O Príncipe e a Decadência do Ensino Brasileiro



Alan Fabio Coriolano de Lima¹

João Batista Vianey Silveira Moura²

Resumo

Este trabalho tem como pretensão alertar as entidades governamentais sobre as condições atuais de precariedade, decadência e contradições do ensino brasileiro. Ao mesmo tempo, despertar no leitor o interesse pela problemática da educação e o que ela representa no contexto social. Para realizá-lo, buscamos inspiração em uma das lições contida no famoso livro, O Príncipe, de Maquiavel.

Para que nosso objetivo fosse alcançado, pesquisamos intensamente os mais diversos assuntos, no intuito de embasar os conceitos emitidos nessa obra e assim estabelecer com argumentos sólidos a intenção de nosso propósito. Nos diversos tópicos tratados, fizemos referência às medidas de contenção econômica para o ensino, comentamos sobre o analfabetismo no Brasil e denunciamos sobre a má remuneração do professor, além disso, fomos ao "túnel do tempo" e passeamos no Período Colonial, em busca das raízes do nosso ensino. Abordamos o descaso de nossas autoridades com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, sobre a metodologia arcaica do ensino, a deficiência de nossos livros didáticos e a falta de vontade política de nossos governantes para educar o povo. O problema do ensino brasileiro é crônico, e mostrar uma saída, a curto prazo, é utopia, contudo procuramos enfatizar alguns aspectos que podem minorar essa questão, na certeza de, quem sabe, um dia essa vergonha descabida possa se converter em orgulho nacional.

Palavras-chave:O Príncipe. Terreno de guerra. Problemas brasileiros.

Introdução

O PRÍNCIPE E A DECADÊNCIA DO ENSINO BRASILEIRO

"O Príncipe que ignora o território sobre o qual se desenvolve a guerra e que desconhece os soldados que comanda, conduz necessariamente as suas forças para a derrota".

Segundo Maquiavel, para compreendermos o significado dessa proposição e inseri-la no contexto deste trabalho, torna-se indispensável que se conheça o terreno onde a guerra será travada, além disso, procura-se vencer todos os obstáculos nele existentes a fim de que se possa alcançar e usufruir os louros da vitória. Evidentemente, trata-se de uma metáfora. Para Maquiavel, a guerra nada mais é que toda ação que deve ser realizada por aquele que dirige uma tarefa social.

E assim, enveredamo- nos pelos caminhos tortuosos e desconhecidos, em busca de conhecimento do terreno onde as ações seriam realizadas. A cada passo dado, os obstáculos se manifestam como um desafio a ser vencido. Dessa forma, deparamo- nos com uma Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad) de 2008, divulgada pelo IBGE, afirmando que o analfabetismo no Brasil manteve-se praticamente estável entre 2007 e 2008, atingindo pouco mais de 9% da população do Nordeste. Quase um quinto das pessoas com 15 anos ou mais são analfabetos. Na faixa acima de 25 anos, o percentual daqueles que não sabem ler nem escrever chega a um quarto do total.

Verificamos que o Documento da Organização das Nações Unidas para Educação e a Cultura (UNESCO), intitulado Professores do Brasil: impasse e desafios, divulgado recentemente, chamam a atenção para baixos salários pagos à categoria no País. No Nordeste, mais da metade dos docentes ganha menos de R$ 530,00 por mês.

Com baixa remuneração, a atividade de ensino ainda atrai abnegados, porém muita gente abraça o magistério por falta de opção. Sem perspectivas de ganhos financeiros, por outro lado, o interesse em qualificação é pequeno, sobrando para os alunos apenas as migalhas deterioradas de ensinamentos básicos. O círculo vicioso é montado: professores mal pagos e insatisfeitos à frente de um sistema ineficiente que forma outros professores mal preparados.

Na verdade, esses entraves educacionais remontam de longas datas. No Período Colonial, a Companhia de Jesus ou Ordem dos Jesuítas monopolizou o setor educacional no Brasil por mais de dois séculos. A princípio, a missão dos Jesuítas era catequizar os indígenas, porém, com o decorrer do tempo, essa Companhia passou a dedicar-se também a tarefa de educar as pessoas mais ricas da Colônia, que aprofundavam a educação recebida até um nível médio de estudos escolares.

A educação de nível superior era destinada somente aos sacerdotes. Quem não optasse pelo sacerdócio tinha que viajar para Europa a fim de cursar alguma universidade. Nessa época, a maioria das pessoas da classe dominante preferia, quase sempre, estudar advocacia, o restante da população, por sua vez, vivia no mais completo abandono educacional.

No período Imperial, esse problema permaneceu quase estagnado, não apresentando grande desenvolvimento. Promovia-se uma educação fechada, ornamental, acadêmica e desvinculada da nossa realidade. Durante a última fase do reinado de D. Pedro II, em 1872, o Brasil contava com uma percentagem de analfabetos estimada em quase 70% de sua população, que na época era aproximadamente de 10 milhões de habitantes.

Após a Proclamação da República, o setor educacional passou a merecer maior atenção dos nossos governantes e na década de 20, surgiu na história da educação brasileira um movimento renovador, conhecido como Escola Nova. Dessa maneira, a Constituição de 1946 determinava a criação de uma lei que estruturasse a nossa educação, surgindo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Essa lei estabelecia que: "a educação inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade, e solidariedade humana é direito de todos e dever do Estado". As demais citavam a obrigatoriedade do ensino para crianças na faixa de 7 a 14 anos de idade, atribuindo aos municípios a tarefa de proceder à chamada de todas as crianças para matrícula escolar.

O que era para ser uma prioridade nacional, parece ter sido assumido como problema sem solução. Isso aconteceu, entre outros determinantes, devido à persistência de adoção do modelo tradicional da educação, no qual o ensino é mera transmissão de informações e deaprendizagem, nada mais que, uma simples recepção dessas informações a serem armazenadas na memória. O conhecimento é tratado como um conteúdo, coisas e fatos, que devem ser transmitidos aos alunos, cujo papel dominante do professor dá ênfase às respostas certas. Apenas uma resposta para cada problema, que é manipulado mecanicamente, que não incentiva o pensamento, não estimula o raciocínio e que não exige reflexão.

As provas, nesse modelo tradicional, são elaboradas para avaliar o que o aluno não aprendeu e diante do insucesso da avaliação, a culpa fatalmente recai sobre o representante do corpo discente, que geralmente é rotulado de incompetente. Os princípios que norteiam os ensinamentos pedagógicos, na sua essência, são ignorados, não havendo interação dos elos responsáveis pelo sucesso da relação ensino-aprendizagem. Dessa forma, o órgão emissor, o vetor de transmissão e o receptor, meramente figurativos, não interagem harmoniosamente, comprometendo, destarte, toda estrutura educacional.

Os livros didáticos adotam estilos tradicionais, exclusivamente expositivos, com informações que não retratam a nossa realidade. Geralmente são contraditórios e manipulados, visando enaltecer o Ego e o sentimento de patriotismo dos incautos alunos. É comum relatarem nos seus parágrafos, que o Brasil é um dos maiores produtores agrícolas do planeta, sendo considerado, no futuro, o celeiro do mundo, contudo, não esclarecem que a grande camada da nossa população é desnutrida. Informam ainda que somos o quinto país do mundo em extensão territorial, mas se omitem em falar que milhares de brasileiros não dispõem de um pedaço de terra para morar.

Dessa forma, seguem afogando os alunos no mar de informações contraditórias, induzindo-os a pensarem que estão vivendo no país das maravilhas, não lhes permitindo, desde cedo, ver a outra face da moeda, compreender ou meditar sobre a realidade brasileira. Mas nossos problemas não se esbarram apenas nessas deficiências relatadas, vão mais além. De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre 35 nações pesquisadas em 2006, o Brasil foi o país que menos gastou em educação. Em contrapartida, nosso Príncipe é perdulário e desinibido quando se trata de dissipar o dinheiro público em investimentos infrutíferos. Para se ter uma ideia, em 2008, gastou 467,5 milhões de reais com diárias de viagens, desfrutando os prazeres do turismo pelo mundo afora.

No Brasil, porém, o Príncipe vacila em percorrer o terreno minado da guerra, salvo em busca de oportunidades eleitorais. É versátil no uso de sua logorreia para sediar as próximas Olimpíadas. Não vacilou em gastar 4,4 milhões de reais no Pan do Rio de Janeiro e, quem sabe, acha até normal um parlamentar brasileiro custar ao país 10,2 milhões de reais, ou seja, o equivalente a 688 professores de nível superior no estado da Bahia.

Diante desses fatos, é difícil acreditar na evolução educacional de nosso País, porque o Príncipe tem visão míope, insiste em desconhecer o terreno sobre o qual a guerra será travada, permanecendo omisso na sua responsabilidade de educar o povo.

A ordem do dia consiste em ignorar o desenvolvimento educacional. Afinal de contas, para que educar? Povo esclarecido questiona, exige direitos e cobra ações dos governantes, passando a ser um estorvo para as classes dominantes.

Nosso Príncipe é irracional. Ufana-se de ter chegado ao mais alto posto da Nação sem nunca ter recebido um diploma em toda sua vida, relegando, dessa maneira, a importância da educação. Apesar disso, paradoxalmente, entende que o índice elevado de analfabetismo constitui um dos fatores que caracteriza o subdesenvolvimento de um país, portanto, inconcebível no atual cenário da globalização. E assim, confuso, adota medidas para privilegiar os despreparados intelectualmente, promovendo cotas para alunos das falidas escolas públicas ingressarem nas universidades, ignorando as sábias palavras do médico, poeta e compositor João Dantas: "... mas doutor uma esmola, a um homem que é são: ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão ...".

Enfim, percorremos o território minado da educação brasileira. Diante desse panorama de contradições e deficiências, queremos alertar o Príncipe sobre a melhor rotaa ser seguida, como rastrear e solucionar tão graves obstáculos e assim contribuir para que seja promovida uma educação de alto nível no nosso País.

Conclusão

Na elaboração deste trabalho, afirmamos que o problema educacional do Brasil remonta de longas datas. Uma solução a curto prazo é quase impossível. Contudo, a médio e longo prazo, um Príncipe dotado de vontade política e que procure conhecer o terreno da guerra poderá dar novos rumos a essa problemática. Para tanto, deverá prescindir de gastos públicos desnecessários, repelindo de suas ações a doutrina maquiavélica, que aconselha Os Príncipes que queiram perpetuar seu nome a investir em obras faraônicas.

Encarar com rigor a necessidade de reciclar e remunerar dignamente o corpo docente, mostrando-o no seu papel de educador, imbuindo-o da sua importância na relação ensino-aprendizageme ao mesmo tempo resgatar seu sentimento de orgulho no cenário nacional.

Abolir o sistema tradicional de ensino, conscientizando o aluno a refletir, raciocinar e não se portar em sala de aula como um mero expectador ávido por informações, tornando-o participativo e o induzindo a buscar valores que o dignifique perante a sociedade.

Nomear comissões para reestruturar o conteúdo dos livros didáticos, destituindo-os da condição de simples instrumentos de informação acadêmica, transformando-os em veículos que despertem o interesse pelos problemas nacionais.

Caso o Príncipe não atente para essas considerações, a "Pátria Amada e Idolatrada" cada vez mais vai se enveredar pelos tenebrosos caminhos da ignorância, ratificando como verdade a crítica radical do famoso filósofo alemão, Frederico Nietzshe, à civilização ocidental, dizendo que: "ela educa os homens para desenvolverem o instinto da tartaruga, porque esse animal diante do perigo, da surpresa, acovarda-se e recolhe a cabeça e as pernas para dentro de sua casca, permanecendo assim até que não haja risco iminente".

Esse filósofo traduziu exatamente o objetivo dos processos educacionais e políticos da educação brasileira, em que é ensinado o espírito da covardia e do medo, sem que o Príncipe jamais seja questionado ou abalado no alicerce do seu pedestal.

Finalmente, esperamos que este trabalho alerte nossos governantes sobre a necessidade de promover uma educação de alto nível no País e de alguma forma contribua para desencadear no leitor, uma reflexão sobre o assunto tratado, tornando-o solidário no compromisso da busca para solução de tão relevante problema,pois: "A educação constitui direito social hospedado na Magna Carta, cujo artigo primeiro estatui como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana, e ninguém ousará negar que o acesso ao conhecimento, à educação dignifica o homem, pois contribui para a sua ascensão no contexto social".

Nota explicativa

As lições de Maquiavel impressas na sua obra, O Príncipe, dão margem a múltiplas interpretações. Algumas tendem a analisá-las no sentido de que o autor incentiva e orienta os déspotas e ditadores a adotar ações capazes de perpetuá-los no poder. Outros, ao contrário, entendem que Maquiavel procura esclarecer ao povo oprimido a melhor forma de se libertar do jugo imposto pelo poder absolutista.

Desnecessário se faz argumentar que o nosso trabalho se enquadra e foi moldurado nessa última linha de pensamento.

Glossário

Classes dominantes: grupo de pessoas que centralizam o poder e usufruem de todos os seus privilégios.

Corpo discente: corpo representativo dos alunos.

Corpo docente: corpo representativo dos professores.

Déspota: tirano; opressor.

Educação acadêmica: toda aquela voltada para a transmissão de conhecimentos meramente ilustrativos e que não incentivam à reflexão.

Estorvo: incômodo; situação indesejada.

Globalização: conjunto de ações interativas que envolvem todos os países.

Logorréia: hábito de falar em excesso.

Louros da vitória: glórias; triunfos.

Perdulários: todo aquele que gasta dinheiro excessivamente.

Príncipe: todo governante, segundo Maquiavel, que mediante ações seja capaz de influenciar e conduzir o destino de um povo.

Soldados: o povo subordinado às entidades governamentais.

Terreno de guerra: o meio ou espaço onde existe conflito de ordem social, política e econômica.

Referências

TORLONI, Hilário. Estudo de Problemas Brasileiros. 3. Ed. São Paulo: Pioneira, 1973.

RODRIGUES, Neidson. Lições do Príncipe e outras lições. 18 ed. São Paulo: Cortez, 1999.

DRUCKE,Suely. A crise no ensino de matemática no Brasil, Revista do Professor de matemática, vol.52. Rio de Janeiro, 2003.

CARVALHO, Alberto da Silva. A universidade em ruínas. In: Universidade em ruínas na república dos professores, Petrópolis, Vozes, 1999, p.211-223.

REFORMA social. Jornal do Commércio, Recife, 10.8.2007. 2 cad.

PARLAMENTAR / professor. Jornal do Commércio, Recife, 24.8.2007. 2 cad.

LÓGICA governamental. Jornal do Commércio, Recife, 26.8.2007. 2 cad.

VONTADE política. Jornal do Commércio, Recife, 06.9.2007. 2 cad.


Autor: Alan Coriolano


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