SISTEMA DE COTAS RACIAIS PARA O ACESSO A EDUCAÇÃO PÚBLICA SUPERIOR



UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ – UESC

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – DCIJUR

COLEGIADO DO CURSO DE DIREITO

MARLON CARVALHAL SOARES

SISTEMA DE COTAS RACIAIS PARA O ACESSO À EDUCAÇÃO PÚBLICA SUPERIOR

ILHÉUS – BA

2009


MARLON CARVALHAL SOARES

SISTEMA DE COTAS RACIAIS PARA O ACESSO À EDUCAÇÃO PÚBLICA SUPERIOR

Monografia apresentada à banca examinadora do curso de Direito, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Departamento de Ciências Jurídicas, da Universidade Estadual de Santa Cruz.

Área de concentração: Direito Público

Orientadora: Ana Paula Gomes

ILHÉUS – BA

2009

MARLON CARVALHAL SOARES

SISTEMA DE COTAS RACIAIS PARA O ACESSO À EDUCAÇÃO PÚBLICA SUPERIOR

Ilhéus,____ de____________de 2009

_______________________________________________

Ana Paula Gomes

UESC/BA

Orientadora

_______________________________________________

Katiana Amorin

UESC/BA

Membro da Banca

______________________________________________

Adriano Lessa

UESC/BA

Membro da Banca


A Deus, por me dar força e coragem. A minha família e meus amigos, pelo incentivo, em especial minha mãe Izabel, grande incentivadora.

A grande Marca dessa geração é a igualdade que se busca alcançar, que não é mais apenas formal, mas sim material, no sentido de que o Estado deve proporcionar meios de vida digna às pessoas.

Sérgio Valladão Ferraz

RESUMO

O objetivo deste trabalho se concentra em refletir acerca da implantação do Sistema de Cotas Raciais para o acesso ao ensino público superior no Brasil.Por meio de uma pesquisa bibliográfica qualitativa, buscou-se compreender, conceituar e analisar historicamente o surgimento de cotas enquanto uma Ação Afirmativa; refletir acerca dos impactos e conseqüências que as cotas podem causar, no contexto jurídico, acadêmico e social; e analisar se a existência de cotas é um embate público por ser medida judicial que pretere a Constituição, por tratarem negros, índios e brancos de forma desigual, oficializando o racismo.

Palavras-chave: Cotas; Raças; Cor; Ação Afirmativa; Educação; Ensino Público

ABSTRACT

This study focuses on reflecting on the implementation of the racial quota system for access to public higher education in Brazil. Through a qualitative literature, we sought to understand, conceptualize and analyze historically the emergence of quotas as an Affirmative Action, reflect on the impacts and consequences that may cause the shares in the legal, academic and social, and consider whether the existence of quotas is a public struggle to be a judicial measure that discriminates the Constitution by treating blacks, Indians and whites unequally, making official racism.

Keywords: Quotas; Race, Color, Affirmative Action, Education, Public Education

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................08

2. O SISTEMA DE COTAS RACIAIS PARA O INGRESSO NO ENSINO SUPERIOR ....................................................................................................................................11

2.1 Sistema de Cotas, uma Ação Afirmativa..............................................................11

2.2 Sistema de Cotas no Brasil..................................................................................13

2.3 O Sistema de Cotas e a Constituição Federal.....................................................17

2.4 O ensino superior no Brasil..................................................................................19

3.OS EFEITOS DA IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE COTAS PARA O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR............................................................................................21

3.1 No contexto social................................................................................................21

3.2 No contexto acadêmico........................................................................................26

3.3 Contexto Jurídico..................................................................................................27

4. AS COTAS OFICIALIZAM O RACISMO? .............................................................30

4.1 Racismo, preconceito e discriminação.................................................................30

5. CONCLUSÃO.........................................................................................................36

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................41

1. INTRODUÇÃO

No momento em que se discute uma reforma estrutural para a educação superior no Brasil, surge com grande força no cenário nacional: a polêmica questão da implantação do sistema de cotas étnicas que afirma beneficiar afro-descentes e índios.

É observado que no campo do direito inexiste um trato específico no que se refere ao "Sistema de cotas raciais para o acesso à educação pública superior". Durante toda história do Brasil o racismo alcançou o máximo de exposição para a sociedade, nos últimos anos, o governo sistematizou os dados estatísticos a sua disposição para preparar a posição brasileira levada à III Reunião Mundial Contra o Racismo, Discriminação, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em agosto de 2001, em Durban, na África do Sul. Na atualidade o governo admite abertamente a existência da discriminação racial na sociedade brasileira e Ações Afirmativas de vários tipos começam a ser implantadas como resposta às demandas da sociedade e também à comunidade internacional, agora conscientes da desigualdade racial existente no país.

Há quem aprove a medida das cotas e ache que a universidade está até mais "cordial" que a própria sociedade; assim como há quem afirme que seja mais uma forma de discriminação e segregação de raças; ainda existem os que defendem que o ideal seria investir na educação pública básica (ensino fundamental e médio) para que todo cidadão brasileiro possa concorrer ao vestibular em igualdade de condições, independente da cor de sua pele e da sua situação econômica.

Deste contexto traçado, surgem questões de caráter jurídico, como: Há diferenciação na educação básica de afro-descentes, índios e brancos? As cotas seriam uma solução para a população de afro-descentes e índios? Há mesmo benefícios nesta ação? A cota para os negros e índios não os discrimina? Se admissíveis, as cotas, no ordenamento, quais os critérios e discriminações a serem adotados que respeitassem a lógica da razoabilidade?

A atual composição racial da comunidade universitária é um reflexo da história do Brasil após a abolição, pois existem poucos negros ingressos à vida acadêmica. O que não deixa de ser conseqüência da posição do Estado Brasileiro na virada do século XIX, que ao invés de investir na qualificação dos ex-escravos, agora cidadãos do país, optou por substituir os poucos espaços de poder e influência que os negros haviam conquistado pelo estímulo à imigração européia.

Diante do exposto, tem-se como reflexão para este trabalho: "Uma análise da Implantação das Cotas nas Universidades: solução ou problema?", buscando refletir, dessa forma, se é mais uma forma de discriminação racial e social camuflada ou se realmente é uma maneira de minimizar as conseqüências de uma construção histórica excludente e marginalizadora, no sentido de promover o equilíbrio racial (negro, índio) no acesso ao ensino superior.

Aprofundando o debate acerca deste importantíssimo questionamento que assola o mundo jurídico à espera de soluções teóricas de prolongados efeitos sociais, é conduzida a pesquisa intitulada: "Sistema de cotas raciais para o acesso à educação pública superior". Que teve por objetivo meditar sobre a possibilidade de a existência de cotas para afro-descendentes e índios ser, ou não, uma solução legal para o problema destes grupos no que concerne à educação pública superior.

O tema despertou a atenção devido à polêmica que gera. Este trabalho tem sua relevância social por tratar de um tema que pode provocar mudanças positivas na forma de pensar a questão negra e indígena na sociedade atual. É importante também para o contexto jurídico por gerar fonte futura de pesquisa e reflexão acerca deste assunto, analisando as formas de impacto das cotas na academia e na sociedade em geral.

Como caminho traçado para a realização desta pesquisa, para alcançar os objetivos propostos, optou-se pela pesquisa bibliográfica e interpretação analítica do material bibliográfico e documental, seguidos de fichamentos e resumos.

Buscou-se refletir acerca do tema analisando os benefícios e/ou prejuízos, aspectos jurídicos, bem como as conseqüências desta ação governamental para estes grupos e para a sociedade. Para isso, buscou-se compreender, conceituar e analisar historicamente o surgimento de cotas enquanto uma Ação Afirmativa, o que se explana no capítulo 1°; refletir acerca dos impactos/conseqüências que as cotas podem causar ao contexto acadêmico, jurídico e a sociedade em geral, exposto no capítulo 2°; analisar se a existência de cotas é um embate público por ser medida judicial que pretere a Constituição, por tratarem negros, índios e brancos de forma desigual, oficializando o racismo, capítulo 3°. Em seqüência, o capítulo conclusivo.

2. O SISTEMA DE COTAS RACIAIS PARA O INGRESSO NO ENSINO SUPERIOR

2.1Sistema de Cotas, uma Ação Afirmativa

De acordo com dados de 2004 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil tem em sua população um total de 46% de afro-descendentes. No entanto, entre os universitários são apenas 8%. A discrepância é herança da dívida social que o país tem com os negros e índios pelas injustiças e preconceitos que se desenrolam desde os primórdios históricos da formação da cultura brasileira.

É possível dizer que o sistema de cotas raciais é uma espécie de Ação Afirmativa baseada no direito norte-americano, a partir da promulgação das leis de direitos civis e políticos na década de 1960.

De acordo com Sell (2002) é possível conceituar a Ação Afirmativa como:

Uma série de medidas destinadas a corrigir uma forma específica de desigualdade de oportunidades sociais: aquela que parece estar associada a determinadas características sociológicas (como etnia e religião) ou biológicas (como raça e sexo). (SELL: 2002, p.15).

Para Renata Malta Villas-Bôas as Ações Afirmativas são "[...] um conjunto de medidas especiais e temporárias tomadas ou determinadas pelo Estado com o objetivo específico de eliminar as desigualdades que foram acumuladas no decorrer da história da sociedade".

Na opinião de Carvalho (2001):

Ação Afirmativa é toda política voltada para a correção de desigualdades sociais geradas ao longo do processo histórico de cada sociedade. Baseia-se na convicção de que a justiça social exige que a igualdade não seja apenas legal e formal e que, portanto, é legítimo, e mesmo mandatório, que o poder público tome medidas para reduzir a desigualdade. (CARVALHO: 2001,p.15). [sem grifo no original].

O que não significa que essas medidas devem ser tomadas com base nos modelos de outros países porque cada caso possui suas especificidades, as histórias não são iguais, as realidades não são iguais, logo, as necessidades também não são iguais.

As cotas são mecanismos das ações afirmativas e com elas não se confundem. Assim, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim B. Barbosa Gomes considera que constatada nos Estados Unidos a:

Ineficácia dos procedimentos clássicos de combate à discriminação, deu-se início a um processo de alteração conceitual do instituto, que passou a ser associado à idéia, mais ousada, de realização da igualdade de oportunidades através da imposição de cotas rígidas de acesso de representantes de minorias a determinados setores do mercado de trabalho e a instituições educacionais".(GOMES: 2003, 27).

Gomes(2001) exprime que as ações afirmativas podem ser definidas como:

[...]conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego [...]. Em síntese, trata-se de políticas e mecanismos de inclusão concebidas por entidades públicas, privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicional, com vistas à concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito. (GOMES, 2001, 40-41). [sem grifo no original].

Se o que se busca com as Ações Afirmativas é o combate à discriminação racial, será que não está se cometendo também uma injustiça ao determinar cotas levando em consideração a cor da pele? O fato de as cotas "privilegiarem" os que se auto-declaram afro-descendentes não termina por "separar" em raças os cidadãos brasileiros, vindo a reforçar os conceitos de superioridade/inferioridade racial?

São várias as maneiras pelas quais as políticas de Ação Afirmativa podem atuar. De acordo com Bernardino, elas vão:

Desde as políticas sensíveis ao critério racial, em que a raça é um dos critérios ao lado de outros, até as políticas de cotas, em que se reserva um percentual de vagas para minorias políticas e culturais, neste último caso a raça passa a ser considerada um critério absoluto para a seleção da pessoa. Embora qualifiquemos cotas e políticas sensíveis à raça apenas como tipos diferentes de ação afirmativa, há aqueles que procuram tratar cotas e ações afirmativas como políticas públicas diferentes. (BERNARDINO: 2002, 255).

A partir da introdução da reserva de vagas no percentual máximo de 20% em favor dos deficientes físicos ao acesso a cargos públicos, consoante dispõe o art. 5º, § 2º da Lei 8.112, em atenção ao que já dispunha o art. 37, VIII da Carta Cidadã, é que o Brasil, em 1990, importou a noção de Ação Afirmativa. As reservas de vagas que passaram a ser adotoadas em vários concursos públicos e marcam o início das reservas de vagas para números específicos no Brasil.

A Constituição Brasileira de 1988diz: VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão. (art 37, caput CF).

2.2Sistema de Cotas no Brasil

De acordo com a a Wikipédia (a enciclopédia livre),nas universidades, a adoção de reserva de vagas teve início em 2000, com a aprovação da lei estadual 3.524/00, de 28 de dezembro de 2000. Lei que garante a reserva de 50% das vagas, nas universidades estaduais do Rio de Janeiro, para estudantes das redes públicas municipal e estadual de ensino. Esta lei passou a ser aplicada no vestibular de 2001 da Universidade do Estado do Rio de Janeiro(UERJ) e na Universidade Estadual do Norte Fluminense(UENF). A lei 3.708/01, de 9 de novembro de 2001, institui o sistema de cotas para estudantes denominados "negros" ou "pardos", com percentual de 40% das vagas das universidades estaduais do Rio de Janeiro. Esta lei passa a ser aplicada no vestibular de 2002 da UERJ e da UENF. Outras universidades, tais como a Universidade de Brasília(UNB) e a Universidade do Estado da Bahia(UNEB) também aderem a tal sistema, tendo como critérios os indicadores sócio-econômicos, ou a cor ou "raça" do indivíduo.

Pesquisas realizadas pela Universidade de Brasília comprovam o déficit de renda dos estudantes negros em relação aos demais estudantes. Os dados apontam que 57,7% dos candidatos de cor preta possuem renda familiar inferior a 1.500 reais, já em relação ao grupo de cor branca esse percentual é bem menor, 30%. A mesma disparidade é verificada quando se analisa o percentual de pessoas com renda acima de R$ 2,5 mil: 46,6% dos candidatos de cor branca estão nessa categoria, enquanto o percentual no grupo de cor preta é de 20,4%.

Assim, a Universidade defende que o sistema de cotas para negros, por tal instituição, além de ser uma iniciativa institucional importante e inovadora, é, assim, o resultado de esforços históricos dos Movimentos Negros. Consideram que as políticas de Ações Afirmativas, entre elas as cotas raciais, comprometem-se com a promoção de grupos não atingidos pelas políticas de caráter universal, em nome da efetivação do princípio constitucional de igualdade. Dessa forma, após cinco anos de muita discussão, a Universidade de Brasília foi a primeira federal a instituir o sistema de cotas em seu vestibular tradicional, em junho de 2004, a valer por 10 anos.

De acordo com a própria instituição, o sistema atraiu 4,4 mil estudantes de um total de 23,5 mil inscritos – 18,6% dos candidatos. Para eles, foram destinados 20% do total de vagas de cada curso oferecido no 2° vestibular de 2004, 392 de 1.994. Desse número, os cotistas foram 378. A comissão criada para implementar o sistema formulou o convênio entre a UNB e a Fundação Nacional do Índio (Funai), assinado em 12 de março de 2004. Os indígenas aprovados em um teste de seleção começaram a estudar na UNB no primeiro semestre letivo de 2004. Pelo convênio, cerca de dez vagas serão destinadas a indígenas a cada vestibular.

Nos Estados Unidos, assim como na África do Sul, limites foram acentuados declaradamente para a separação de brancos e negros. No Brasil, após a abolição da escravatura, em 1888, nunca houve impedimentos institucionais aos negros no Brasil. São realidades opostas e com o intuito de amenizar a discriminação dos negros, estes países, buscaram a utilização de cotas raciais nas escolas e nos ambientes de trabalho.

Após a abolição da escravatura, em 1888, nunca houve barreiras institucionais aos negros no país. O racismo não conta com o aval de nenhum órgão público. Pelo contrário, as eventuais manifestações racistas são punidas na letra da lei. O fato de existir um enorme contingente de negros pobres no Brasil resulta de circunstâncias históricas, não de uma predisposição dos brancos para impedir a ascensão social dos negros na sociedade – como já foi o caso nos Estados Unidos e na África do Sul. (ZAKABI; CAMARGO).

Será que a prática do sistema de cotas raciais para o acesso ao ensino superior é adequada ao nosso país? Faz-se necessário refletir acerca deste questionamento, visto que mesmo com a existência de preconceito implícito, por lei qualquer forma de manifestação que exalte ou faça defesa à discriminação, tem sido reprimida. Assim, a adoção de um sistema de cotas raciais no Brasil pode ser considerada como a oficialização da discriminação racial. Sua implantação permite a interpretação, ainda que indireta, que o branco é superior ao negro e ao índio, e que todos afro-descendentes e índios pertencem a famílias de baixa renda e sabe-se que isto é uma inverdade.

A cota racial, na perspectiva apresentada, é mimetismo, cópia, importação do modelo norte-americano de cotas raciais, sem preocupação com uma adequação eficaz a nossa realidade histórico-social. O debate acerca da cota racial não se pode resumir a chamar os favoráveis de "esquerda" e os contrários de "direita": a questão é bem mais complexa que isso. Além disso, de forma alguma a cota racial geraria redução na discriminação racial, eis que, na prática, os componentes das classes mais baixas (que independente da cor, no Brasil, tornam-se mais escuros) sequer conseguem superar o ensino fundamental, o que se dirá do ensino médio! Por outro lado, beneficiam-se os sujeitos da classe média que se autodeclararem negros (nesse caso, na nossa discriminação por assimilação, são considerados embranquecidos), no entanto, isso não contribui à diminuição da discriminação racial existente no Brasil e, tampouco, possibilitaria o acesso à universidade pública àqueles historicamente marginalizados. (SOARES, 2008).

Outra questão que não é clara no sistema de cotas raciais seria quanto à classificação: Quem é negro, quem é branco? Seria correto se basear na auto-declaração? Esse é mais um fator que nos leva à descrença em relação à eficácia desta classificação racial ainda mais sendo o Brasil é um país miscigenado.

Os que defendem as cotas se baseiam, sobretudo, na idéia de que os negros e índios foram excluídos e marginalizados desde o período da colonização brasileira, tendo suas identidades e sua moral oprimidas, então, para reparar essa dívida histórica, se justificaria a criação do sistema de cotas, visto que tanto negros, quanto índios estariam muito atrás na busca pelas oportunidades no mercado de trabalho. Teria, então, o intuito de corrigir os efeitos atuais da discriminação praticada no passado, buscando a concretização de igualdade de acesso a bens essenciais como educação e emprego.

Em outra vertente, os que se colocam contra a implantação do sistema de cotas, se apóiam principalmente na justificativa de que o sistema de cotas viola o principio constitucional da igualdade: "Todos são iguais perante lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição" (art. 5°, I, CF).

O advogado Renato Ferreira defende que o Brasil precisa encarar a questão da desigualdade sob o ponto de vista racial, sim:

Até 1970, 90% dos negros eram analfabetos, porque, após a abolição da escravidão, o Estado os abandonou, ao contrário do que fez com os imigrantes, que foram financiados pelo governo para virem para o Brasil. O país precisa dar um valor à diversidade étnica, de gênero etc entre os espaços de poder político, cultural e econômico. A saída é a educação pública de qualidade e políticas temporárias de ações afirmativas, que diminuem a grande distância que ainda existe entre brancos e negros no país.

As políticas de cotas são um remédio errado para um diagnóstico falso, segundo Yvonne Maggie1. Segundo sua análise, o problema é que as universidades públicas precisam democratizar o acesso e, para isso, deve-se mudar a forma de ensinar e buscar uma educação de massa de qualidade desde o ensino básico: "A Universidade de Buenos Aires tem cerca de 300 mil estudantes. Ela sozinha atende, portanto, mais da metade do número de estudantes que estudam na totalidade das universidades públicas no Brasil. Isso é um dado que não se discute porque significa que nossas universidades públicas não querem mais alunos, não querem enfrentar a democratização do acesso."

Apesar de defenderem visões opostas, tanto Maggie quanto Renato Ferreira concordam que o Brasil tem uma sociedade tolerante que pode e deve ser exemplo de democracia.

2.3O Sistema de Cotas e a Constituição Federal

O texto constitucional ilustra que somente a Constituição pode fazer distinções entre os brasileiros. Assim, se a Constituição de 1988 não diferencia os brasileiros pela cor da pele, não compete, ao legislador infraconstitucional fazer distinção e estabelecer o sistema de cotas, assim como há a proibição a discriminação no que se refere a salários e critérios e reservas de cargos públicos aos portadores de deficiência.

Caso o constituinte quisesse fazer tal distinção, teria feito em forma similar a proteção dada aos deficientes, da seguinte forma: "proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência" (arts. 5º, caput, e 7º, XXXI,CF); e "reserva de cargos públicos, a serem preenchidos através de concurso, para pessoas portadoras de deficiência física" (art. 37, VII, CF).

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1 Antropóloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Pela análise dos dispositivos constitucionais, vislumbra-se que o sistema de cotas em concurso público para portadores de deficiência possui respaldo constitucional. Ao contrário do sistema de cotas em universidades a uma determinada parte da população pela cor da pele.

Não há dúvidas de que algo precisa ser feito para que se possa alcançar uma maior equidade social. O sistema de cotas aparece como uma alternativa para atenuação de desigualdades, pois, visaria a acelerar um processo de inclusão social de grupos marginalizados. No entanto, há que pensar na sua constitucionalidade.

Partindo-se do princípio de que a Constituição Federal é a Lei Máxima à qual as demais leis devem subordinação, tendo como ponto de apoio o (art 3º, IV, CF,) onde se afirma que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é "promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação." [sem grifo no original].

Pode-se considerar desta norma constitucional o primeiro disparate do sistema de cotas: "promover o bem" é o mandamento constitucional, porém, não pode haver nenhuma forma de preconceito, discriminação ou qualquer ação que favoreça uns em detrimento de outros. Até na própria nomenclatura para identificar o regime – "Sistema de cotas para negros e pardos" – é possível perceber a inconstitucionalidade traduzida pelo racismo e discriminação. Retomando o texto constitucional em seu artigo 5º, "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]". Pode-se considerar que constitucionalmente, portanto, não existe apoio para a adoção de práticas discriminatórias sejam quais forem os fins pretendidos.

A Carta Magna estabelece que a educação é um direito de todos (art. 6°, CF). É dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205, CF). O texto constitucional prevê, ainda, como direito de todos brasileiros o ensino fundamental obrigatório e gratuito que é direito público subjetivo (art. 208,§1°). Já o ensino superior é garantido a segundo a capacidade de cada um (art. 208, V, CF).

É óbvio que algo precisa ser feito para que todos possam concorrer a uma vaga no exame vestibular em igualdade de condições, No entanto, a solução não parece estar no ingresso nas universidades, e sim na formação, ou seja, no nosso ensino fundamental e médio e na diferença social-econômica.É necessário que se apresente uma proposta para o desenvolvimento educação-base da sociedade e para distribuição de renda desigual que gera as desigualdades econômicas. Segundo Silva (2006), a criação de cotas raciais "parece mais uma medida populista com o objetivo de levantar uma falsa bandeira política de igualdade".

Seria viável que fossem dadas oportunidades iguais a todas as pessoas, tanto de aprendizagem no ensino fundamental e no ensino médio, quanto de concorrência e oportunidade no processo de vestibular. Afinal, se o acesso ao ensino superior:

[...] faz parte do que os brasileiros consideram como um bem absolutamente necessário para a plena realização do ser humano, ele é devido a todos em virtude da dignidade da pessoa humana, independente da pertença a este ou aquele grupo étnico. Se ele não faz parte do núcleo daquilo que a sociedade brasileira considera indispensável à plena realização do ser humano, então ele não é devido a todos, e deve-se considerar qual é o critério da sua distribuição (BARZOTTO).

2.4O ensino superior no Brasil

Um fato marcante na política educacional brasileira depois de 1964, que marca a derrota das forças nacionalistas quem entretinham um projeto socialista para o país, foi a estagnação da rede de ensino público superior e a expansão do ensino privado em todos os níveis – fundamental, médio e superior.

Deve-se ressaltar, entretanto, que a solução dada pelos governos militares ao "problema educacional" nacional, não foi alterada pelos 4 governos democráticos após de 1985. De acordo com o Ministério da Educação, a rede privada de ensino superior, que já congregava 59% dos alunos em 1985, passou a concentrar 62% em 1998. Sendo que o ensino público superior se expandiu apenas mediante a criação de universidades estaduais ou municipais, mas em número insuficiente paracontrabalançar a retirada de investimentos na expansão da rede pública federal. De fato, a presença do governo federal na educação superior, medida em termos de alunado, caiu de 40% em 1985, para 19% em 1998.

Assim, se o problema de escassez de vagas no ensino superior foi parcialmente compensado pela rede privada, formou-se, com o tempo um novo problema, pois a expansão do ensino privado fundamental e médio originou o crescimento da "qualidade" do serviço ofertado, o mesmo não acontecendo com o nível superior, onde a iniciativa privada não se mostrou capaz de "alcançar" a rede pública em termos de "qualidade". Devido, sobretudo ao alto custo da formação acadêmica e da pesquisa científica que exigem grandes investimentos em recursos humanos e treinamento. No ensino fundamental, porém, a iniciativa privada foi capaz de atrair os melhores profissionais e, além disso, muitos destes se tornaram empresários no ramo. O ensino fundamental, assim como o ensino médio público, expandiu-se, mas, com certa precariedade.

Como conseqüência desta "precariedade" no ensino público fundamental e médio, fica evidente que os mais desfavorecidos financeiramente têm menos chance de passar no exame vestibular das universidades públicas devido à desigualdade na formação. Ficando então, a grande maioria das vagas mais acessível para membros de famílias de classe média e alta.

3. OS EFEITOS DA IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE COTAS PARA O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR

No Brasil é indigna a situação de desigualdade em relação à educação dos brancos, negros, pardos e minorias étnicas em todos os estágios da educação, não só no ensino superior. Essa mesma desigualdade vem a provocar a perpetuação da discriminação racial nas esferas de poder e também de obtenção de renda, uma vez que o ensino é o principal meio de ascensão social no país. Os dados demonstram que a presença de brancos nas universidades é quatro vezes maior que a de negros e pardos, a diferença é muito maior nos cursos mais concorridos, como medicina, por exemplo. Ainda mais assustador é observar as estatísticas do MEC ao analisar os dados dos formandos, onde 80% dos indivíduos que completam o ensino superior são brancos, e apenas 2% são negros.

É realmente preocupante. E sabe-se que algo tem que ser feito. Medidas têm que ser tomadas. É preciso agir. E mais que isso: É preciso usar o máximo de responsabilidade para que seja mantida a lei em busca do lema que preza a bandeira nacional "Ordem e progresso". Ao se lançar mão de Ações Afirmativas para a solução de problemas sociais, é preciso considerar todos os fatores, pois, não se pode solucionar um problema gerando outro. Afinal, diversos são os impactos que a adoção do sistema de cotas raciais pode gerar.

3.1 No contexto social

De acordo com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, sendo que 70% são negros; são 53 milhões de pobres no Brasil, onde 63% são negros.

É óbvio que após a abolição da escravatura os negros continuaram "acorrentados", afinal, não tinham oportunidades de progresso. Diversos foram os obstáculos. Muitos ainda existem. E muitos continuarão ainda a existir, sobretudo porque a raça humana tende a apresentar preconceitos. A necessidade de mudança é gritante, no entanto, é preciso tomar soluções que realmente venham a beneficiar as grandes massas de negros que estão amontoadas em favelas e subúrbios de todo o país e sequer tem direito a concluir o ensino básico, muito menos chegar à universidade.

Não se espera que a injustiça e a discriminação para com os afro-descendentes continuem a se propagar, tanto que qualquer manifestação de racismo é tida como crime no Brasil. No entanto, não se pode esperar resolver todos os problemas sociais, econômicos e morais dos cidadãos negros apenas oferecendo um número de vagas em universidades. Essa medida seria a solução para a existência da discriminação?O fato de um indivíduo ingressar na faculdade por si só já muda a vida de uma pessoa? É já, garantia de ascensão social, sucesso profissional e financeiro? Se fosse, como explicar o fato de existir no país uma enorme quantidade de graduados desempregados? (Isso, independente da cor da pele). E os tantos outros afro-descendentes que não conseguirem chegar à universidade, como ficarão?

Para Magnoli2, a reserva de vagas para negros seria contrária à democracia. "As cotas são uma solução simplista, que rompe com o princípio republicano básico de igualdade entre os cidadãos". De acordo com ele, os negros não têm acesso ao ensino superior porque, na maioria dos casos, são pobres e passaram anos estudando em escolas públicas arruinadas. Em vez de cotas, o Estado deveria aumentar os investimentos no ensino público. Assim, em poucos anos, os negros passariam a ocupar as melhores vagas nas universidades. O efeito produzido pelas cotas é positivo ao aumentar o número de negros nas universidades, mas não garante a supressão da exclusão:

Colocar um punhado de negros nas universidades por meio de cotas não resolve o problema social. Beneficia apenas aqueles indivíduos que entram. A mim, me espanta que pessoas de esquerda defendam as cotas. O pensamento esquerdista se baseia na idéia da universalidade de direitos. Só o pensamento ultraliberal não vê os indivíduos como um conjunto de cidadãos, mas sim de consumidores. No interior desse conceito é que surge a idéia de políticas compensatórias, para corrigir desvios de mercado. (Magnoli)

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2Demétrio Magnoli, doutor em geografia humana

Para Yvonne Maggie, a implantação das cotas raciais não promove a inclusão nem resolve as desigualdades que existem no país: "A sociedade é dividida em classes e é aí que reside a fonte de toda a desigualdade. O Brasil optou por um sistema econômico altamente concentrador de renda. Sem lutar contra isso, sem lutar pela igualdade de direitos e pelos direitos universais não há como construir uma sociedade mais igualitária e justa". Maggie diz ainda que projetos como esses devem ser considerados inconstitucionais, pois dividem a sociedade brasileira — para efeito de distribuição de direitos — em brancos e negros.

Não é uma questão de cor de pele. Este é um problema que vai além. Não se pode buscar estatísticas se preocupando em apresentá-las aos demais países e idealizar um Brasil que está reparando injustiça aos negros só porque está "oferecendo-lhes" a oportunidade de ingressar em universidades através de cotas.

A questão envolve também as condições sócio-econômicas. Há um número muito grande de afro-descendentes que pertencem a famílias de baixa renda. Muitos vivem abaixo da linha da pobreza, lutando arduamente pela sua sobrevivência e em muitos casos nem foram alfabetizados. Então, não podem ingressar em uma universidade, com ou sem cotas. É preciso zelar pela educação desde a sua base. E dar continuidade. E, além disso, também há que se pensar em como mudar essa realidade de pobreza e marginalização desses indivíduos, oferecendo-lhes o direito de ter uma vida mais justa, digna e participativa na sociedade. Garantindo-lhes não só educação, mas também moradia, alimentação, trabalho, lazer, etc.

Quando se fala em 'tratar desigualmente os desiguais' o jurista está, em princípio, falando em desigualdades superáveis como aquelas que dividem pobres e ricos. Deve-se tratar desigualmente os que têm menos, os pobres, para que deixem de ser pobres. Mas a frase usada no sentido dos marcadores raciais significa perpetuar e fundar uma identidade racial que, ao contrário da pobreza, não é algo que se possa descartar depois de ter sido imposta pelo Estado. Pobres deixarão de ser pobres e esse é o objetivo do tratamento diferencial. Mas quem deixará de ser negro depois de ser obrigado a assim se definir para ser merecedor de um direito? (MAGGIE).

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3 Patrícia Costa é editora de jornalismo do programa Nós da Escola, da Multirio.

Para O Ministro Ayres Brito chegou a declarar-se a favor das cotas por defender que "a verdadeira igualdade é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais".

Yvonne Maggie, afirma que projetos como esse são inconstitucionais, pois dividem a sociedade brasileira — para efeito de distribuição de direitos — em brancos e negros. Ela afirma que uma frase como essa poderá nos assombrar no futuro.

Maggie entregou, juntamente com 130 intelectuais, um documento ao Ministro Gilmar Mendes, em maio, condenando a política de cotas raciais, intitulada"Carta de Cento e Treze Cidadãos anti-racistas contra as leis raciais.

É possível dizer que os que dispõem de melhores condições financeiras tendem a estudar nos melhores colégios particulares, a fazer os melhores cursinhos e certamente ocupam as primeiras colocações nos vestibulares mais concorridos. Logo, as cotas tiram vagas de estudantes de classe média, sendo "entregues" para outros estudantes, também de classe média. Os mais ricos continuam se preparando bem para ingressar nas melhores instituições enquanto os mais pobres continuam sem "alcançar" o mundo acadêmico.

Citada por Patrícia Costa3, Maggie diz que as políticas de cotas são um remédio errado para um diagnóstico falso. Segundo sua análise, oproblema équeas universidades públicas precisam democratizar o acesso e, para isso, deve-se mudar a forma de ensinar e buscar uma educação de massa de qualidade desde o ensino básico:

A Universidade de Buenos Aires tem cerca de 300 mil estudantes. Ela sozinha atende, portanto, mais da metade do número de estudantes que estudam na totalidade das universidades públicas no Brasil. Isso é um dado que não se discute porque significa que nossas universidades públicas não querem mais alunos, não querem enfrentar a democratização do acesso. (MAGGIE).

Citados ainda por Patrícia Costa é possível acompanhar um "duelo" entre especialistas no assunto, não se pode deixar de considerar a opinião destes:

Gilberto Freyre disse que ninguém liberta ninguém e ninguém se liberta sozinho. A gente só se liberta pela comunhão. Se promovermos ações afirmativas em comunhão, todos sairão ganhando. Ter essa diversidade como um valor nosso é a principal vantagem da política de cotas", defende Renato Ferreira.

Yvonne Maggie, por sua vez, argumenta que não devemos abandonar o princípio de universalidade de direitos: "Se não seguirmos uma lógica razoável de pensar e viver com base nos princípios universais não seremos uma sociedade justa e igualitária. São esses princípios que fazem com que o Brasil possa se tornar um país que ensina ao mundo que há um caminho a seguir, o caminho da democracia, da igualdade de todos diante das leis."

A sociedade segue dividida. Afinal, o tema é bastante polêmico. Diversas são as opiniões. Cada qual quer defender seu ponto de vista e mostrar que tem razão. Dados os fatos, não se pode esquecer histórias que fomentam essa disputa.Como a que foi citada pela Revista Época4: A história do funcionário da Petrobras, o carioca Thiago Lugão. Aos 24 anos, é formado em engenharia de produção no CEEFET - Centro Federal de Educação Tecnológica.

No entanto, no ano de 2002, Thiago foi classificado em 14º lugar no vestibular da UENF - Universidade do Norte Fluminense, onde eram oferecidas 20 vagas para o curso de engenharia de exploração e prospecção de petróleo. Na prova de física, que tinha o de 20 pontos, Lugão tirou 14,20. Ainda assim, viu concorrentes que tiraram 0,25 conseguir a vaga na sua frente, porque se declararam negros. Convencido de que sofrera uma injustiça, recorreu aos tribunais. No ano passado, a Justiça decidiu que ele tinha razão. Porém Thiago Lugão já estava formado em outra universidade e pós-graduado. Hoje, ganha menos da metade que colegas formados no curso que ele queria.

A Revista Época4 traz também a opinião de Magnoli e reforça que, se for discutida como uma questão educacional, a instituição das cotas esconde seu real alcance para o país. Não se trata apenas de reparar injustiças contra estudantes negros ou índios. Se for aprovado na comissão e no plenário do Senado, o projeto criará a primeira lei racial do Brasil em 120 anos de história republicana. " A criação

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4(Época  Nº 568 – 06 de Abril de 2009) Cotas para quê? Reservar vagas para negros e índios ou estudantes pobres nas universidades públicas não resolve uma injustiça histórica – e cria ainda mais problemas

de cotas raciais não vai gerar problema para a universidade, mas para o país", afirma Magnoli: "A partir do momento em que o Estado cria a raça, passa a existir também o racismo."

3.2 No contexto acadêmico

Um dos questionamentos em relação ao regime de cotas raciais refere-se à operacionalização do sistema e seus reflexos para a Universidade enquanto produtora, disseminadora e socializadora do conhecimento. Não se pode colocar em risco o potencial do futuro pesquisador, especialista ou profissional da área.

Levando-se em consideração que as médias dos cotistas são inferiores as universidades, será que as universidades vão conseguir abraçar os alunos cotistas (que obviamente tiveram médias inferiores ao não-cotistas) sem comprometer a qualidade do ensino?

Outro problema tão grave quanto à quantidade de negros que conseguem ingressar no ensino superior brasileiro é o número de desistência e abandonos. Com base no Censo 2006 do INEP é possível apontar que 21,7% dos alunos evadiram do sistema de educação superior por desistência, abandono ou trancamento de matrícula.

Como a maioria dos negros brasileiros é pobre, é provável que boa parte desses estudantes tenha dificuldades em se manter nas universidades, mesmo que públicas. Há despesas de transporte e alimentação e também os custos de materiais didáticos. Em algumas áreas, como a saúde, o preço desse material didático chega a ser absurdo.

O aluno que já é carente, na universidade terá ainda mais gastos. Como ele vai fazer para se manter? É preciso pagar passagem, alimentação, fotocópias. De acordo com Oscar Hipólito, a evasão é um problema muito sério, que envolve fortes componentes financeiros. Nas instituições públicas, há um custo muito grande por aluno, que é desperdiçado quando ele sai do sistema. Segundo ele, a evasão no Brasil teve um custo estimado de R$ 6 bilhões em 2006. "É um dinheiro jogado no lixo".

Tendo em vista que a universidade é o local onde deve ser construído e trabalhado o conhecimento científico, admitir as cotas como meio facilitador ao ingresso de quaisquer grupos sociais termina gerando revolta de outros. É possível entender que o problema da educação no Brasil não reside, de forma alguma, em nível superior, mas na educação básica. Portanto, para que haja o ingresso justo e eqüitativo às universidades, é necessário que medidas sejam tomadas visando ao aprimoramento da educação básica, fundamental e média no país.

Tudo isso poderia ser atingido através da melhoria de escolas públicas, capacitação de professores (com remuneração condizente com a importância da categoria) e o estímulo à prática da educação como possibilidade de promoção sociocultural.

3.3Contexto Jurídico

Há que se considerar dois valores socialmente relevantes na implantação do sistema de cotas para o acesso ao ensino superior: A necessidade de reparação histórica aos negros e a necessidade de preservar o ensino de qualidade e sistema do mérito na universidade. Tais valores se encontram em contraposição, o que o Direito Constitucional determina o uso da Técnica de Ponderação de valores.

Considerando que ação afirmativa é uma estratégia de enfrentamento de desigualdades e que é toda política voltada para a correção de desigualdades sociais geradas ao longo do processo histórico de cada sociedade. Então, se essa desigualdade social existe por causa da cor da pele como é o caso do Brasil, justifica-se o discrímen com base na cor, assim como poderia ser em qualquer outra característica que fosse a causa da desigualdade, gerada ao longo de um processo histórico, como a escravidão e suas conseqüências na sociedade brasileira.

Em artigo publicado, o assessor jurídico Filipe Mallmann, afirma que a sociedade está muito longe de poder ser considerada igualitária. Dessa forma, somos forçados a nos apegarmos ao conceito da eqüidade, de Aristóteles, o qual, em síntese, baseava-se em tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais na proporção de sua desigualdade, para que assim pudéssemos chegar a um equilíbrio.

Dessa forma, podemos determinar que, as cotas raciais oferecem inconstitucionalidade. No entanto, seguindo o raciocínio aristotélico, estamos partindo da desigualdade para enfim nos aproximarmos da igualdade e junto com isso minimizarmos uma dívida impagável que todos nós, como sociedade, temos com a raça negra que foi tão segregada, oprimida e discriminada durante séculos.

É importante ressaltar que o principio da interdição de discriminação, pela cor inclusive é claro no seu enunciado, ao dizer que um dos objetivos fundamentais da república é promover o bem de todos sem "preconceitos", o que passa a mensagem que não seria aceitável uma ação cujo objetivo fosse de exclusão por causa da cor, ou seja, por preconceito, e não de inclusão de alguém, que, por causa da cor está excluída socialmente.

Bandeira de Melo define o Princípio de Igualdade:

Em síntese: a lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na categoria diferenciada. (MELLO:1984, p. 39).

Assim, ainda de acordo com o autor, entende-se que o Princípio de Igualdade, mais que uma expressão do Direito, é uma maneira digna de se viver em sociedade, onde visa num primeiro momento "propiciar garantia individual" e num segundo "tolher favoritismos".

Ao contrário do direito constitucional americano, no qual os debates centrais se dão em torno do conceito de igualdade, o direito constitucional brasileiro se articula em torno do conceito de dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III). Em termos de teoria da justiça: ao passo que a constituição americana pode ser vista como um esforço por realizar a idéia de igualdade presente no conceito de justiça particular (distributiva e comutativa) a constituição brasileira tem na justiça social, fundada na idéia de dignidade da pessoa humana, o cerne do seu ideal de justiça. (BARZOTTO, 2008)

Sabe-se que o Brasil é um país miscigenado, onde a idéia de "raça" é, no mínimo, conflituosa. Em um país marcado pela miscigenação desde o início, quando essas Terras ainda não tinham o nome de Brasil, e viram índios nativos, brancos europeus e negros africanos formarem o povo brasileiro, quem é branco, índio ou negro simplesmente aqui?

Renato Ferreira defende que a idéia de raça nos projetos de ações afirmativas não tem sentido biológico:

A ciência já comprovou que somos todos de uma só raça, a humana. Mas quando falamos em cota racial, estamos nos referindo a uma visão das Ciências Sociais que, durante muito tempo, usou o conceito de raça da Biologia para discriminar as pessoas. Fizeram isso com os judeus, negros, ciganos, indígenas. Quando surgem ações afirmativas, é preciso pensar que a raça está presente na avaliação do que você aparenta ser. É um conceito de raça do ponto de vista do contexto histórico-social. E é inegável que, no Brasil, é esse tipo de racismo que os negros vêm sofrendo há séculos.

4. AS COTAS OFICIALIZAM O RACISMO?

4.1 Racismo, preconceito e discriminação

Os termos: racismo, preconceito e discriminação são tidos como sinônimos. Para Santos (2002) racismo e preconceito são os modos de ver um determinado grupo, enquanto a discriminação é uma ação no mundo físico - seja manifestação ou comportamento, que prejudique uma pessoa ou um grupo de pessoas devido a uma característica peculiar (como a cor, sexo, compleição física, etc). "Quando o racista ou o preconceituoso externaliza sua atitude, agora transformada em manifestação, ocorre a discriminação" (Santos apud JACCOUD e BEGHIN, 2002, p. 38).

Pode-se conceituar a discriminação como toda e qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito anular a igualdade de oportunidade e o tratamento entre indivíduos ou grupos. Logo, há discriminação:

"sempre que uma pessoa seja impedida de exercer um direito (ao trabalho, por exemplo), por motivos injustificados, arbitrários, racistas, não podendo usufruir as mesmas oportunidades e o mesmo tratamento de que gozam outras pessoas, em função da raça, sexo, idade ou qualquer outro critério arbitrário" (Silva Jr. apud JACCOUD e BEGHIN, 2003, p. 39).

Pode-se dizer que se tratam de fenômenos distintos. Associa-se racismo com a idéia de superioridade racial de um grupo para outro, sendo este imbuído de uma deficiência moral ou intelectual. Já o preconceito caracteriza-se pela construção mental ou afetiva de uma idéia negativa sobre um determinado grupo, tendo como ponto de partida a estrutura moral do sujeito que o julga.

De acordo com a Wikipédia, é possível definir o racismo como uma tendência do pensamento, ou do modo de pensar em que se dá grande importância à noção da existência de raças humanas distintas e superiores umas às outras, onde existe a convicção de que alguns indivíduos e sua relação entre características físicas hereditárias, e determinados traços de caráter e inteligência ou manifestações culturais, são superiores a outros. O racismo não é uma teoria científica, mas um conjunto de opiniões pré concebidas onde a principal função é valorizar as diferenças biológicas entre os seres humanos, em que alguns acreditam ser superiores aos outros de acordo com sua matriz racial. A crença da existência de raças superiores e inferiores foi utilizada muitas vezes para justificar a escravidão, o domínio de determinados povos por outros, e os genocídios que ocorreram durante toda a história da humanidade.

Ainda com base na Wikipédia, há que se considerar que o racismo tem assumido formas muito diferentes ao longo da história. Na antiguidade, as relações entre povos eram sempre de vencedor e cativo. Estas existiam independentemente da raça, pois muitas vezes povos de mesma matriz racial guerreavam entre si e o perdedor passava a ser cativo do vencedor, neste caso o racismo se aproximava da xenofobia.

Na Idade Média, desenvolveu-se o sentimento de superioridade xenofóbico de origem religiosa. Quando houve os primeiros contatos entre conquistadores portugueses e africanos, no século XV, não houve atritos de origem racial. Os negros e outros povos da África entraram em acordos comerciais com os europeus, que incluíam o comércio de escravos que, naquela época, era uma forma aceite de aumentar o número de trabalhadores numa sociedade e não uma questão racial.

No entanto, quando os europeus, no século XIX, começaram a colonizar o Continente Negro e as Américas, encontraram justificações para impor aos povos colonizados as suas leis e formas de viver. Uma dessas justificações foi a idéia errônea de que os negros e os índios eram "raças" inferiores e passaram a aplicar a discriminação com base racial nas suas colônias, para assegurar determinados "direitos" aos colonos europeus. Àqueles que não se submetiam era aplicado o genocídio, que exacerbava os sentimentos racistas, tanto por parte dos vencedores, como dos submetidos.

 De acordo com Chaves (2004), na sociologia e na antropologia contemporâneas não há mais espaço para considerar, entre seres humanos, uma "raça superior" ou outra "inferior", como faziam os nazistas em relação aos judeus ou mesmo os caucasianos em relação aos nativos da África ou da América. Sendo as diferenças miseravelmente aparentes: cor de pele devido à maior incidência de raios solares em certos pontos do planeta fazer com que a seleção natural beneficiasse os melhor adaptados, aqueles que têm uma quantidade maior de melanina na pele; aqueles que vivem em regiões com maior incidência de tempestades e ventos fortes viram os melhor adaptados, com olhos mais fortes e resistentes, tivessem melhor sucesso em sua adaptação e assim por diante – a força física e a capacidade intelectual é rigorosamente a mesma em toda a espécie humana.

Ainda de acordo com Chaves, a definição clássica de etnocentrismo é considerar a própria cultura ou civilização como superior ou, no limite, a única válida. Assim como o massacre dos índios americanos, a escravização dos negros, o neocolonialismo e mesmo as guerras deste século contra os muçulmanos do Afeganistão e do Iraque. Logo, não se pode mais falar em "raças" quando nos referimos à espécie humana. Deve-se preferir o termo "cultura", sendo "etnia" um termo técnico a ser usado com muito cuidado. Já ouvi erros grosseiros de expressão, como "etnia negra" ou "etnia japonesa", uma forma mal disfarçada de racismo.

De acordo com a socióloga, Maria das Dores Silva5, a sociedade contribui para que o preconceito seja voltado para os negros. Durante a colonização do Brasil, as terras foram tiradas do poder dos índios, que se viram obrigados a trabalhar. Como não houve uma adaptação visto que recusaram a escravidão, os brancos europeus pensaram que a solução deveria ser supri-los pelos escravos africanos. Assim, de maneira tosca os negros foram arrancados de sua pátria e trazidos para as Américas.

Nenhuma vantagem lhes foi oferecida e mesmo depois da abolição, em 1888, os negros não "se libertaram". A partir desse período pode-se considerar que houve intensificação do preconceito. "O conflito pessoal começa quando a raça branca faz algum tipo de comentário sobre o passado dos índios ou negros, por causa da escravidão".(SILVA)

A Constituição de 1988, em seu art. 5º - inc. XLII passou a considerar a prática do racismo como crime inafiançável e imprescritível. A discriminação e a prática de atos de preconceito racial de qualquer natureza.

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5 Professora da Universidade de Uberaba.

O jurista, Alexandre de Moraes, ressalta a importância de tratar o princípio da igualdade com cautela, analisando a situação com objetividade e razoabilidade: a desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não-discriminatórias, torna-se indispensável uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos.

Concordar com a implantação do sistema de cotas para ingresso nas instituições de ensino superior, utilizando como critério de classificação a cor da pele fere os preceitos fundamentais da Norma Constitucional Brasileira.

Celso Antonio, sobre o princípio da isonomia:

IGUALDADE E OS FATORES SEXO, RAÇA, CREDO RELIGIOSO: Supõe-se, habitualmente, que o agravo à isonomia radica-se na escolha, pela lei, de certos fatores diferenciais existentes nas pessoas, mas que não poderiam ter sido eleitos como matriz do discrímen. Isto é, acredita-se que determinados elementos ou traços característicos das pessoas ou situações são insuscetíveis de serem colhidos pela norma como raiz de alguma diferenciação, pena de se porem às testilhas com a regra da igualdade. Assim, imagina-se que as pessoas não podem ser legalmente desequiparadas em razão da raça, ou do sexo, ou da convicção religiosa (art. 153, §1º, da Carta Constitucional) ou em razão da cor dos olhos, da compleição corporal, etc.

Celso Antonio Bandeira de Mello faz reflexões através de questionamentos objetivando entender a igualdade:

Em suma: qual o critério legitimamente manipulável – sem agravos a isonomia – que autoriza distinguir pessoas e situações em grupos apartados para fins de tratamentos jurídicos diversos? Afinal, que espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminação de situações e de pessoas, sem quebra a agressão aos objetivos transfundidos no princípio constitucional da isonomia? Só respondendo a estas indagações poder-se-á lograr adensamento do preceito[...] (MELLO, 2009.p11)

Não se espera uma criação de direito de "raças", e sim a abolição total do racismo. E isto significa lutar pela "desracialização" das práticas sociais. Sendo necessário repelir qualquer medida de classificação racial pelo Estado com vistas a estabelecer um tratamento diferencial por "raça". Não se pode pretender combater o racismo com a "racialização" oficial da população.

José Roberto Militão6 tem desenvolvido uma grande discussão contrária as cotas raciais, por entendê-la discriminatória e inconstitucional. Em um discurso feito no Senado Federal Brasileiro, quando se discutia o Projeto de Lei N.º 180/08 (Sistema de Cotas Raciais nas Universidades Federais Brasileiras), o advogado declarou:

Nós, negros brasileiros, não desejamos ter um tratamento separado, nós não desejamos ter um status jurídico separado, distinto, nem para ser excluído, como lembrou o Frei David em outros Estados, mas também para ser incluído. E para fazer uma inclusão através de legislação do Estado é necessário excluir alguém, dois corpos não ocupam o mesmo espaço. Nós aprendemos em física. Não se faz uma inclusão pelo aspecto racial sem fazer uma exclusão pelo aspecto racial. Daí está o problema que merece reflexão e que merece o debate.

Muitos negros brasileiros se mostram contrários às cotas, seja por julgar que se trata de uma espécie de humilhação, ou mesmo por acreditar que não precisam de cotas para conseguir acesso ao ensino superior. Afinal, as vagas devem existir para todos de maneira igualitária, afinal, todos têm capacidade.

Militão escreveu em recente artigo publicado, intitulado "Afro-brasileiros contra as leis raciais:

As ações afirmativas não fazem reparações do passado, não fazem cotas estatais, mas atuam com eficácia para que as discriminações históricas não persistam no presente. Portanto, os afro-brasileiros precisam de políticas públicas de inclusão, indutoras e garantidoras da promoção da igualdade, e não das cotas de humilhação.

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6 militante histórico do movimento negro, advogado,membro da Comissão de Assuntos Antidiscriminatórios - Conad-OAB/SP e ex secretário geral do Conselho da Comunidade Negra do governo do Estado de São Paulo (1987-1995).

Acredita-se que é preciso melhorar as condições dos de famílias carentes, assim como oferecer melhoras na educação, tanto no Ensino Fundamental I e II, quanto no Ensino Médio, é possível oferecer cursos preparatórios para os jovens, independente de etnia. Porque todos devem ser vistos como cidadãos brasileiros. AConstituição Federal deve ser a inspiração para as decisões que regem a nação, logo, e a mesma vê todos cidadãos como iguais, logo, acredita-se que é inconstitucional reservar vagas baseados na cor da pele.

5. CONCLUSÃO

Pensar em mudanças que venham a trazer melhorias às condições em que se encontram os brasileiros, sobretudo os das classes sociais mais desfavorecidas, é louvável. No entanto, é preciso que todas as medidas tomadas sejam minuciosamente pensadas e decididas em acordo com os princípios legais da Constituição Federal, para que não se comentam injustiças de algum modo. Bastam já todas as injustiças que foram feitas no decorrer da formação da própria história do povo brasileiro.

Desde o início da colonização do nosso país, diversos atos racistas foram empregados na tentativa de fazer beneficiar a alguns. Muitos foram prejudicados. Sobretudo negros e índios. Ainda hoje se sabe que os reflexos dessa colonização baseada em violência e injustiças são detectáveis na sociedade.

Nota-se, claramente que há distinção entre as oportunidades oferecidas a brancos, negros e índios em nosso país. As condições que foram oferecidas aos brancos europeus nem de longe se assimilavam às iniqüidades a que os negros e os índios foram submetidos.

Hoje os índios se reduziram a pequenas comunidades quase que "invisíveis". E lutam para se manter "vivos" na história da pátria, em que eles quase não têm espaço, vez e nem voz.

Os afro-descentes, como julgam hoje ser conveniente chamar, em sua grande maioria se aglomeram em subúrbios, favelas, e bairros humildes de classe média baixa, muitas vezes ainda privados dos seus direitos básicos.

No entanto, não se pode achar que a melhor maneira de mudar a realidade socioeconômica do nosso país é oferecendo vagas nas instituições de ensino superior a negros e índios. É preciso encarar o problema das desigualdades sociais no Brasil como um problema que não tem cor de pele, e sim, como um problema que afeta diretamente toda a nação. Brancos não são melhores nem piores que negros ou índios. E vice-versa. Faz-se necessário levar em consideração que somos todos iguais perante a Lei. E as mesmas condições devem ser oferecidas.

Não se pode ignorar que a prática do sistema de cotas raciais pode levar a prejudicar muitos que não se declaram negros, ou afro-descendentes. E será que é isso que queremos? Gerar outros tipos de conflitos? Gerar outras formas de preconceito e discriminação?

Todo cidadão tem o direito constitucional de não sofrer desvantagem, pelo menos na competição por algum benefício público, porque a raça, religião ou seita, região ou outro grupo natural ou artificial ao qual pertença é objeto de preconceito ou desprezo. (DWORKIN, 2000, p.448).

Espera-se que independente da cor da pele, o Brasil possa lutar para ter uma educação de qualidade e cidadãos bem formados e instruídos para realmente oferecer melhorias à nação no quadro internacional do ponto de vista sócio-educacional. Se há a intenção de eliminar o racismo, de acabar com as injustiças e fazer valer o direito igual a todos, então por que investir na adoção de um sistema de cotas baseado na cor da pele das pessoas?

O sistema de cotas termina por ocasionar o mesmo tipo de repúdio que o racismo causa; o mesmo tipo de sentimento de injustiça causado pelo preconceito contra as pessoas diferentes, o que é abominado pelos que se colocam favoráveis à implantação do sistema de cotas, passa a ser utilizado por eles próprios. Afinal, condena-se um passado de descriminação e busca-se oportunidades para os descendentes de injustiças sociais. E de que maneira? Realizando outro tipo de injustiça?

Devemos lutar contra a realidade que faz do Brasil um país de minorias privilegiadas, para que sejamos um país de que se preocupado realmente com os menos favorecidos, marginalizados e excluídos.O que deve ser combatido é o número reduzido de vagas nas universidades públicas; é a qualidade do ensino fundamental e médio; é a real importância que se tem dedicado à educação em nosso país; é a postura diante do "descaso com a educação",

É preciso tomar cuidado para que a medida da implantação do sistema de cotas não se trate de política, ou seja, para que não venha a ser uma medida paliativa, já que a questão não é inserir o negro ou o estudante oriundo da escola pública na universidade de qualquer forma, como acontece hoje com tal medida, mas o X da questão educacional atualmente e porque não dizer desde sempre, está no ensino infantil e fundamental que são os pilares da educação, e os quais são precários e sem estrutura pedagógica, deixando a desejar principalmente nas escolas públicas.

E quanto ao número baixo de negros no ensino superior, não se deve ao fato de serem "negros" e possuírem uma história de desigualdade, mas sim pelo fato de estarem inseridos na grande parcela de pessoas carentes e conseqüentemente que freqüentam e dependem do ensino público. Logo, conclui-se que não se trata de uma questão é racial, mas sim social.

Consideremos, por exemplo, as médias para aprovação no ensino fundamental e médio da escola pública, sabe-se que tende a ser 5,0. Dessa forma, como poderemos ter aprovação satisfatória num vestibular convencional através do ensino público num sistema educacional que tem aprovação automática e mantém uma média que pouco exige dos alunos? Em contrapartida nas escolas privadas a média é 7 e a estrutura pedagógica é bem superior, dessa forma os bem sucedidos e que podem custear tais colégios, acabam entrando na universidade e abarcando a maioria das vagas oferecidas.

Perguntamos-nos: é injusto? Até certo ponto sim, olhando mediante a grande desigualdade social que assola nosso país, mas se pararmos para pensar através dos direitos constitucionais, há pagamento de impostos assim como "pobres, negros, indígenas, amarelos e etc", e por esse motivo têm o mesmo direito às vagas oferecidas.

Seria necessária uma real preocupação em oferecer igualitariamente o acesso ao ensino superior. Cabendo às autoridades competentes investirem na educação como um todo, um sistema integrado, no qual cada nível depende do outro, e não criando simplesmente políticas afirmativas inspiradas em modelos estrangeiros sem estudar antes os impactos positivos e negativos que possam vir a afetar a sociedade brasileira.

Para Silva, o princípio da coexistência de escolas públicas e privadas é fundamental para a superação da dicotomia entre o público e o privado, uma vez que, sendo a educação um direito de todos, portanto, um bem comum, que abrange os processos formativos desenvolvidos em diferentes ambiências sociais, a começar pela vida familiar, passando pela convivência humana, pelo mundo do trabalho, pelas escolas, pelos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e chegando às manifestações culturais, não existe, a rigor, uma contradição entre a busca de uma escola pública de boa ou alta qualidade e o incentivo à expansão da escola privada.

.Deveria haver investimento na formação, nos recursos didáticos e pedagógicos, na infra-estrutura das escolas, oferecendo um salário digno aos professores, além de condições adequadas, tanto físicas, quanto psicopedagógicas, para que a aprendizagem se perpetue.

Começando por esses requisitos, não haveria necessidade de se criar cotas de nenhuma espécie, isso sem contar no cunho preconceituoso que existe por trás do sistema de cotas, mas que muitas vezes não se observa.

Essa política é uma ação benéfica para um grupo até então tido como marginalizado por estar fora da universidade. Mas será que o negro, o indígena ou o estudante da rede pública são menoscapacitados perante os demais alunos que se classificam pelo ingresso convencional nas universidades? O que falta é a oportunidade para que todos tenham as mesmas chances iguais de competir e ingressar na universidade.

Considerando sempre que um dos fundamentos da República Democrática de Direitos, que consiste em estabelecer que todos são iguais perante a lei, previsto no Caput do Art. 5º da Constituição. Concebido a partir da máxima Aristotélica que consiste em "Tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades", complementado por Celso Antonio Bandeira de Mello.

O principio da igualdade converte-se mais num regulador das diferenças que numa regra de imposição da igualdade absoluta e em todos os planos, sua função é mais auxiliar a discernir entre as "desigualizações aceitáveis e desejáveis e aquelas que são profundamente injustas e inaceitáveis, na visão do constitucionalista Oscar Vilhena Vieira.

E que a Equidade é meio de interpretação por excelência, de todas as leis, sem exceção, que engloba e permeia todos os métodos de interpretação de quaisquer normas jurídicas. Pode se dizer também que é sentimento de justiça, em atenção a valores vigentes em uma sociedade, que inspira a interpretação da ordem jurídica para que ela expresse concepções relevantes que informem o ordenamento jurídico. (Dicionário Jurídico Referenciado – Ivan Horcaio).

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARZOTTO, Luis Fernando. Justiça Social – Gênese, estrutura e aplicação de um conceito. Revista Virtual da Presidência da República. 2008. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_48/Artigos /ART_LUIS.htm> consulta em: 19/09/2009.

BERNARDINO, Joaze. Ação afirmativa e a rediscussão do mito da democracia racial no Brasil. Rio de Janeiro: Estudos Afro-Asiáticos, Ano 24, nº 2, 2002.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 29. ed. atual. e amp. São Paulo: Saraiva, 2002.

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Autor: MARLON CARVALHAL


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