Perdi a Capacidade de Escrever



Em minha adolescência procurei ler bastante, me lembro que na escola, no período de quinta a oitava série era possível em um exíguo prazo de 50 minutos fazer os exercícios de Português que eram passados pela professora e, ao final, redigir uma redação – na maioria das vezes dissertativa, com temas e tamanhos variados.

 

Na época, talvez em função da prática, tais tarefas me pareciam naturalmente fáceis, não me exigiam “um raciocínio” tão profundo como me ocorre agora. Pois bem, o tempo foi passando e, naturalmente, tive que fazer algumas opções, tais como: fazer segundo grau técnico ou científico, começar a trabalhar ou continuar estudando, enfim aos 15 pra 16 anos fui obrigada a tomar decisões que refletiriam pelo resto da minha vida, sem ter a menor noção do tamanho desse reflexo.

 

Optei então por um curso técnico – intitulado na época “Técnico em Processamento de Dados”, nem sei se isso ainda existe. O curso não era de tecnicamente ruim, tínhamos Matemática, PD I, PD II, Análise de Sistemas I e II, Lógica, mais PD´s, Inglês técnico, Português técnico, mais matemática, enfim matérias relacionadas diretamente com a área.

 

Contudo, o ruim foram os motivos que me levaram a fazer tal curso, a total falta de opção e a necessidade de me manter financeiramente. Afinal, precisava de algo que me habilitasse para o trabalho, para que eu pudesse até mesmo manter meus estudos até a faculdade. O problema é que como não tinha a menor idéia do que se tratava, acabei por me meter em um ramo que a mim pareceu detestável.

 

Enfim acabou! Com minha formatura me senti vitoriosa - e totalmente iludida, vive alguns meses de alegria, porém com uma “faca no pescoço” afinal ainda tinha o vestibular pela frente. Em razão do desgosto pela informática – bastante rudimentar naquela época –  percebi que o projeto inicial em nada me atraia, não queria definitivamente continuar no ramo, apesar de parecer a todos bastante promissor.

 

Parti então para o segundo projeto, o vestibular... Vou fazer o que mesmo? Sei lá era tudo tão difícil, como havia feito segundo grau técnico não pude estudar as matérias mais cobradas nos vestibulares – biologia, química, física, português, inglês, matemática, história e.... redação, que medo de escrever, por que  a essas alturas eu só sabia falar em “tecniques”, eu havia deletado a literatura de minha mente.

 

Enfim, teria que recomeçar para que eu pudesse ficar entre os últimos, quem sabe entrar na “rabiola” do vestibular, e, para tanto, seria preciso primeiro optar por uma carreira, afinal, eu levaria aquela opção pro resto de minha vida. Que fiz então? Ouvi as vozes mais contundentes que me diziam: - “Ora! Como seus irmãos estão fazendo Direito, por que você também não faz?”, Confesso que nunca havia me visto como advogada, mas vamos de novo pela opção mais..., menos complicada. Estudei! Li! Escrevi! Passei! Nem fui tão mal assim.

 

Desse ponto em diante, fiz uma grande limpeza de arquivos em meu cérebro, fiz limpeza de cache, de memória RAM, de flash, abri espaço para as novas informações. Passei a ler livros jurídicos, petições, jornalzinho da OAB, notícias do judiciário, etc., e o “tequiniques” deu lugar para o “juridiques”, não sabia mais redigir sem começar por: Exmo. Sr. Dr. Juiz “de onde quer que seja”.

 

Não obstante às frustrações do dia-a-dia, ocasionado pelo desejo não realizado de conseguir redigir algo, em minha vidinha ia tudo muito bem, até que me deparei com minha primeira prova para concurso público. Isso mesmo, levada pela onda da instabilidade que vivemos, pelo desemprego e total falta de estímulo para continuar em “carreira solo” sai em busca do serviço público.

 

Comecei a estudar com afinco as matérias de Direito, afinal eram bastante abrangentes e teriam peso maior, releguei o Português – não por antipatia, mas sim, em razão das prioridades que defendia em minha estratégia – me preocupava com a redação, mas eu sequer sabia como estudar essa matéria, e não havia tempo para procurar um professor, daí optei em seguir meus instintos. Ora, havia estudado tanto, o Português é minha língua pátria, e mais, eu sou descendente direta de Portugueses, alguma coisa eu haveria de fazer.

 

Porém, eu estava “esfericamente enganada” quando me deparei com a prova de Português eu simplesmente não achava as respostas, tudo me parecia estranho demais e ao mesmo tempo certinho. Os textos usados para as questões de interpretação eram invejavelmente bem escritos, Carlos Drummond de Andrade, que até então admirava tanto, me deixou amedrontada com sua poesia, parecia que eu ia afundar na cadeira, me senti como uma verdadeira idiota diante daquela prova; a redação então, nada de bom me vinha à cabeça, somente “Exmo. Sr. Dr. Juiz....”.

 

Nesse dia percebi que eu não sei Português, não sei escrever, não sei ler, sou totalmente analfabeta e, pior, tudo que eu havia estudado até então não me valia de nada. Confesso que a frustração foi grande em relação ao trabalho que não consegui, mas foi bem maior a tristeza de não saber escrever, conclui que precisava recomeçar, montar novas estratégias e procurar ajuda, algum tipo de P.A. - Português Anônimo às avessas.

 

Pensado assim, dei início aos meus planos pela redação deste texto, não só para provar a mim mesma que “eu posso!”, mas, também, pra que o relato da minha história possa instigar a uma reflexão sobre como o estudo da língua está sendo conduzindo no Brasil, é inconcebível que passemos toda nossa vida estudando sem termos efetivamente conhecimento do Português.

Nesse ponto achei curioso o fato de que, para sermos aceitos no serviço público ou na faculdade temos que ter excelência na escrita e conhecimento de gramática, a mesma excelência que o próprio poder público e as próprias faculdades se negam a nos prestar.


Autor: Kátia Godinho


Artigos Relacionados


Avis Rara

Gata Mineira

Literatura Contemporânea - O Caminho Abstrato

Na Vida...

Culpado Por OmissÃo

Sombra & Luz

September, 11: Farenheit