QUEM NÃO CHORA NÃO MAMA





Este jargão que já passou a ser comum em nossa língua portuguesa com certeza tem, como muitos outros, as suas origens no meio rural. Quem trabalha com pecuária bovina, ao apartar a bezerrada no curral, percebe que mesmo de bucho cheio o bezerro berra pelas tetas de sua mãe (aliás mesmo com a boca cheia de leite ele continua a berrar), eis aí a origem dessa máxima.

 

O amigo leitor pode estar achando estranho o título deste nosso artigo, que utilizamos para chamar atenção de um tema muito importante e de interesse de todos, de todos mesmo, de interesse transnacional da raça humana. Eu gostaria de fazer algumas observações sobre uma polêmica que tem que ser chamada a uma reflexão pelo fato de estarmos nos aproximando da 15ª. Conferência das Partes sobre o Clima (COP-15) que será realizada em dezembro próximo, em Copenhague, na Dinamarca cujo o governo brasileiro até a presente data, ainda não arquitetou sua proposta de redução de gases que geram o efeito estufa para ser apresentada.

 

Em estudos que venho realizando há dois anos sobre o conflito entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental, cheguei a algumas conclusões (muitas já conhecidas, mas apenas estudadas dentro de ciências em apartado) que gostaria de expor, para que juntos, possamos chegar a um consenso.

 

A atividade agropecuária (agricultura e pecuária) é sem dúvida a que mais ocasiona impactos no meio ambiente, o que seria um contra-senso admitir o contrário até porque a base de toda a matéria prima, não só do setor em destaque, provém diretamente dos recursos naturais ou está intimamente ligada a eles. Em contra partida, diferentemente do setor industrial de transformação (com exceção das agroindústrias), o segmento agropecuário talvez seja o único que no bojo de suas diversas áreas podem transformar a proteção ambiental em lucro líquido, ou seja, a oneração dos custos para preservação ambiental pode ser transformada em um aumento real da lucratividade, se levar-mos em conta a relação custo/benefício para sua implantação.

 

Existem técnicas antigas e eficazes que em função da resistência do setor não são aplicadas. Criou-se um estereotipo de produção com base em conceitos arcaicos que surgiram historicamente com a Revolução Industrial, e que por uma questão cultural persistem em pleno século XXI. A monocultura, a criação de rebanho bovino ‘na larga’(sistema totalmente extensivo), queimadas, e outras práticas produtivas são alguns exemplos dessa teimosia devassa.

 

A situação poderia ser amenizada, se o setor agropecuário se modernizar-se, se fosse menos resistente a técnicas de produção racionais como o plantio direto, a diversificação de culturas, o sistema rotativo de pastagem, a implantação de biodigestores entre muitas outras, com resultados positivos não só para o produtor como também para o meio ambiente.

 

Em um curso em que tive a oportunidade de participar, nos idos da década de 80, na Esalq - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, no interior paulista, lembro-me bem do que discorreu um cientista da área de economia rural: “enquanto o produtor rural não passar a encarar a sua atividade como ‘empresa’ não há que se falar em mudanças significativas no setor...”. Após vinte anos, nos quais alguns tive a oportunidade de trabalhar diretamente como técnico na área, e sentir na pele a resistência do setor em se modernizar (atuei na área tecnológica de melhoramento genético), percebe-se que pouco se mudou até então. A persistência de técnicas de uso inadequado do solo e a resistência à mudança de paradigmas, grande parte em função cultural, ainda são persistentes.

 

Certo é que o produtor rural não pode carregar em suas costas toda essa responsabilidade, o governo é tão mais culpado do que ele, aliás, bem mais. O setor rural, desde o período do início de sua industrialização no Brasil passou a ser negligenciado e marginalizado, servindo apenas para manter superávit na balança comercial (lembrando que a atividade agropecuária vem sendo a âncora para a estabilização de nossa economia desde o governo de FHC). Enquanto países desenvolvidos têm garantias mínimas de preço, política de subsídios, e outros mecanismos, o cinismo do governo federal com a máxima do livre mercado vem ‘ferrando’, safra após safra, aquele que se recusou a ir para cidade servir de fermento nos bolsões de miséria.

 

            O Brasil, até hoje não conseguiu estabelecer a reforma agrária em nosso país, e quero fazer uma observação para não suscitar críticas equivocadas sobre este tema. Reforma agrária, a verdadeira, não é invadir propriedade privada, é antes de dar a terra, dar condições dignas do homem se fixar no campo, pelo menos com uma estrutura mínima de educação para os filhos, saúde, estradas pavimentadas para escoação da produção, energia elétrica, e outros direitos, que constitucionalmente, todos, sem acepção de atividade profissional têm direito (o que pelo visto só é oferecido ao homem urbano talvez por que o número de eleitores na camada mais pobre da população é a sustentação de nossos políticos).

 

Recentemente a bola da vez é a discussão sobre uma reforma do Código Florestal, e a CMADS – Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados acabou por adiar por mais uma vez (previsão para ir a pauta daqui duas semanas) a votação de Lei Complementar (6424/05) para esse feito. Dos 36 assentos nesta comissão cerca de 13 são da chamada bancada ruralista, e embora com muito contragosto de alguns ‘ecoloucos’, creio que é de suma importância a representação do setor agropecuário na comissão, até porque são os que talvez tenham o maior interesse no assunto, eles precisam do meio ambiente para manter seus negócios. O importantante é lembrar aos ruralistas de que “quem não chora, não mama”, ou seja, a classe tem que lutar para que o governo dê insentivos reais para uma mudança na atividade agropastoril, tornando-a mais ecológica.

 

Com relação às áreas de preservação nas propriedades, o governo tem que lutar na próxima COP -15, para recursos financeiros para pagar a preservação das referidas áreas, como por exemplo, uma revisão no princípio da adicionalidade para aprovação de projetos de crédito de carbono, pois é um contra-senso pagar créditos de carbono em áreas plantadas com variedades exóticas que acabarão por comprometer o meio ambiente se esquecendo daquelas nativas já existentes. Porque não pagar para preservar? Afinal de contas o setor agropecuário paga impostos sobre estas áreas, e isso tem custo para o produtor...

 

Creio que a bancada ruralista pode e deve se aproveitar mais da questão ambiental de forma inteligente, ou seja, visando lucros, isso é ‘tocar’ sua atividade não como uma fazenda, mas sim como uma empresa, por sinal de extrema importância para economia nacional.

 

 

* Heráclito Ney Suiter é Bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Ambiental, Auditor Ambiental Internacional com certificado expedido para atuação junto ao IEMA – UK, Técnico em Agropecuária e pequeno produtor rural no Tocantins

Autor: HERÁCLITO NEY SUITER


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