PRESENTE DE NATAL



 

 

125 - PRESENTE DE NATAL

De Romano Dazzi

 

Era Véspera de Natal.

Pessoas apressadas na rua, tentando comprar uns últimos presentes,

O semáforo na esquina estava desregulado; parecia enlouquecido:

Aos poucos, o trânsito ficou confuso e agitado. Os mais afoitos começaram a buzinar nervosamente. O caos se alastrou..

João vinha com uma garrafa de vinho e dois panettones; no bolso, uma caixinha de música – presentinho especial para Norma, sua esposa.

Norma  havia falado nela várias vezes durante o ano e ele conseguira encontrá-la por sorte, ou por acaso, na última hora.

Deu uma folga entre os carros que passavam; - vou dar um pulo - pensou – e já  estou do outro lado da rua..... Mas escorregou, tropeçou, ninguém sabe.   

Ouviu o guincho estridente dos freios, uma forte pancada na cabeça;  mais nada.  Deveria ser assustador, ver um homem ferido, desmaiado, no meio da rua,  de braços abertos,  como  a pedir socorro.

Alguém deveria carregá-lo com cuidado até a calçada, a salvo do trânsito maluco.

 Mas não;  já é uma ocorrência  diária, banal até -  e ninguém mais se importa. 

Só as buzinas se agitam.  alheias a tudo, estridentes,  pedindo passagem.   

- “Ninguém mexa nele, é proibido!. “

- “Mas parece grave; está desmaiado! “

- “Se mexer, pode até morrer!   E lá vem processo, indenização,  aborrecimento.”

- “Melhor esperar a ambulância. “

- “Alguém chamou o pronto socorro?  

- “Será que ele tem algum documento? “

 

Na confusão, alguém pegou sua carteira  e  sumiu sem deixar pistas.

João deu entrada no hospital  como indigente, sem identificação, as roupas dele em uma sacola, ao pé da cama.   

 

Passou algum tempo – “uns vinte minutos” – pensou;   e  começou um longo caminho de volta à realidade. 

Não tinha a menor idéia de onde estava; não lembrava nada, salvo de ter saído da loja, com a garrafa de vinho, desejando alegremente um bom Natal ao caixa.

Mas agora lhe parecia estar deitado num aquário, cercado por  flocos de algodão,  flutuando; uma luminosidade leve e difusa, sons abafados, ininteligíveis. Nada mais.

Ainda uma vez desmaiou; passou um tempo: - “de novo uns vinte minutos” – pensou  quando voltou a si.

Havia vozes, em volta dele;

-  Foi ele que avançou o sinal,  tenho certeza – dizia alguém. - foi  ele que foi em cima do carro; aquele pobre taxista não teve nada a ver....

- Mas a senhora viu? Viu mesmo? – perguntava outra voz

- Sim; e vi tudo  perfeitamente; acho que ele queria morrer, queria se matar!....

Outra voz : - Não, não! – Ele estava bêbado – tinha uma garrafa de vinho na mão!

 

João tentou desesperadamente intervir; mas toda a sua atividade se limitava ao pensamento. Só a sua consciência registrou a sua aflição. Não uma palavra, um som, um gesto. Faltava-lhe força até para abrir os olhos, para levantar as pálpebras.  

 

Para os outros, ele era agora apenas um pacotinho, embrulhado em gazes, talas e esparadrapos;  apostariam  que ele já estava morto; ou que morreria nas duas ou três horas seguintes.

.................................

Norma, assustada com o desaparecimento do João; iniciou uma longa  procura  em delegacias, hospitais, clínicas e até no IML,  com o coração apertado pelo desespero.

Mostrava fotografias, tentava descrevê-lo. Nada.

 

Refez o caminho que João poderia ter feito; e finalmente voltou ao primeiro hospital em que tinha estado. 

A enfermeira-chefe mostrou o grande salão, com vinte camas,  todas ocupadas. Mostrou um por um os coitados, todos desconhecidos, perdidos, sem nome, sem identidade,  sem consciência,  que davam apenas ligeiros sinais de vida.

Norma, num desespero crescente, chegou até o último, aquele  embrulho de gazes dentro do qual estava o João, e não o reconheceu; foi aí que se deu por vencida.

Explodiu em um pranto convulso, sem freios, sem limites, agitada por violentos soluços..

Sentou ao pé da cama.

A sacola com a roupa do João escorregou para o chão.

E aí  se deu o milagre:

Aquela caixinha de música, que estava ainda no bolso do paletó, começou a tocar bem baixinho. “Noite feliz, noite feliz......”

É o João, o João! Só pode ser ele! Tirem essas faixas, essas gazes, quero vê-lo! João! João!” .

Norma estava rindo, soluçando, chorando, aliviada e aflita ao mesmo tempo, quase histérica, extravasando todos os seus sentimentos;

A enfermeira chefe  sempre sisuda, dura, seca, quase conseguiu  conter uma lágrima – mas não deu para segurar.

Aí estava o João ; aí estava , realmente, um presente de Natal!

  

  


Autor: Romano Dazzi


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