O Princípio da Insignificância aplicado ao crime do artigo 55 da Lei de Crimes Ambientais – Lei 9.605/98



Uma das características do dano ambiental refere-se a seu valor. Isto é, ele pode ser gravíssimo ou quase insignificante, a depender de sua extensão.

Sendo de pouca gravidade, o dano deixa de ter interesse para o Direito Penal[1]. É aí que nos deparamos com o agora famoso princípio da insignificância (ou bagatela). A esse respeito, é primordial trazer à baila a consideração conceitual do saudoso jurista e professor Carlos Vico Mañas[2], precursor desse instituto no Direito Penal pátrio:

"o princípio da insignificância pode ser definido como instrumento de interpretação restritiva, fundado na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma socialmente relevante os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal."

Citando Fernando de Almeida Pedroso, Édis Milaré[3] nos traz uma explicação mais simples sobre esse princípio:

"muitas vezes, condutas que coincidem com o tipo, do ponto vista formal, não apresentam a menor relevância material. São condutas de pouco ou escasso resultado lesivo, de forma que, nesses casos, tem aplicação o princípio da insignificância, pelo qual se permite excluir, de pronto, a tipicidade formal, porque, na realidade, o bem jurídico não chegou a ser agravado e, portanto, não há injusto a ser considerado".

No caso do Direito Ambiental Penal, é possível afirmar que este princípio tem plena aplicabilidade no que tange ao crime do artigo 55 da Lei de Crimes Ambientais[4].

Nesse passo, um fácil exemplo que contempla a aplicação do princípio da insignificância para a modalidade criminosa em discussão é o caso de um cidadão que, no leito de um determinado rio, extrai um volume de areia equivalente a dois carrinhos de mão, destinado a uma pequena edificação em sua propriedade, que fica próxima do local.

Nota-se que a conduta se amolda perfeitamente ao tipo penal do artigo 55, ou seja, existiu a lesão ao bem juridicamente tutelado, porém a agressão foi tão ínfima que incidência do Direito Penal afigura-se extremamente desnecessária.

Gilberto Passos de Freitas[5] alerta, porém, que "o princípio da insignificância deverá ser reservado para hipóteses excepcionais, principalmente pelo fato de que as penas previstas na Lei 9.605 são leves e admitem transação ou suspensão do processo (Lei 9.099/95, arts. 76 e 89)", como é o caso do delito em comento.

É sob esse prisma que a jurisprudência começa a se render à aplicação desse importante princípio, no que tange ao crime em debate, conforme o ementário que abaixo segue:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. EXTRAÇÃO DE AREIA SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA. BEM JURÍDICO TUTELADO. PATRIMÔNIO DA UNIÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. O princípio da insignificância é aplicável aos crimes contra o patrimônio nos casos em que a conduta delituosa gera uma lesão de pouca monta ao bem jurídico, em face da natureza fragmentária do Direito Penal. (TRF4, ACR 2006.71.00.035732-2, Oitava Turma, Relator Luiz Fernando Wowk Penteado, D.E. 14/01/2009). www.trf4.jus.br

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL (ART. 55, LEI Nº 9.605/98). RETIRADA ILEGAL DE AREIA DE DUNAS. QUANTIDADE IRRISÓRIA. ÁREA JÁ DEGRADADA. DANO JÁ REVERTIDO PELA AÇÃO NATURAL DO VENTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. APELO PROVIDO. 1. Trata-se de Apelação Criminal, interposta contra a sentença de fls. 150-156, prolatada pelo MM. Juiz Federal da 11ª Vara-CE, Dr. DaniloFontenelle Sampaio, que julgou procedente a denúncia e condenou nas penas do art. 55 da Lei nº 9.605/98 e art. 2º, §1º, da Lei nº 8.176/91 (retirada ilegal de areia de dunas), c/c art. 70 do Código Penal (concurso formal) o acusado, fixando a pena-base em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção, cumulada com 30 (trinta) dias-multa, atribuindo a cada dia-multa o valor de 1/30 (um trigésimo) incidente sobre o valor do salário mínimo vigente ao tempo do fato em questão, a ser cumprida inicialmente em regime aberto. Esta pena foi substituída por duas restritivas de direito. 2. Adoção do princípio da insignificância ao caso concreto. Realmente, a retirada de apenas 1 (uma) carrada de areia de dunas de área já degradada ambientalmente por pessoa desempregada, para fins de sustento de sua família, não afeta significativamente o meio ambiente de sorte a ensejar a condenação do réu. Ainda que sua pena aflitiva tenha sido substituída por duas penas restritivas de direito, verifica-se uma flagrante desproporção entre o bem jurídico violado - a retirada de 1 carrada de areia de dunas - e a punição infligida ao agente, que no final das contas praticou a conduta premido por urgentes necessidades financeiras: o sustento da mulher e dos três filhos. 3. Os pressupostos contidos na jurisprudência sobre a impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância em matéria de crime ambiental "são no sentido de se querer evitar que a impunibilidade leve à proliferação de condutas a ele danosas, ou diante da possibilidade de irreversibilidade do dano, ou, ainda, porque os danos causados ao meio ambiente podem ser irreparáveis", observando-se, todavia, que nenhum destes pressupostos se faz presente no caso sub examine, posto que a reparação da área degradada já se fez naturalmente, por intermédio da ação natural do vento, com a integral reversão do dano. 4. Apelação Criminal conhecida e provida.(TRF5, ACR 200181000039354, Desembargador Federal Ubaldo Ataíde Cavalcante, 1ª T, 21.12.2008). www.trf5.jus.br

APELAÇÃO CRIMINAL. DELITOS PREVISTOS NOS ARTIGOS 2º DA LEI 8.176/91 E 55 DA LEI Nº 9.605/98. CONCURSO FORMAL. DIVERSIDADE DE OBJETOS. PATRIMÔNIO PÚBLICO E MEIO AMBIENTE. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PEQUENA EXTENSÃO DO PREJUÍZO PROVOCADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. 1. Tratando especificamente da proteção ambiental, é possível a aplicação do princípio da insignificância diante do assim compreendido caráter instrumental do Direito Penal, sopesando-se, ainda, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 2. No entanto, para que a alegada lesão possa ser considerada insignificante, não basta que a pouca valia esteja no juízo subjetivo do julgador. É preciso que fique demonstrada no caso concreto. 3. Nessa linha, interesses em princípio colidentes (restrição de direitos fundamentais em prol da conservação da natureza) apresentam-se, ao mesmo tempo, mutuamente dependentes, não se olvidando que a proteção constitucional do meio ambiente é realizada em prol da manutenção não só das futuras gerações, mas da vida humana presente (art. 225, caput, CF/88). 4. Sob esse enfoque, o acolhimento da referida excludente atende aos parâmetros de razoabilidade exigíveis no caso concreto, sem atentar contra o caráter preventivo ínsito à proteção ambiental. (TRF4, ACR 2006.71.00.001035-8, Sétima Turma, Relator Tadaaqui Hirose, D.E. 05/12/2007) www.trf4.jus.br

Há que se ressaltar que tal posicionamento não é absoluto, uma vez que há quem sustente ser inadmissível a aplicação do instituto aos delitos ambientais. Vejamos:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. DANO AMBIENTAL. USURPAÇÃO DE PATRIMÔNIO PÚBLICO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ELEMENTOS SUFICIENTES PARA A CONFIGURAÇÃO DOS DELITOS. 1. Não incide o princípio da insignificância em delitos penais ambientais (EIACR nº 2002.72.04.002336-1, Quarta Seção, Rel. Des. Fed. PAULO AFONSO BRUM VAZ, D.E. 04/05/2007). 2. Autoria, materialidade e dolo que exsurgem manifestos da prova testemunhal e documental constante nos autos (depoimento testemunhal uníssono, contradições do acusado, inverosimilhança das alegações excusativas). (TRF4, ACR 2006.71.10.000533-6, Sétima Turma, Relator Amaury Chaves de Athayde, D.E. 05/11/2008) www.trf4.jus.br

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FLORESTA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. EXTRAÇÃO MINERAL. CRIME AMBIENTAL E DE USURPAÇÃO DE BEM DA UNIÃO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INOCORRÊNCIA. DOLO. CULPABILIDADE. ILICITUDE. CONSTATAÇÃO. 1. Incorre, em concurso formal, nos delitos capitulados nos artigos 2º da Lei nº 8.176/91 e 44 da Lei nº 9.605/98 aquele que procede à extração de minérios desacompanhada de autorização, permissão ou concessão dos órgãos competentes em área de floresta de preservação permanente. Inocorrência de conflito aparente de normas. 2. O princípio da insignificância não encontra fértil seara em matéria ambiental, porquanto o bem jurídico ostenta titularidade difusa e o dano, cuja relevância não pode ser mensurada, lesiona o ecossistema, pertencente à coletividade. 3. Extração de mineral que se protrai no tempo não espelha mera atividade necessária à subsistência, o que afasta a excludente de ilicitude. Persistente a conduta criminosa, nada obstante anterior fiscalização do órgão ambiental, tem-se caracterizados o dolo e a culpa, assim como incontroversa a consciência da ilicitude. 4. Apelo improvido, decreto condenatório mantido. (TRF4, ACR 2005.71.00.042656-0, Oitava Turma, Relator Artur César de Souza, D.E. 27/08/2008) www.trf4.jus.br

Contudo, cremos não seja este o entendimento (inaplicabilidade do instituto) que deverá predominar na jurisprudência, mormente porque, como já ressalvado acima, o reconhecimento do princípio da insignificância em delitos ambientais exige uma criteriosa avaliação do julgador quando este se depara com o caso em concreto, em virtude da pena menos gravosa ao criminoso se comparada a outros delitos comuns. O Superior Tribunal de Justiça, embora não tenha analisado a hipótese de aplicação do princípio ao crime em comento, já se pronunciou pelo seu reconhecimento em outros delitos ambientais (HC 93859/SP, rel. min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 31/08/2009 e HC 86913/PR, rel. min. Arnaldo Esteves de Lima, 5ª Turma, DJe 04/08/2008) diante da inexpressiva lesão ao bem juridicamente tutelado.

 

Conclui-se que o princípio da insignificância deve ser plenamente aplicado ao crime do artigo 55 da Lei 9.605, sobretudo tendo-se em vista que o Direito Penal é a última ratio (princípio da intervenção mínima e fragmentariedade) e que dos fatos mínimos não deve cuidar o juiz (minima non curat praetor).




Autor: FILIPE DE FREITAS RAMOS PIRES


Artigos Relacionados


Eu Jamais Entenderei

Tudo Qua Há De Bom Nessa Vida...

Dor!

Direito Ambiental - Meio Ambiente

Levanta-te

Minha Mãe Como Te Amo

Blindness