas quanto à estrutura e a relação sujeito e objeto, lidando com as diversas possibilidades quanto ao saber. Essa questão tem sido alvo de discussão nos meios filosóficos, ao longo do tempo, discorreremos então as prerrogativas de algumas dessas correntes denominadas: racionalismo, empirismo e dialética, e suas considerações:

O RACIONALISMO

 

O Racionalismo origina-se a partir do inatismo de PLATÃO, filósofo grego (427 a.C. – 347 a.C.), para quem o homem, ser dotado de razão, não conhece a realidade, conhece tão somente a idéia do que seja real, de modo que a realidade só pode ser conhecida por meio das idéias de nossa razão. Enfim, o conhecimento é criação do ser pensante e nele se esgota, e nada existe fora do pensamento, sendo o conhecimento regido por princípios universais, necessários e imutáveis, válidos para todos os homens em todo tempo e lugar. ( CHAUÌ, 2007 p.101).

 

Para o racionalismo, o conhecimento legítimo que representa sua teoria é a matemática que detém o uso da percepção sensível sobre o controle das prerrogativas intelectuais. Para Platão, o conhecimento racional atua no campo das idéias caracterizando um Racionalismo transcendente. Para Descartes, o princípio das idéias inatas são conceitos que são fundamentos do conhecimento. Então, a razão é o fundamento do conhecimento, organizado em valores e validades universais, com regras e normas estabelecidas por ela.

 

O EMPIRISMO

Para os empiristas, o modelo de conhecimento verdadeiro é fornecido pelas ciências naturais. O conhecimento com todos os seus conceitos e valores são orquestrados pela experiência, a mente humana na sua origem não possui nenhum dado, e no decorrer das experiências, vai sendo preenchida das informações fornecidas pelos sentidos, responsável pela existência das idéias da razão. Locke defende uma experiência externa baseada nas sensações e outra interna, na reflexão de forma simples ou complexas. Hume relaciona as percepções e as impressões, a primeira derivada dos sentidos e a outra como sendo representações menos claras da memória.

 

"O inatismo afirma que nascemos trazendo em nossa inteligência não só os princípios racionais, mas também algumas idéias verdadeiras, que, por isso, são idéias inatas. O empirismo, ao contrário, afirma que a razão, com seus princípios, seus procedimentos e suas idéias, é adquirida por nós através da experiência" (idem).

 

 

A DIALÉTICA

A corrente dialética surgiu como tentativa de expurgar os exageros pregados pelo racionalismo e pelo empirismo, tendo como preocupação o diálogo das estruturas mentais e racionais, insurgindo-se contra o mito da objetividade e neutralidade da ciência. O pensamento dialético prega a necessidade da convivência dos contrários, estabelecendo que a maneira de conhecer a realidade resulta do atrito e do confronto das diferenças constatadas. Predomina a relação da razão com a consciência, de maneira conflituosa como processo de conhecimento humano; ao mesmo tempo, uma afirmação incorpora uma série de negações.

 

O fundador do pensamento dialético foi HERÁCLITO (540? – 480? ªc.), para quem "O sol é novo a cada dia; nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos". Enfim, tudo flui, tudo passa, tudo se move sem cessar, a vida e tudo o mais que existe transformam-se num fluxo permanente (idem).

 

 

Essas três correntes nos mostram que, desde os seus primórdios, a Filosofia preocupou-se com o problema do conhecimento, pois sempre esteve voltada para a questão de que o pensamento parece seguir certas leis para conhecer as coisas e que há uma diferença entre perceber e pensar. O pressuposto da teoria do conhecimento como reflexão filosófica é  de que o homem é um ser racional consciente. A capacidade humana para conhecer, para saber que conhece e para saber que sabe que conhece revela que a consciência é um conhecimento (das coisas e de si) e um conhecimento desse conhecimento (reflexão). Dessa forma, ao adquirir conhecimento o homem sente, instintivamente, a necessidade de transferir toda essa aquisição, suas reflexões e descobertas, pois sabe que a sabedoria deve ser propagada. É nesse momento que o ser humano se utiliza de uma ‘ferramenta’ que somente ele possui, a Linguagem.

A linguagem é, assim, a forma propriamente humana da comunicação, da relação com o mundo e com os outros, da vida social e política, do pensamento e das artes. Está sempre presente no cotidiano, seja nas atitudes mais simples até as mais cultas, sempre pronta a envolver os pensamentos e exprimir os sentimentos, é inseparável do homem segui-o em todos os seus atos e por toda sua vida.

 

Somente o homem é um “animal político”, isto é, social e cívico, porque somente ele é ditado de linguagem. Os outros animais possuem voz (phoné) e com ela exprimem dor e prazer, mas o homem possui a palavra (lógos) e, com ela exprime o bom e o mau, o justo e o injusto. Exprimir e possuir em comum esses valores é o que torna possível a vida social e política e, dela, somente os homens são capazes (Aristóteles, 2005 p. 98).

 

 

Através da linguagem o ser humano exterioriza seu pensamento e se intera socialmente, nesse processo o entendimento surge entre os sujeitos e, ao atuar comunicativamente, se relacionam, interagem, utilizam suas interpretações transmitidas culturalmente e modificam, simultaneamente, seu mundo objetivo, seu mundo social e seu próprio mundo subjetivo. É o instrumento ao qual o homem modela seus sentimentos, seus atos, suas imposições e suas adequações, que exige e é exigido, que influencia e é influenciado, a base mais profunda que rege, como um todo, a trajetória e a evolução da sociedade humana.

A palavra distingue os homens e os animais; a linguagem distingue as nações entre si. Não se saber de onde é um homem antes que ele tenha falado. Desde que um homem foi reconhecido por outro como um ser sensível, pensante e semelhante a si próprio, o desejo e a necessidade de comunicar-lhe seus sentimentos e pensamentos fizeram-nos buscar meios para isso (Rousseau, 2003 p.52).

 

Contudo, o mecanismo que nasce da necessidade do homem de se comunicar, seu poder encantatório também pode ser utilizado como mecanismo de repressão na vida social. O conhecimento, o diálogo e a comunicação podem, também, descobrir a ignorância e, assim, se faz necessário seduzir os ignorantes através das palavras, fazendo-os aceitar fascinados os discursos opressores onde se aprende a agir de acordo com a vontade da sociedade. Nesse processo, quando a coação deixa de ser sentida como tal, é o momento que o indivíduo, pela força como a sociedade se manifesta, se deixa vencer, pois a linguagem talvez seja, dentre inúmeras, a primeira forma de imposição histórico-cultural ao homem.

 

Para Platão a linguagem pode ser um medicamento para o conhecimento, pois, pelo diálogo conseguimos descobrir nossa ignorância e aprender com os outros. Pode, porém, ser um veneno quando, encantados com a palavra, receber o que vemos ou lemos, sem que indaguemos se tais palavras são verdadeiras ou falsas. A linguagem pode ainda ser cosmético, maquiagem ou máscara para dissimular ou ocultar a verdade sob as palavras. Assim, a linguagem pode ser conhecimento-comunicação, mas também pode ser encantamento-sedução (Chauí, 2007 p.120).

 

A linguagem é um instrumento do pensamento para exprimir conceitos e símbolos, para transmitir e comunicar idéias e valores. Percebe-se então que, assim como o conhecimento, a linguagem também é inata do ser humano e o acompanha por toda sua trajetória fazendo com que, através da comunicação, ele se estabeleça e se reconheça como parte de um sistema que opera, modifica e transforma a realidade, seja ela estabelecida oralmente ou graficamente. Esta última, a palavra, é a representação concreta das idéias, dos pensamentos e conceitos produzidos pelo sujeito pensante. E partindo dessa representação se faz a escrita e, consequentemente, a leitura. Mas, não se deve julgar por leitura somente o que está escrito e sim tudo que engloba a capacidade de percepção do homem. Como relata Martins (2003, p.23), “Se o conceito de leitura está geralmente restrito à decifração da escrita, sua aprendizagem, no entanto, liga-se por tradição ao processo de formação global do indivíduo, à sua capacitação para o convívio social”.

A leitura é o terceiro mecanismo dessa abordagem que mostra seus respectivos envolvimentos na evolução e transformação da realidade humana. Antes de qualquer coisa é preciso que se deixe bem claro que, aqui, não tomaremos a leitura apenas como compreensão do que é a palavra escrita, mas a sua relação com o contexto de quem fala e de quem lê e escreve, compreender que sem a sua própria leitura, representação e imaginação, não há como existir a leitura da palavra. Isso define que cada indivíduo, primeiramente, é o seu próprio escritor e leitor, ele escreve e lê, sua própria vida. A partir dessa percepção fundamental surge o aperfeiçoamento, ou seja, uma forma correta de enxergar a verdadeira relação entre ler um texto e perceber o contexto.

Desde o começo, na pratica democrática e critica, a leitura de mundo e a leitura da palavra estão dinamicamente juntas, podendo até mesmo afirmar que a primeira é tão mais significante que a segunda, já que não é vantajoso um texto sem contexto (Freire, 2008 p. 28).

 

Quando o homem, individuo, se intera e percebe a importância da valorização de suas experiências e compreende o seu lugar no mundo e se afirma nesse mundo consegue, então, se impor em prol de suas convicções, consegue lutar por uma realidade mais favorável e com essa conduta transforma seu meio. O homem convicto de sua força e de seu valor conseguirá vencer as alienações e seguir consciente de sua inserção na sociedade transformando-se em artífice de sua própria historia e, ao mesmo tempo, um homem coletivo, agente da luta por um questionamento geral da inércia em que a humanidade se encontra. 

A leitura da palavra também favorece muito o engrandecimento de conhecer do homem e, sendo assim, também beneficia modificando e renovando seu mundo através da educação. Ler, não necessariamente na escola, é um ato educativo que, por conseqüência, forma o cidadão e lhe da capacidade de tornar-se governante de si mesmo. O torna o centro, destaque, pois saber é poder e essa sabedoria assume uma dimensão favorável que viabiliza melhorias nas suas habilidades e, junto com a leitura de mundo, se transforma em referencia de produção mental, pois percebe, reflete e expõe os dilemas, conflitos, desigualdades e contradições da sociedade. Valoriza a capacidade cultural de seu povo e percebe a importância das raízes.

Ao intelectual, segundo Gramici, que emerge da sociedade é atribuída a tarefa de construir, através da ação cultural, a criação e a transmissão da cultura, a criação e a transmissão da cultura e da conquista do “consenso espontâneo” em favorecimento da vida social (CHAUÌ, 2007 p.98).

 

Desde a Antiguidade, a arte privilegia o estudo das emoções humanas através de suas representações. Tornou-se uma linguagem orgânica por está diretamente ligada ao homem, fazendo parte de sua vida, retrata sua realidade e transforma seu futuro. A leitura desempenha uma função nas sociedades, um papel que se configurou, em grande parte, a partir daquilo que o público leitor reconheceu como valor.

A leitura não tem o poder de modificar a realidade, mas certamente é capaz de fazer com que as pessoas reavaliem a própria vida e mudem de comportamento. Se esse efeito é alcançado, o texto e seu contexto desempenham um importante papel transformador, ainda que de modo indireto, levando a responder, por meio de construções simbólicas, as perguntas que inquietam os seres humanos. Para Pablo Neruda, a leitura também desempenha um valoroso papel:

 

“O estudo dos textos literários - e das obras de arte em geral - não apenas revela diferentes concepções de mundo, mas também permite indagar como elas foram construídas, o que sugerem sobre pessoas que viveram em outras sociedades, em outras épocas. Sua leitura nos transforma, porque, ao olhar para o passado, modificamos o modo como vemos o presente e como construímos o futuro”.

                                        A Folha de São Paulo. São Paulo, 17 abr. 1971.

 

Portanto, percebe-se a importância desses três mecanismos relacionados à transformação da realidade humana, suas interligações com os processos de crescimento intelectual e como ser atuante na sociedade percebendo o seu lugar como ser individual ou coletivo. Percebemos desse modo que o ser humano é influenciado diretamente em sua vida pelas tradições que o cercam e o constroem, pelo menos até que possa desenvolver uma interpretação e uma consciência crítica própria, até lá a cultura e suas tradições constroem o ser humano arrastando consigo todos os conhecimentos, linguagens e leituras em seus pensamentos pré-definidos. Porém, embora se observe todo esse processo se desenvolver ao nosso redor não se pode perder a esperança, nem a coragem de sonhar. Precisa-se sim, reconhecer as alienações, despertar utopias, e desenvolver uma consciência crítica capaz de discutir o “valor dos valores”. Discutir o valor dos valores significa estar sempre à procura da essência dos problemas, do conhecimento, do contexto ao qual se encontra para, assim, se fixar como ser humano de fato, ou seja, atuante e questionador, incansável e modificador de sua realidade transformando seu mundo a cada dia individual ou coletivamente.

 

 Referências:

CHAUÌ, Marilena. Filosofia: 3ª série: ensino médio/ Marilena Chauí. 1. ed. São                          Paulo: Ática, 2007.

ARISTOTELES. Política/ Aristóteles. São Paulo: Escala, 2005.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Ensaio sobre a origem das línguas/ Jean-Jacques Rousseau.           São Paulo: Escala, 2003.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam/ Paulo Freire. 49 ed. São Paulo, Cortez, 2008.

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura/ Maria Helena Martins. São Paulo: Brasiliense, 2003. (Coleção Primeiros Passos; 74).

Sites pesquisados:

<http://folhadesaopaulo.com.br/jornal/entrevistas>acesso:26/07/2008 às 14h12min

 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    

 

 

 

 


Autor: dariany andrade de souza


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