A eternidade é solidão



 

 

 

          O Conde Drácula sempre me encantou pela sua figura dissimulada e  sedutora. Além da figura, o que temos por trás de sua condição de vampiro é uma condenação à solidão, conseqüência de um existência considerada um imenso prêmio por todos os humanos normais: a eternidade. Privilégio e condenação fazem desta personagem um paradigma da modernidade.

          A busca da eternidade é uma angústia para o homem que ainda não sabe o que encontrará do outro lado e nem ao menos quando partirá. Entretanto, para o Conde Drácula, essa busca é maldição, não privilégio. Os gregos construíram a sua teogonia em função do movimento, da mutação de naturezas físicas e existenciais, o próprio Homero já sabia das mazelas trazidas pela imortalidade. Depois de dez anos na ilha intocável de Calipso, onde nem o vento remodela a areia, nem derruba folhas secas, porque lá nada envelhece,  Odisseo se cansa da banalidade, da imutabilidade, da perfeição e prefere partir para o mundo conflituoso dos humanos. Hércules também buscou a purificação da alma e a imortalidade através das doze tarefas impostas por Eristeu, o que lhe foi extremamente penoso.

          A vida eterna, a imortalidade pode aparentar fisicamente uma espécie de poder, ou desejo de igualar-se aos deuses e acompanhando esta noção de poder está o preço a pagar: a solidão. Os deuses não estão solitários porque comandam a vida terrena e têm seus amores e paixões. O homem, por sua vez, ao conquistar a imortalidade está sozinho, fora do plano humano, não comanda nem mesmo a história que passa frente a seus olhos.

          Atravessando séculos, o Conde Drácula possui a condição de imunidade e sofre por não percorrer o tempo, não envelhece e nem rejuvenesce, não aprende e não erra. A escritora Anie Rice, com o Vampiro Lestat, cria uma personagem paradigma de Drácula. Lestat  se adapta à época, seu novo habitat  é Nova Yorque, deixa de ser conde para ser o vocalista de uma banda de rook, adquire uma identidade somente para moldar-se e sobreviver. No filme Drácula de Braw Stocker, o vampiro é simultaneamente vilão e vítima, impossibilitado de fazer sua história, ele não é um ser coletivo que divide os temores do passado e os anseios do futuro. A sua maior angústia é estar fadado ao desamor, pois ao possuir o privilégio da imortalidade, não lhe cabe amar e, mesmo que isso ocorra, está fatalmente condenado a perder sua amada pelas próprias condições impostas pela natureza. Por sua necessidade de sangue, teme condenar a  amada a sua condição e, por amor, prefere deixá-la. Ele sabe do castigo que é ser imortal. Abdicar do amor pela bondade, pela felicidade do ser amado é o que o faz ser um Drácula triste, pensativo, perdedor. Então, cabe-lhe somente  renegar a vida, manter o mito da maldade, apresentando-se teatralmente nas festas proporcionadas pela sociedade burguesa e ameaçar o símbolo burguês metaforizado em uma mocinha virgem e bela. E já que não pode ter o seu amor verdadeiro, ataca as prostitutas nas ruas escuras dos bairros centrais. Nos bairros pobres e nas prostitutas, Drácula realiza o seu lado vampiresco, metade humano, metade morcego, seu instinto de ferir, de defender-se como animal que percebe a aproximação do perigo ou aquele que ataca para alimentar-se e sobreviver. Ele pode não ter o amor, mas o desejo sexual é uma condição irrevogável. Os seus dentes afiados são seu membro, seu esperma escorre através deles em forma sangüínea, o orgasmo da vítima é o desfalecimento em seus braços. Mais um vírus de condenação pelo prazer. Por analogia, o HIV não é tão moderno assim como pensamos.

          A sedução, a valorização do sexo, as várias vampiras ao seu redor, o gosto pelo luxo, tudo vem  da impossibilidade de ser um simples homem, de ver nascerem-lhe rugas, ter filhos, amigos, amores, pois o amor é experiência, crescimento da alma, envelhecimento e fortalecimento do ser; amor não é assunto para os imortais. Por isso é mais garantido ter prostitutas  ao seu dispor, é mais garantida a mordida orgásmica  e a contaminação dos que não amam, do que a conquista amorosa pela palavra e pela ação. Talvez seja esta a metáfora da mordida como um ato sexual, não um ato de fome ou de ou ódio. Quando se tem alguém pela imposição do instinto, pela irracionalidade ou pela inconsciência não é uma partilha de sentimentos, é vampirização, a própria paixão é uma maneira de ter o outro pela vampirização, pela posse irrestrita das energias, da presença, da entrega total do tempo, do impedimento que o outro construa a sua história. Quando me apaixono ilimitadamente, impeço que o objeto da paixão faça a sua individualidade, eu sou a sua história.

             A verdadeira desgraça de Drácula é a sua condição essencial para a perpetuação do mito. Drácula tem dinheiro, tem título de nobreza, nunca envelhece, nunca adoece, não é humano. É um eterno invejoso dos mortais e a  atemporalidade e universalidade deixa-o perdido, sem uma mínima referência. Ao passar pela história  e transpassar pelo espaço, sempre acompanhado pelo seu fiel e feio servo, como Don Quixote e Sancho Pança, não possui a referência que o faria um ser social e histórico. O tempo deixa de existir e o espaço não tem fronteiras, já que ele se adapta a qualquer lugar e época. Por isso está em qualquer parte ou em parte alguma; em qualquer século ou em século algum. É terrível assistir a reis caírem, ouvir os estrondos das guerras, países sendo divididos e muros desabando; enfim, assistir a todos os movimentos históricos sem poder afirmar sua existência; daí o sono no caixão.

          O famoso Conde é a simbologia do homem eterno, ele conquistou o que todo homem busca: o Santo Graal, o fim do arco-íris, o Édem, o creme rejuvenescedor, o corte do bisturi. Mas, por não ter direito a um amor na mesma condição, sofre e se perde em seu destino, abusa da Ciência, interfere na natureza, perde seus valores morais, tudo em função de ser imortal.

          A humanidade erra por rejeitar a felicidade transitória e o caminho que tem início e fim, por não aceitar a mandala da vida, nascer, viver, morrer, levando consigo tudo o quanto se deu de amor e engrandecimento, o que se aprendeu e repassou, o que plantou de bem, para, em seguida, fechar os olhos e partir satisfeito por ter a certeza que valeu à pena a participação neste imenso palco.

          Essa é a verdadeira imortalidade, ser feliz, única forma de agradecimento a Deus pelo presente que é viver.


Autor: MARCO ANTONIO SANTOS


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