PSICOMOTRICIDADE E ALFABETIZAÇÃO: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL NO COTIDIANO ESCOLAR



RESUMO Este trabalho apresenta elementos sobre as diferentes linguagens corporais apresentando o corpo, o movimento e o letramento como objetos fundamentais de construção do conhecimento, buscando formar um elo entre alfabetização e o desenvolvimento da psicomotricidade. Tendo como objetivo norteador analisar o desenvolvimento psicomotor e a sua influência e contribuições para a formação do educando, priorizando aspectos corporais como processo de descoberta a fim de instigar para a tentativa de desenvolver um processo de alfabetização mais lúdico, prazeroso e significativo. A metodologia estava voltada, inicialmente, para observação em duas classes em que estava sendo desenvolvido o processo de alfabetização, para observar aspectos que encaminhaste futuros métodos. Utilizando alguns pontos específicos da observação passei para a entrevista com os docentes buscando entender o que pensavam a respeito do tema e como a partir deste, costumavam planejar e valorizar suas práticas. Posteriormente, pesquisei atividades que estivessem de acordo com o assunto para depois então, aplicá-las com as turmas. Considerando que tais atividades aplicadas estavam relacionadas ao entendimento que tinha sobre psicomotricidade, pois estas atividades corporais permitiram entender melhor a relação da criança com o mundo e com as práticas alfabetizadoras. Um fator importante a destacar é a percepção do comportamento apresentado pelas turmas ao realizar as atividades, embora agitadas, todas envolvidas, alegres e interagindo com prazer e praticidade. Concluí que devemos possibilitar um ensino baseado no desenvolvimento de funções intelectuais vinculado à produção do autoconhecimento e de competências pessoais e interpessoais facilitadora de uma regulação emocional que contribua para o desenvolvimento da aprendizagem e psicomotricidade. Portanto, é necessário constituir um ambiente no qual a psicomotricidade não seja coibida, mas sim estimulada, difundida e ampliada. Palavras-chave: Alfabetização. Psicomotricidade. Letramento. Corpo.


Introdução

 

Este trabalho visa mostrar a importância do desenvolvimento psicomotor da criança com relação ao processo de alfabetização. Utilizar as diferentes linguagens corporais, as suas influências e contribuições para a formação do educando priorizando estas, como processo de descoberta a fim de tornar a alfabetização mais lúdica, prazerosa e significativa.

Observando que algumas crianças apresentam dificuldades para serem alfabetizadas, surgiu à vontade de criar um projeto em que a psicomotricidade seja explorada para desenvolver um processo de apreensão do conhecimento dado pela experimentação, por meio desta amplia-se a possibilidade de auto-descoberta, favorecendo assim, a base para uma maior aprendizagem. Percebi então que a questão não estava diretamente focado nas crianças, e sim, nos professores que talvez, até por não conhecerem a importância de tal processo, não trabalham a questão corporal com os alunos. Por isso tenho o propósito de observar também, o trabalho das professoras e de como elas percebem a psicomotricidade na classe de alfabetização. É importante ressaltar que essa observação ao trabalho das professoras não terá o intuito de criticá-las, mas sim o de verificar como os professores desta área vêm desenvolvendo este assunto na expectativa que esse trabalho venha a contribuir na realização de novas práticas.

Este tema, portanto, apresenta um importante desafio para um exercício reflexivo para prática educativa. Através deste, estamos tendo a possibilidade de desfrutar de uma maior abertura dentro da universidade para produzir um diálogo crítico sobre a questão mais específica da classe de alfabetização e do enfrentamento a necessidade de novas frentes de pesquisa e de discussão educacional.

Parti então para a pesquisa sistematizando teoria e prática constituídas na classe de alfabetização, enfatizando contribuições de alguns teóricos para que assim, tentaste resgatar o corpo como instrumento principal da alfabetização. Meu principal objetivo era analisar o desenvolvimento psicomotor e a sua influência e contribuição para a formação do processo de alfabetização. Dado esse objetivo, dividi nossa linha de raciocínio em três momentos: a observação da turma, a entrevista com as professoras e por último a prática com as turmas. Para que assim tivesse possibilidades de traçar um paralelo verídico entre o discurso e a prática. Antes de relatar as práticas realizadas irei conceituar e explicar os termos os quais me referi anteriormente.

 

Teorizando...

 

O desenvolvimento do corpo possui papel fundamental no processo educacional, não somente para o processo de alfabetização como nos referimos, mas contempla as diferentes áreas da educação. Há alguns profissionais da educação que dizem não acreditar que o corpo e o movimento interfiram em processos de aprendizagem, outros dizem ser fundamental este desenvolvimento paralelo. Mas, mesmo possuindo opiniões diversificadas, percebemos que as escolas ainda priorizam as “posturas estáticas” (HAETINGER, 2005, p.108). Percebemos isso com a disposição do espaço na sala de aula e o método como as aulas são ministradas. O corpo e o movimento possuem um papel fundamental no desenvolvimento integral do sujeito, mas, como refere-se Haetinger, as visões educacionais caminham em outra direção.

Sabemos que o desenvolvimento corporal e motor são muito importantes para a aprendizagem. No entanto, as ações educativas geralmente apontam outra direção. A escola tem tratado o corpo como uma mala que carrega o cérebro (algo fundamental a educação racional), e o movimento como um simples acessório. (HAETINGER, 2005, p.108.). 

   Quando as crianças estão na Educação Infantil, o movimento corporal está sempre presente nas ações educacionais. As crianças se movimentam desde que nascem adquirindo cada vez maior controle sobre seu próprio corpo e se apropriando cada vez mais das possibilidades de interação com o mundo. O movimento é uma dimensão do desenvolvimento e da cultura humana, ao movimentarem-se as crianças expressam sentimentos, emoções, pensamentos, ampliando as possibilidades do uso significativo de gestos e posturas corporais. O movimento humano, portanto, é mais do que simples deslocamento do corpo no espaço: constitui-se em uma linguagem que permite às crianças agirem sobre o meio físico e atuarem sobre o ambiente humano, mobilizando as pessoas por meio de seu teor expressivo.

No Ensino Fundamental as atividades corporais vão perdendo espaço com o passar dos anos. Ao ingressarem no primeiro ano as crianças já começam a viver em um novo ambiente: cadernos, cópias do quadro-negro, enfim, rotinas e responsabilidades que não faziam parte de seu cotidiano escolar. Começa agora uma longa jornada em busca do desenvolvimento do processo de alfabetização, mas, cabe ao professor tornar este processo significativo e proveitoso.

Alfabetização no sentido restrito da palavra é a aprendizagem inicial da leitura e da escrita, é a ação de ensinar ou o resultado de aprender o código alfabético, relação entre letras e sons. Freire proporcionou um dos poucos modelos práticos emancipadores sobre o qual se pode desenvolver uma filosofia radical da alfabetização e da pedagogia. Para Freire a alfabetização é: “uma relação dialética dos seres humanos com o mundo, por um lado, e com a linguagem e com a ação transformadora, por outro” (FREIRE, 1921, p.07).

Partindo dessa perspectiva a alfabetização não é vista como meramente uma habilidade técnica a ser adquirida, mas sim, um fundamento necessário a ação cultural para a liberdade. Ainda na visão Freiriana podemos perceber a alfabetização como um projeto político no qual homens e mulheres afirmam seu direito e sua responsabilidade não apenas de ler, compreender e transformar suas experiências pessoais, mas também de reconstituir sua relação com a sociedade mais ampla.

A alfabetização então é vista como algo assustador e difícil por professores. Do ponto de vista de quem alfabetiza, as teorias e os métodos de alfabetização ensinados nos cursos normais e nas faculdades nem sempre respondem as questões cruciais da prática. Por isso, devemos transformar a alfabetização em algo prazeroso e estimulante e não reproduzi-la como método, acarretando às vezes, fracassos e sofrimentos. Por esse motivo encontramos uma nova perspectiva que engloba a alfabetização e o desenvolvimento do sujeito, o letramento.

O letramento e a alfabetização são termos usados pelos professores unidos como se fossem conceitos únicos. Segundo Soares “no Brasil, os conceitos de alfabetização e letramento se mesclam, se pressupõe e freqüentemente se confundem”. (SOARES, 2003, p.05).

Isso não é bom, pois os processos de alfabetizar e letrar são, embora interligados, específicos. Alfabetizar é ensinar o código alfabético, como já citado a cima, e letrar é familiarizar o sujeito com os diversos usos sociais da leitura e da escrita. Soares tacou a história da palavra letramento, originada do termo inglês “literacy”, e introduzida na nossa língua em meados da década de 80. Assim Soares (SOARES, 1998, p.18) definiu letramento: “[...] o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: a estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita”.

Compreendida a partir de seu significado social e político, a aquisição lingüística ganha um outro status no discurso pedagógico porque o desafio que hoje se coloca à construção da sociedade democrática ultrapassa a dimensão técnica do ensinar as letras, as sílabas e as palavras. Quando grande parte da população fica à margem do mundo letrado e os homens são impedidos de se constituírem enquanto sujeitos, há que se (re) considerar a exclusão social, um processo nem sempre evidentes pela sutileza de seus mecanismos constituídos dentro e fora da escola. Então letrar é trazer aos sujeitos conseqüências sociais e políticas, fazendo com que está se torne parte de suas vidas como meio de expressão e comunicação. Para Carvalho ser letrado é: “[...] alguém que se apropriou suficientemente da escrita e da leitura a ponto de usá-las com desenvoltura, com propriedade para dar conta de suas atribuições sociais e profissionais” (CARVALHO, 2005, p.66). 

As dificuldades das crianças no início do processo de aprendizagem de linguagem escrita podem ser bastante grandes, ainda que apresente um perfil normal de desenvolvimento. Um dos fatores da dificuldade não se relaciona somente com o fato das crianças desconhecerem para que serve a língua, como ela funciona, mas também, pelo fato de não possuírem habilidades psicomotoras bem desenvolvidas.

A psicomotricidade então, é a ciência que tem como objeto o homem através do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo interno e externo, estuda o desenvolvimento das habilidades motoras e psicológicas. Antigamente não havia estudos direcionados a essa área, por isso a análise e o estudo com relação ao movimento humano eram direcionados ao âmbito físico e motores, a partir da década de 60 este assunto começou a ser pesquisado no meio acadêmico. Sendo assim o desenvolvimento motor e corporal passaram a ser estudos como parte do desenvolvimento global da criança, dando à psicomotricidade o papel de integrar ao corpo e movimento aspectos psíquicos e sociais, visando o desenvolvimento integral do individuo.    

Psicomotricidade, portanto, é um termo empregado para uma concepção de movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo sujeito cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e sua socialização. A educação psicomotora é uma educação global que, associando os potenciais intelectuais, afetivos, sociais e motores da criança, dá-lhe segurança, equilíbrio e permite o seu desenvolvimento, organizando as suas relações com os diferentes meios nos quais deve evoluir. 

O trabalho com a psicomotricidade contempla a multiplicidade de funções e manifestações do ato motor, propiciando um amplo desenvolvimento de aspectos específicos da motricidade e movimento das crianças, abrangendo uma reflexão acerca das posturas corporais implicadas nas atividades cotidianas, bem como atividades voltadas para a alfabetização dos educandos. Em seu trabalho Gomes (1998) apresenta muitas questões sobre as causas da dificuldade na aprendizagem de alguns alunos, sendo muitas vezes, essas decorrem de dificuldades relacionadas ao desenvolvimento cognitivo e psicomotor.  Devemos utilizar a psicomotricidade como trabalho pedagógico enfocando o desenvolvimento psicomotor da criança, e sua relação com a alfabetização para que assim se diminua a dificuldade de aprendizagem.

Após termos claros esses conceitos, os quais serviriam de base para entendermos algumas situações vividas no cotidiano escolar, partimos então para a sistematização das práticas a serem realizadas. Escolhemos duas professoras da classe de alfabetização de uma escola da rede particular onde esta diz que as séries realizam trabalho globalizado. Aqui iremos nos referir as professoras como sendo professora A e B, relataremos os fatos de uma por vez. Realizamos três atividades corporais com cada turma, estas foram: mexendo o corpo; cruzando setas e; imitando os animaizinhos.

Ao observarmos uma aula da professora A conseguimos detectar que o tamanho da aula era grande, porém não muito explorado, as mesas eram unitárias e as vezes ficavam juntas. Esta, não possui muito estímulo visual, as professora não costuma fazer atividades direcionadas, percebe-se então uma grande agitação nas crianças. Não se prendem em atividades por muito tempo e esbarram bastante nos objetos da sala. Existe uma rotina fixa, mesmo os alunos não apresentando interesse nestas atividades.

Com relação à alfabetização, observamos que, neste dia não foi trabalhada não sendo possível a identificação do método utilizado, as atividades desenvolvidas, nortearam o âmbito tradicional, tais como: folhinha, caderno, picar e colar papéis, sem a interação da professora para que existisse uma interdisciplinaridade e sem preocupação da mesma com aspectos corporais.

Ao entrevistarmos-a podemos adquirir mais certeza sob os itens detectados na observação. As crianças não possuem aulas de educação física direcionadas, sempre brincam livremente. Concebe a psicomotricidade como algo essencial para as crianças chegarem na primeira série com maturidade, trabalha esta dissociada do contexto da aula e com atividades repetitivas. A alfabetização é algo que não valoriza muito, pois acredita ser compromisso da primeira série, exaltando em suas aulas hábitos e atitudes como ponto chave.

Ao observarmos a aula da professora B, podemos perceber que a alfabetização é relacionada à movimento e os métodos utilizados são: fônico, construtivismo e  o misto. Esta parte da realidade dos alunos e do interesse deles, a rotina é discutida e decidida pelos alunos e professora. A sala não é muito grande, mas com bastante estímulos visuais, as classes são para quatro alunos o que possibilita a interação e globalização de idéias. Percebemos a professora como eixo norteador da aprendizagem, pois participa das atividades.

Eles têm aula de educação física direcionada e três vezes na semana e são globalizadas ao assunto do dia, os alunos possuem momentos de brincadeira livre. O corpo é trabalhado também no ambiente da sala de aula, a professora percebe este como base do desenvolvimento geral do sujeito para adquirir habilidades de outras áreas. Percebe o processo de alfabetização e psicomotricidade são unidos, pois um depende do outro para acontecer, alfabetiza letrando e valorizando a bagagem cultural de cada sujeito.

Ao realizarmos as atividades percebemos que os estímulos psicomotores são realizados com freqüência pela professora B e em raros momentos pela outra professora. Com isso percebemos que apreciar e educar os sentidos ao avaliar uma criança é ampliação necessária à livre-expressão, de maneira a possibilitar o desenvolvimento. Através da apreciação e decodificação de trabalhos criativos, desenvolvemos fluência, flexibilidade, elaboração, alfabetização, letramento e originalidade que são processos básicos da psicomotricidade.

 

Considerações Finais

 

Consideramos que as atividades elaboradas por nós vêm de encontro do que entendemos por psicomotricidade, pois as mesmas possibilitaram, através de atividades corporais, a relação da criança com seu mundo interno e externo.  Um fator muito importante a destacar é que foi possível perceber a diferença comportamental apresentada pela turma durante a realização deste trabalho em relação a atividades realizadas anteriormente, abordando outros aspectos. As crianças apesar de demonstrarem um pouco mais de agitação, nos pareceram mais alegres e envolvidas com as atividades.

Precisamos substituir um ensino baseado quase exclusivamente no desenvolvimento de funções intelectuais, por um ensino que visa o desenvolvimento do autoconhecimento e de competências pessoais e interpessoais facilitadoras de uma (auto) regulação emocional que contribua para o desenvolvimento da psicomotricidade. Portanto, sempre será necessário constituir um ambiente no qual a psicomotricidade não seja coibida, mas sim estimulada, difundida e ampliada.  

Esperamos que esta reflexão sobre a psicomotricidade auxilie e seja vista com seriedade pela família, escola e demais organizações, e que as mesmas propiciem ambientes adequados para se colocar em prática estratégias para o desenvolvimento deste potencial, por meio de ações pedagógicas, do trabalho docente e de métodos de ensino inovadores.

 

REFERÊNCIAS

ARROYO, Miguel G. Ofício de Mestre: Imagens e auto-imagens.3ª ed. Petrópolis, RJ, Ed.Vozes,2000.

CARVALHO, Marlene. Alfabetizar e Letrar. Ed. Vozes. São Paulo. 2005.

CARVALHO, M.P. No coração da Sala de Aula: gênero e trabalho docente nas séries iniciais. São Paulo: Xamã, 1999.

COSTALLAT, Dalila Molina de. Psicomotricidade: A coordenação visomotora e dinâmica manual da criança infradora, método de avaliação e exercitação básica. Trad. De Maria Aparecida Pabst. Porto Alegre, Globo, 1973.

COSTE, Jean-Claude. A psicomotricidade. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1978.

FREIRE, Paulo e MACEDO, Donaldo. Alfabetização: Leitura do Mundo e Leitura da Palavra. Ed. Paz e Terra. São Paulo; 1921.

FRIEDMANN, Adriana. Brincar, escrever e aprender: o resgate do jogo infantil. São Paulo. Ed. Moderna, 1996.

HAETINGER, Max G. O universo criativo da criança.  Ed. Criar; 3ª edição;2005

GOMES, J.D.G.Construção de Coordenadas Espaciais, Psicomotricidade e Desempenho Escolar.Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. 1998.

OLIVEIRA, G. Psicomotricidade: Um Estudo em Escolares com Dificuldade em Leitura e Escrita. FE- Unicamp. Tese De Doutorado; 1992.

NASCIMENTO, Lúcia S e MACHADO, M. Therezinha C. Psicomotricidade e Aprendizagem; 2º Ed. Rio de Janeiro: Enelivros; 1986.


Autor: Eliane Elesbão


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