ACEITAR, NÃO - TOLERAR, SIM



Por uma questão de defesa ou de vaidade particular, todo ser humano procura, hoje, uma convivência pacífica com o que se lhe apresenta diferente, principalmente quando essa diferença está dentro de sua família. O sentimento de ter produzido uma peça defeituosa na sua sessão faz com que a aceitação da mesma venha a diminuir a culpa e ampliar a auto-admiração. O cristianismo é o único responsável por essa dicotomia desencadeadora de frustrações e desvios da sinceridade que tornam o ser uma máquina débil e má. Nietzsche[1], talvez o seu mais ácido crítico, condenou veemente a ação enfraquecedora do alterego[2].

Há de se ter cuidado com todos os sentimentos valorizados pela cultura ocidental, como caridade, fraternidade, perdão, comunhão, compaixão. Muitos deles são formas de elevar o agente e seu apreço diante do olhar incisivo da comunidade. Nesse sentido, as diferenças provenientes de elementos naturais, como a etnia e a sexualidade, são tratadas como diferenças que devem ser percebidas como elementos inferiores na hierarquia de criação divina ou como vício, patologia ou extinto do homem em estado de impureza. As outras diferenças formadas pelos sistemas sociais e organizações políticas, como a religião, os conceitos ideológicos, partidos políticos, etc, podem ser perfeitamente argumentadas ou repelidas.

A sexualidade, de todas as diferenças, é a que suscita mais atenção e cuidado, já que perverte, questiona e revela segredos e envolve realização existencial. Sem a sexualidade ou sem a realização plena do ser nos seus desejos reais, não há prazer em ver, ter, vir e viver em sociedade, cujo apelo ao sexo, às emoções, ao corpo, ao prazer está presente em todos os veículos de comunicação e mecanismos de mercado. Mesmo assim, a sexualidade destoante do senso comum, ainda é ameaçadora, ainda é material de ataque dos homofóbicos, moralistas e objeto de exploração para discursos arbitrários e bem estruturados de promoção pessoal.

A homossexualidade[3] no interior de uma cultura permissivamente heterossexual, no caso do ocidente, é tratada sob duas formas. Em outras épocas o homossexual era suprimido, banido da coletividade como desvio da norma; atualmente, essa atitude não encontra respaldo legal e pouca aprovação social, dependendo da região, pois ainda há famílias em pleno século XXI que expulsam jovens da cidade por serem homossexuais ou simplesmente por ter uma condição sexual que fere os códigos de comportamento autorizado oficialmente, dentro da linha do erotismo e suas diversidade de manifestações.

Outra maneira, menos radical que a primeira, é tolerar a presença do homossexual. É mais nobre e enaltecedor conviver com a ferida exposta, procurando disseminá-la sem levantar desconfiança ou críticas. Talvez essa segunda alternativa seja mais hipócrita que a primeira, pois se encaixa exatamente na listagem dos sentimentos cristãos e disfarça a hipocrisia contida na palavra 'aceitar'. Nenhum homossexual é aceito pela sociedade, pela família, ele é tolerado. Nenhum grupo social ocidental e, por que não oriental em uma época da sedução materialista do capitalismo, aceita o que causa repulsa, quebra a previsão futura e destrói, segundo padrões sociais, o núcleo da família monogâmica e tradicional para fins de reprodução e publicidade política de ordem e progresso.

Muitas vezes, o homossexual se sente na obrigação de ser financeiramente bem sucedido não para ter sua realização como cidadão, mas para ser tolerado e inserido num certo grupo, principalmente familiar. Frases como "Ele é um grande médico, apesar de gay.", "Os melhores cabeleireiros são os gays.", "Que desperdício um rapaz tão bonito e viado.", "Prefiro ter um filho bicha a marginal." denunciam a tolerância fantasiada de aceitação, de democracia, de compaixão e elabora uma imagem de bondade e superioridade por quem diz aceitar o diferente. Outros homossexuais conformam-se em serem os exóticos, engraçados, divertidos para sentirem-se confiantes e existentes, importantes e imprescindíveis em uma festa, uma reunião.

O homossexual tem que nascer e viver provando todos os dias sua identidade e competência para ser cidadão. Como se não bastassem o desprezo natural e a humilhação constante pelo verbo ou pelos olhares, sua capacidade é testada, sua conduta é observada e até mesmo suas maldades como homem in natura, segundo Nietzsche, são generalizadas como distorção de caráter provocada pela condição sexual. Não é dado ao gay, à lésbica o direito de expressar seus desejos sórdidos como qualquer pessoa, pois serão faltas inaceitáveis para quem já é tolerado no meio social. O conceito judaico-cristão de bondade, elaborado estrategicamente pela Igreja Católica[4], não está prescrito para os homossexuais escolherem ou não sua conduta diante de situações diárias. Todo homossexual tem o dever de ser bom, feliz, confiável e bom filho; enquanto o heterossexual tem opção de agir e ser julgado dentro do contexto que lhe é apresentado. O grupo social perdoa ou condena o heterossexual, já o homossexual está predisposto a ser condenado. Não é raro ver em jornais os escândalos envolvendo celebridades em relações homossexuais, como se fosse um erro, uma falha em caso de tratar-se de pessoa pública. Quem quiser seguir a carreira política, ou abraça a causa da homossexualidade para fazer dela bandeira, ou evita qualquer tipo de relação com homossexuais para não suscitar denúncias e difamação. A presença do homossexual ou é questão de heroísmo ou perigo.

O homossexual, homens e mulheres, deve ser um cidadão sim, ser honesto sim, servir à coletividade como devem ser todos os seres humanos comprometidos com seu semelhante; mas não porque já traz em si uma chaga que o denuncia. Jamais os homossexuais serão aceitos no real poder semântico do termo, podem ser , sim, querendo ou não, tolerados. Se o gay ou a lésbica quiserem ter aceitação total, criem animais de estimação. E cuidado, pois eles mordem. Mais vale a frase: Você não precisa me aceitar, nem tampouco gostar de mim, mas tem que me respeitar. E ponto final.




[1] O Anticristo, publicado em 1895, denuncia a deturpação da imagem de Jesus Cristo pelo catolicismo e instaura uma nova visão das religiões orientais como uma extensão do ideal cristão alienante e castrador do homem em sua potência in natura.

[2] Entende-se o termo como sendo outro eu, outra persona, persona esta que se encontra na essência humana, na camada mais animal do homem, cujo poder de transformação da natureza seria o bem mais positivo que permite ao homem refletir e transformar os sistemas opressivos por ele mesmo formulado.

[3] O termo homoerotismo, abordado, principalmente por Jurandir Freire, pode ser mais eficaz para a discussão por considerar a variedade de manifestação da sexualidade. Entretanto, dá-se, aqui, preferência pelos termos homossexualidade e homossexualexatamente porque o objetivo do estudo é verificar os pré-juízos sociais especificamente sobre o desejo sexual.

[4] Deve refletir sobre os conceitos judaico-cristão e conceitos católicos. A herança do judaísmo é essencial para compreender a organização ideológica da Igreja Católica. Porém, foi particularmente nos séculos XIV, XV e XVI que a Igreja formulou mecanismos e estratégias fortemente estruturadas para disseminar, através da linguagem, imagens e códigos sociais, um 'estatuto' comportamental que fosse útil para recuperar a fé abalada pelo Luteranismo. Percebe-se que o Gótico, o Barroco e o Maneirismo foram estéticas semioticamente traçadas com tal fim. Enquanto a cultura judaica já traz explícito o seu 'estatuto' e o mecanismo é a repulsa, a Igreja Católica busca técnicas persuasivas presentes desde a sua arquitetura até seus discursos e manuais de vida espiritual. Ao analisar a influência da religião e seus livros sagrados nas expressões humanas, sejam quaisquer que forem, é coerente citar a Igreja Católica e não a cultura judaica-cristã.


Autor: MARCO ANTONIO SANTOS


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