NA TRILHA DA MATA



Abel Aquino

 

Vou caminhando pela trilha estreita da floresta. Não preciso ter pressa. Vejo pedras de um lado e do outro, algumas apontam suas quinas para dentro da trilha e nossas pernas passam por elas com cuidado. Não há ruido de estranho nessa hora. O sol está no ponto mais alto do céu e as folhas das árvores repicam a luz e deixam chegar ao solo somente pedaços disformes de claridade. As folhas mortas estão cobrindo o solo e eu forço a ponta da bota no solo para levantar essa folhas e ver a cor da terra.

Escolho um tronco caido para sentar e fico olhando a minha volta. Observo o  movimento das folhas mais altas sobre a pressão do vento. Um pássaro voa de um galho para outro. Neste momento não consigo pensar, lembrar de vozes, de gritos de gente. Estou usufruindo do aroma das ervas e dos gorjeios da natureza.

Meu avô gostava de contar para as crianças as coisas da mata, dos encontros de bichos e homens e a gente ouvia embevecida. Ele sentava ao lado do fogão de lenha, olhava para nossas caras de meninos curiosos, levantava o dedo e falava de fatos e aventuras quase fantásticas. A floresta tornou-se, em nossa imaginação, o reino das histórias quase homéricas, recheadas de casos, sustos e medo.

Mas hoje não tenho medo, não sinto aquela ânsia de imaginar os perigos e imprevistos que podem acompanhar um homem caminhando pelas trilhas da mata.

Tento imaginar como seria a vida de nossos ancestrais, habitando cavernas, desconhecendo ruas, avenidas, carros, arranha-céus, aviões, poluição e vida estressante. Viam apenas matas, ruidos de animais, cantos de passaros, trilhas, cachoeiras, vales verdes e montanhas pedregosas. Nós ganhamos outro mundo, talvez menos precário, mais confortável, com infinitas possibilidades de lazer e conhecimento, mas a que preço?

 Estamos perdendo aquele mundo que povoava nosso solitário ancestral? Há incompatibilidade de mundos? A cidade expõe o quanto o ser humano conseguiu recriar a natureza, adaptá-la às suas necessidades, moldá-la, construir cavernas coletivas, meios de se mover rapidamente por terram água ou por ar, controlar o ambiente, iluminar a noite e comunicar-se rápida e facilmente uns com os outros. Mas, enquanto o ser humano concentra-se em transformar a natureza em coisas mais úteis e práticas, sua mente, seus instintos também foram recriados? As fantásticas leis da aerodinâmica possuem seu equivalente nas leis da razão humana?

Daqui posso ver árvores mortas, raizes expostas, sem contudo abalar a presença da vida, uma diversidade quase impossível de quantificar. Esse região está admiravelmente preservada, tem poucas fazendas de gado, raras estradas de terra e só algumas habitações no fundo dos vales. O povo desse região não é do tipo empreendedor, cultivam terra só para subsistência e próximo à casa. É um povo meio índio. Contudo gosta de caçar e pescar. Agora mesmo ouço tiros de espingarda ao longe. Imagino o caçador abatendo a última cerva, quem sabe prenhe. Imagino a última representante e sobrevivente de sua espécie. Mas o caçador não tem essa consciência. Se não ver mais caça, aposenta sua espingarda sem especulação, sem preocupar com diversidade biológica, preservação de animais e plantas. Essa preocupação está presente mais comumente nos indivíduos da cidade. Esses mesmos que vivem na monotonia dos edifícios, das ruas asfaltadas, das praças mal conservadas.

A selva de concreto acorda em cada um de nós a nostalgia, a saudade ancestral do mato. Hoje somos todos ecologistas, queremos preservar ou, mesmo, restabelecer o que foi destruído. Queremos os rios limpos, os campos verdejantes, as montanhas sem terra exposta. Mas, lá no sertão qual é a consciência do caipira?

De qualquer forma, não trocaria a vida moderna e seus badulaques pela primitiva e romântica existência da era da pedra lascada. O animal humano brincou de Deus e construiu outro mundo para nele viver. E nós somos produto disso.

Mas gostaria de combater essa dicotomia, essa oposição entre a vida natural e a vida numa grande metrópole. Por que precisaria abrir mão de uma para abraçar a outra?

Eu poderia ir para a floresta portando um computador portátil, uma máquina fotográfica digital, roupas especiais para enfrentar a excessiva umidade, uma geladeira, um forno de micro-ondas e coisas táis, de não podemos mais abrir mão. No passado, a floresta nos enchia de medo mas sabíamos sobreviver nela. Hoje, uma grande e caótica cidade nos enche de medo mas sabemos sobreviver nela. Éramos ameaçados por animais predadores e répteis peçonhentos e agora corremos o risco de ser assaltados, de ser alvejados por balas perdidas, de ser atropelados por um veiculo desgovernado. O importante e que noventa e nove por cento de nós sobrevive.

O ser humano muda a natureza mas a natureza teima em continuar tomando conta dele. Nós modificamos as combinações de moléculas, as propriedades da matéria, os usos da terra, as funções da natureza, mas não conseguimos superar as mais elementares leis da vida.  

 


Autor: Abel Aquino


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