O cidadão do presente



          Por muito tempo a pedagogia moderna repetiu com veemência que a função da educação, mais especificamente, da escola é formar o cidadão do futuro. Esse é o maior desafio para os profissionais envolvidos na educação, caso pensemos no futuro que se apresenta de forma tão desastrosa.

          Os telejornais ocupam nossos dias com notícias terríveis que põem em perigo a existência civilizada das sociedades modernas. No plano ecológico surgem ameaças do aquecimento global, derretimento dos blocos de gelo, catástrofes climáticas, extinção de espécies da flora e da fauna. Todos esses acidentes provocam conseqüências graves e diretas para a espécie humana, principalmente o surgimento de novos vírus e bactérias, aumento de doenças ligadas à poluição do ar e à variação do clima. No plano moral, vemos casos de pedofilia na Igreja, atos de terrorismo, corrupção no mais alto escalão da política mundial, avanço das drogas e surgimento de novas drogas sintéticas, violência, perda dos valores morais mais básicos para a convivência.

          Esse quadro que bombardeia nossas casas diariamente é primeiro degrau para vislumbrar o futuro para o qual a escola deve preparar seus alunos e, dentro dessa perspectiva fúnebre, o professor se sente, muitas vezes, incapacitado e com imenso peso nos ombros, porque nem ele sabe qual será o futuro da educação, da família, do planeta.

          As novas correntes pedagógicas, preocupadas com a acomodação das metodologias educacionais à era que prioriza a técnica, atribuem a responsabilidade do desajuste social dos jovens aos veículos de comunicação e à ausência dos pais no processo de educação dos filhos. Quanto aos abusos da comunicação, é fato. Responsabilizar os pais pela ausência pode ser um argumento coerente, já que realmente grande parte está ausente, mas é extremamente injusto, pois inclusive os pais estão sendo devorados pelo sistema que os obriga a afastar-se de suas funções educadoras para outras funções que garantem a sobrevivência da família. A classe média luta incessantemente para manter-se como classe média, para manter o que lhe foi prometido nos anos 90 – o boom do poder de consumo. Os pais trabalham em movimento acelerado para pagar uma boa educação, um bom convênio, lazer, boa alimentação, o curso de inglês dos filhos, uma academia, uma viagem nas férias, enfim, para pagar o preço que deve ser pago por adquirir elementos que os caracterizam como classe média.

          A classe média vive na intranqüilidade, abarrotada de impostos, com medo do futuro, sob ameaça de um sistema financeiro altamente variável. A qualquer hora, um pai, uma mãe pode perder o emprego de anos, pode fechar as portas de sua micro-empresa e ver os suas conquistas descerem pelo ralo. A crença de que se os pais tiverem uma boa posição social, seus filhos também terão por herança também decaiu. As mudanças políticas e sociais são instáveis e nada garante a transmissão por herança de bens materiais, bem como a manutenção dos mesmos. Os filhos, no geral, estão recebendo negócios de família desgastados e endividados, por sua vez, esses adolescentes, assaltados pelo imediatismo proporcionado pela mídia, não adquirem capacidade para restaurar negócios ou sequer para assumi-los. Logo, se a classe média está ausente na educação da prole, não é por desleixo, por egoísmo ou irresponsabilidade, mas sim por necessidade de manter o mesmo nível de qualidade de vida que mantinham .

          Com isso, a escola está assumindo tarefas antes exclusivas da família. E agora, cabe à escola não só a transmissão de informação, ou a formação do homem cordial, cidadão, mas inclusive cuidar da saúde física e mental de seus alunos. Nos últimos anos têm surgido síndromes e transtornos psíquicos do mais alto grau de desajuste, fazendo com que os profissionais da educação ampliem sua atuação e passem a ocupar funções de neurologistas, psicólogos, fonoaudiólogos, mentores espirituais,  e todas as funções que permeiam a formação física e psíquica do aluno. Nessa multiplicidade de competências, o professor deve estar preparado para lidar com essa realidade, abandonar, algumas vezes, o seu papel de detentor de um conhecimento empírico para resgatar o seu aluno que espera, ardentemente, uma palavra, uma frase, algum sinal de afeto. Sem ser radical, já sendo, o professor deve dar aos pais a segurança de ter seu filho amparado e a escola, por sua vez,  busca preparar e confiar estas tarefas aos seus profissionais.

          O desafio maior da educação, hoje, não é formar o cidadão do futuro, mas resgatar o cidadão do presente. Somente um professor comprometido com sua profissão é capaz desse resgate e não há outra maneira senão a observação afetiva do jovem em seus movimentos, suas atitudes que denunciem necessidades e  desabrochem talentos. O papel maior do profissional da educação, seja ele professor ou não, é devolver ao aluno a potência natural de todo ser humano, a capacidade de transformar sua realidade, de criar caminhos e de realizar-se dentro de sua tipologia de inteligência, pois todos somos seres inteligentes em áreas diversas.

          O comprometimento, entretanto, não está somente no lado cognitivo do processo de aprendizagem, mas também no compromisso com a sua atuação direta em sala-de-aula, nas avaliações realmente medidoras de conteúdos, na busca de motivação que envolva o ir e vir dos conceitos ora de forma criativa e lúdica, ora tradicional e comportamental, na verificação do grau de aprendizagem e formulação de ações concretas para suprirem defasagens nos pré-requisitos, na pontualidade e respeito à estrutura da instituição que  acolhe o profissional e, por isso, pode e deve avaliá-lo.

          Não é tarefa fácil ser professor, não é fácil cumprir todas essas funções em poucas horas de contato com seres tão diferentes e, muitas vezes,  inadequados àquilo que queremos para nossos filhos ou ao que fomos quando estudantes. Mas se essas responsabilidades confiadas pelos pais cabem à escola, então não há o que pensar. A escola do futuro fará a diferença quando perceber que o cidadão do futuro deve ser visto como um ser do presente em toda a sua complexidade existencial e, se o professor não está aberto à tolerância, à  flexibilidade, ele não está apto a abraçar essa profissão. 

          O professor é a melhor, a mais séria e importante profissão do mundo. Se o professor não puder fazer pelos alunos, quem mais poderá?


Autor: MARCO ANTONIO SANTOS


Artigos Relacionados


O Processo Da Independência Do Brasil

Sonhar é Viver

Mostre Quem é Você

O Xiita E Sua Prece

Quem Sabe ??!!....

Segunda Conjugação

Embaixo Do Calçadão...