O CIBERESPAÇO CONECTANDO O “MUNDO DA LUA” DO AUTISTA



O autismo possui características próprias e altamente individualizadas, apresentando dificuldades na linguagem e na comunicação, com déficit de interação e distúrbios comportamentais. A escola está estruturada em um ambiente social de interação e diálogos e convive com a diversidade, formas alternativas de aprendizagem e inclusão digital. As teorias de aprendizagem apontam para a comunicação e interatividade como fatores indispensáveis no processo do ensinar, refletir e aprender. O presente trabalho apresenta reflexões e experimentos pedagógicos com tecnologias, softwares assistivos e aprendizagem do aluno autista propõem veículos de acesso para que o aluno seja alcançado através das tecnologias de informação e comunicação (TIC) e tecnologias assistivas (TA). Apresenta técnicas de intervenção educacional com recursos midiáticos, que promovem a memorização, interatividade, sugerindo vias de ação pedagógica utilizáveis para o tráfego do ensino-aprendizagem. O trabalho rascunha possibilidades de interação social, alteração do repertório de interesses e de atividades do aluno autista, dentro do processo de inclusão na escola, utilizando softwares, games on-line e recursos midiáticos no laboratório de informática.

Justificativa

As tecnologias têm conquistado espaços expressivos na vida social e encontrado lugar de honra na escola, tanto pelos alunos quanto por professores que percebem mudanças qualitativas em suas aulas. Novas formas de expressão e leituras são redefinidas para o processo de ensinar e de aprender, modificando as rotinas, quebrando paradigmas, inventando novos modelos e propondo novos saberes com diferentes metodologias e inusitadas formas de avaliação e respostas. Vivemos imersos em tecnologias e a sociedade da informação constrói e mantém uma estrutura organizada em rede neste universo virtualizado e interligada pelo poder da comunicação. Basta um clique e já estamos lá.

As tecnologias e os softwares assistivos acrescentam recursos às pessoas que possuem necessidades especiais e representam um arsenal de serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência, promovendo vida independente, acessibilidade e inclusão.

O Governo Federal através do Ministério da Educação e Secretarias Estaduais e Municipais, tem proporcionado à escola pública brasileira o acesso direto e democrático a tecnologias de informação e comunicação (TIC) com acesso a Internet, proporcionando ao professor e aluno novas ferramentas pedagógicas, no sentido de qualificar o processo de ensino e de aprendizagem. Este investimento tem modificado estruturas comportamentais gerando um novo fazer pedagógico, no qual toda a sociedade tem sido beneficiada.

A política de inclusão de alunos com necessidades especiais na escola pública, tem feito do Brasil um país solidário e ousado, no sentido de receber em sala alunos com saberes e potencialidades diferentes. Neste cenário o estado de Goiás se destaca pelo trabalho desenvolvido com alunos autistas, através do Projeto Re-Fazer, demonstrando que a inclusão é um processo necessário e possível, difícil, porém gratificante.

Em todas as eras da humanidade a Informação é o tesouro mais valioso e a comunicação é o fator de maior investimento e desenvolvimento atual. De todas as formas e por todos os meios a comunicação é sem dúvida a maior conquista da humanidade. Rápida, instantânea, eficaz.

O presente trabalho se justifica quando compreende os esforços e os investimentos para se promover uma escola moderna e inclusiva, irrigada por tecnologias e novas formas de conduta pedagógica; aberta ao atendimento interdisciplinar; concordante da flexibilidade cognitiva; aprendente da diversidade e respeitadora das deficiências; uma escola que valoriza a construção do saber, disposta a construir metodologias de acesso e a remodelar conteúdos, capaz de usar as tecnologias de informação e comunicação como instrumentos pedagógicos, contextualizados e inseridos na prática do ensino-aprendizagem. Esta mesma escola que admite o poder incontestável da comunicação, tem conseguido trazer professores e alunos para o uso dos computadores e Internet além de aprender utilizar softwares assistivos para o melhor desempenho e expressividade dos alunos com necessidades especiais. Esta escola se depara com a inclusão de alunosautistas, cuja deficiência os mantém apartados de uma das maiores conquistas do ser humano: a comunicação e interatividade. Deste trabalho emergem várias perguntas, muitas reflexões, aprendizados que gostaria de compartilhar com o leitor.

Se podemos, através da web, ir a qualquer lugar; se podemos utilizar softwares simular cores, movimentos, texturas; modificar imagens em várias dimensões; podemos construir e reconstruir sons; se o universo virtual é tão inexplicavelmente vasto e possível, qual é o endereço do "mundo-da-lua" no qual o autista vive? Em qual dimensão é possível encontrá-lo? Qual é o reflexo da virtualidade no contexto mental e social do autista? Como implementar projetos de ensino aproveitando o "lócus" de interesse do aluno autista em games on-line e simuladores?Se o autista tem um distúrbio de desenvolvimento com déficit na interação social e inabilidade em relacionar-se, como o universo virtual anônimo epode favorecer a interatividade? Se a Internet apaga distâncias e promove novos meios de socialização e relacionamentos, existe uma possibilidade para o autista-internauta?

Entre tantas perguntas uma se define, de modo inquietante: a abordagem do método TEACCH com suas rotinas, largamente difundido nas escolas do Brasil, se opõe diante da liberdade inusitada provocada pelas possibilidades de links distribuídos nas páginas da web. A Internet confere ao aluno autista momentos controversos de falta de rotina e total imprevisibilidade. Isto é favorável ao processo de aprendizagem do aluno autista? A intervenção educacional enfatizada pela análise do comportamento (ABA) encontrarecursos pedagógicos no uso dos softwares assistivos e da Internet? O conflito de abordagens causado pela inserção digital favorece a estrutura pedagógica do aluno autista?

"... o autismo, embora possa ser visto como uma condição médica, também deve ser encarado como um modo de ser completo, uma forma de identidade profundamente diferente..."(OLIVER SACKS)

Gostaria que este trabalho apontasse para algumas respostas. Desprovido ainda de um acervo de teorias ou de referências, pretendo deixar uma tímida contribuição para professores que se aventuram a trabalhar com comunicação, tecnologias, softwares assistivos, inteligências múltiplas, flexibilidade cognitiva e autismo.

OBJETIVOS

Gerais

Promover a interatividade com o aluno autista, utilizando o computador, internet e softwaresassistivos como instrumento decomunicação e aprendizagem.

Específicos

Investigar objetos e níveis de interesse individual;

Organizar projetos de ensino de acordo com a análise pedagógica e comportamental

Gerar situações de aprendizagem

Selecionar softwares e games que promovem a concentração, disciplinae resposta

Acrescentar conteúdos pedagógicos aos games e softwares escolhidos

Conteúdo

a) Estimulação Motora e Sensorial -Yellowtail, Zac Browser, Games on-line – Portal Re-Fazer[1] Pet shop Vitual.

b) Softwares Assistivos – específicos para o desenvolvimento de habilidades cognitivas – Zetopéia e Dosvox

c) Comunicação Alternativa e Ampliada – Virtual Board, Emoticons e Screen Beans

d) Internet – Histórias Narradas, Youtube vídeos, músicas infantís e MPB

e) Power Point – Recursos – Album de Fotografias

f) Expressões faciais, PECS, Simbolos e Figuras com Expressão e Músicas

g) Paint, Wizzard Paint e Creative Painter – Expressão e interação

h) Músicas infantis

Metodologia

O laboratório de Informática precisa estar preparado para receber o aluno autista. Cinco ou seis computadores ligados, em games, sites e softwares diferentes, adequados para o aluno.

O atendimento é feito de forma individual, e todas as reações condutas e respostas comportamentais são anotadas, pois representam indícios de interesse e vias de acesso.

A confecção de registros em forma de diário proporciona melhor atendimento.

O interesse do aluno autista é quem vai conduzir a ação pedagógica e as situações de ensino a serem implementadas aos momentos de interação.

O atendimento individual com a duração de 30 minutos por dia parece confortável e suficiente quando repetido duas vezes por semana. Neste período é possível conhecer melhor o aluno e propor intervenções necessárias:higiene, conduta, obediência, afetividade e independência.

Discussão e resultados

Em qual idioma aprendemos ensinar?

A escola vem enfrentando vários tipos de inclusão: idiomática, comportamental, tecnológica, social e alunos com necessidades especiais. Se por um lado o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) promete dar ao professor subsídios para qualificar sua aula, arrojar conteúdos e agradar alunos com efeitos midiáticos, colaborando para novas possibilidades de expressão e construção do conhecimento; por outro lado a chegada do aluno com necessidades especiais limita a expressão do professor diminuindo o seu "poder de ensinar". O professor se encontra acuado entre idiomas que não conhece, ou conhece pouco. Um estrangeiro com a missão de ensinar, competente e habilitado diante de um público que possui idiomas diferenciados, e sua configuração de professor não atende a esta demanda. Não estão sintonizados no mesmo idioma.

O professor está imerso em uma escola irreversivelmente decidida à Inclusão. E inclusão não significa somente ajeitar escadas e rampas, ou alargar corredores e placas de estacionamento. Incluir é abraçar, é trazer para perto, é fazer alguem pertencer. Neste processo de inclusão, países como Portugal, vem se destacando pelas discussões, resoluções e experiências bem sucedidas, gerando um vasto acervo de projetos. No Brasil o estado de Goiás se destaca pelo atendimento à diversidade, pelas Escolas Públicas, com projetos e ações pedagógicas eficientes. De maneira corajosa, o professor goiano se coloca diante uma escola inclusiva com propostas para o trabalho com a diversidade encontrando formas alternativas de aprendizagem, adaptando conteúdos, modificando propostas de avaliação, inserindo novas metodologias e inovando sua pratica pedagógica e tornando flexível sua postura de educador.

A comunicação como elemento indispensável no processo de ensino-aprendizagem

Seja qual for a teoria de aprendizagem que se queira assumir a comunicação e a interação denotam elementos essenciais e sem elas não há meios de se promover o ensino. Diante de uma escola inclusiva, com adaptação de metodologias e conteúdos, e ciente da importância da comunicação para a efetivação da aprendizagem, como ensinar o aluno autista?

"Autismo é uma síndrome comportamental com etiologias diferentes, na qual o processo de desenvolvimento infantil encontra-se profundamente distorcido" (Gillbert, 1990; Rutter, 1996 appud BOSA e CALLIAS, 1999).

O aluno autista demonstra a deficiência na comunicação e nenhuma interatividade com as pessoas, consigo mesmo e com o meio,por isso mesmo surge a quase impossibilidade de quantificar o que ele já possui armazenado em seu saber.Enquanto o professor do aluno comum pode fazer testes e avaliações, propor provas e medir os resultados, levando-o a localizar na grade curricular "onde" e "o que" o aluno já possui em seus conhecimentos, o professor do aluno autista somente desconfia do que ele já deve ter vivenciado, diante da idade, dos interesses, da estrutura econômica das respostas e reações. Não existem parâmetros para quantificar o nível de aprendizagem do aluno, pois ele não interage conosco. Ele pode até saber a resposta de algo, porém se mantém calado e distante. Ele não utiliza os mecanismos naturais de comunicação: pergunta/resposta. Diante deste cenário surge a primeira lágrima de professor do aluno autista:vou ensinar o que? "A educação pode ser definida como a tentativa consciente de promover a aprendizagem de outras pessoas..."[2]

Na vida acadêmica aprendemos a ensinar.Cada professor tem seu jeito de ser, de agir, mas cada professor sai da faculdade com uma certeza: ele vai ensinar. Esta é a nossa formação.Quando estamos diante de um aluno autista o universo de um minuto ao outro tem todos os muros e paredes derrubados. Ensinar o que? A partir de onde? O que ele já sabe? Ou o que ele gostaria de saber? Que tipo de música ouvir? Qual história contar? Ensinar história? Matemática, literatura? Cores?Sou professora de que?

O valor do lúdico e do belo[3]

A criança autistapossui o lado lúdico pouco explorado pois não demonstra afetividade, emoção e tem pouco ou nulo interesse por brincadeiras e contos.A tecnologia ofereceinstrumentos capazes de buscar essa atenção e conferir ao aluno autista momentos de prazer e diversão.A escolha dos softwares e games a serem apresentados precisa ser criteriosa e dar margem a interatividade entre aluno-máquina-software-professor.Quando isso ocorre o professor pode incluir "ensinos" e observar "aprendizagens". .


Yellowtail, Creative Painter, Wizarde Games

Softwares e games de simulação de simulação, edição de desenhos e movimentos, enchem de um fascínio imediato 80% dos alunos autistas.

O jogo de cores em movimento com sons ocasionais busca a atenção e coloca a criança momentaneamente ao dispor deste universo virtual.

Aproveitar as paisagens para observar os detalhes, sugerir, propor, buscando a interação com o professor é uma das atividades cotidianas aplicadas nas aulas.

O contato com o computador, esfregando o dedo na tela, acompanhando os traços, parece gerar a disponibilidade do aprender.

O virtual tem um aspecto real quando se pode tocar com as mãos. Esta ação temfavorecido a coordenação motora eos alunos que usam mouse já conseguem olhar para o vídeo sem precisar olhar para suas mãos.

O uso doDosvox como método de letramento

O Dosvox é um software assistivo destinado a pessoas cegas, contendo leitor de textos e fácil interação com o teclado.O contato do aluno autista com o Dosvox é algo peculiar e merece atenção e continuidade pelas reações manifestadas. As configurações de acessibilidade proporcionadas pelo windows possibilita melhor interatividade, reduzindo a intermitência e a taxa de repetição das letras.

CONCLUSÃO

As tecnologias e softwares assistivos para o aluno autista tem aberto novos horizontes de interação e interatividade. As vias de acesso necessárias ao aprendizado parecem ganhar forma diante de experiências e metodologias.Novas abordagens podem ser estudadas diante de um contexto que se apresenta, e isso gera expectativas quanto a qualidade de vida da pessoa autista, possibilidades de expressão, inserção social, conquista de valores, independência, afetividade e cultura.

É possível que o processo de avaliação de um aluno autista seja frustantepara o professor que vê o aprendizado "amarrado" ao trabalho de ensinar. Afinal, assim fomos educados e é assim que compreendemos este mundo de interação e de correspondência. Este mundo de causa-efeito. É complicado admitir que possa existir diálogo sem comunicação, que possa existir aprendizado sem ensino e que posa existir ensino sem aprendizagem.

Trabalhar com o universo virtual em conjunto com o aluno autista, é, acima de tudo, esperar a oportunidade do ensino. Não somente planejar ou se ater às metodologias, mas principalmente, ficar atento ao momento em que acomunicação se tece. Pode durar apenasdois segundos num prazo de 4 horas, mas este momento precisa ser significativo e bem aproveitado. É uma estrada que se constrói passo a passo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOSA, Cleonice, e CALLIAS, Maria. Autismo: breve revisão de diferentes abordagens. 1999.Disponível em http://www.puppin.net/ciepre/leituras/autismo.doc: Acesso em: 12 agosto, 2009

GALVÃO FILHO, T. A. A Tecnologia Assistiva: de que se trata? In: MACHADO, G. J. C.; SOBRAL, M. N. (Orgs.). Conexões: educação, comunicação, inclusão e interculturalidade. 1 ed. Porto Alegre: Redes Editora, p. 207-235, 2009.

GONÇALVES, Maria, CURSO HASAS – Habilidades em Softwares Assistivos. Disponível em http://curso-hasas.blogspot.com: Acesso em: 15 agosto, 2009.

SACKS, Oliver FADA – Fundação de Apoio e Desenvolvimento do Autista, Disponível em http://www.fada.org.br/program/index.php?sec=o_autismo: Acesso em: 2 agosto, 2009.

SASSAKI, R. K. 1996. Por que o termo "Tecnologia Assistiva"? Disponível em

<http://www.assistiva.com.br/> Acesso em 22 nov. 2007.




Autor: Maria Gonçalves de Sá


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