O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE FRENTE AO DIREITO EDUCACIONAL



O direito educacional pode ser caracterizado em razão da série de princípios jurídicos que o norteia. Trata-se de princípios peculiares que lhe fundamenta. Entretanto, apesar da importância que recai sobre estes princípios orientadores, o direito educacional e o conceito do que ele vem a ser, não é empregado de forma satisfatória no meio forense. Para uma conceituação inicial do tema, eis a definição do Ilustre Dr. Renato Alberto Di Dio: "Direito Educacional é o conjunto de normas, princípios, leis e regulamentos que versam sobre as relações de alunos, professores, administradores, especialistas técnicos, enquanto envolvidos, mediata ou imediatamente, no processo de ensino-aprendizagem"[1].

Tento em vista a importância social que representa, o legislador constituinte deu atenção especial ao assunto "educação" no artigo 6º da Constituição Federal de 1988, tanto que o elevou ao patamar de direito social.

"Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".

Da mesma forma, os artigos 205 a 214 da Carta Magna definem a educação como direito de todos e dever do Estado, estabelecendo princípios e garantias educacionais, declarando a liberdade de ensino à iniciativa privada, reconhecendo a autonomia das universidades, estabelecendo critérios para a organização dos sistemas federal, estadual e municipal de ensino.

O artigo 205 da CF, in fine, dispõe que a educação será promovida e incentivada visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao seu preparo para o exercício da cidadania e à sua qualificação para o trabalho. Desta forma, indubitável a afirmação de que a educação não pode se resumir à repetição de conhecimentos, posto que seu principal fundamento é promover e incentivar o aluno a desenvolver suas potencialidades na busca por novos conhecimentos, refletindo no aprimoramento das relações sociais.

"Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

Em contrapartida a estes preceitos constitucionais, no dia 22 de outubro (quinta-feira) do ano em curso, deparamo-nos com uma situação, no mínimo, espantosa. O evento aconteceu na Universidade Uniban, localizada em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista.

Tudo teve início quando a estudante Geisy Villa Nova Arruda, aluna do curso de turismo, foi à universidade com um vestido curto. Quando subia uma rampa, alguns alunos começaram a assobiar e cantá-la, mas, em pouco tempo, os gracejos deram lugar a ofensas e palavrões. Ao entrar no banheiro, Geisy relatou que uma roda se formou e ela precisou da ajuda dos colegas para conseguir chegar até a sala de aula. Diversos alunos tiraram fotos e filmaram com o celular. A confusão só acabou por volta das 22 horas com a chegada da Polícia Militar, que abriu caminho entre os estudantes com ajuda de spray de pimenta e escoltou a jovem, que vestia uma jaleco branco por cima do vestido rosa, até sua residência. No dia seguinte ao fato, o vídeo com os xingamentos já estava no YouTube e contabilizava milhares de acessos.

Sem desconsiderar os efeitos de uma mídia sensacionalista, o caso teve repercussão internacional. O New York Times e outros jornais estrangeiros noticiaram o evento ocorrido na universidade.

Na madrugada do dia 07/11, a Uniban decidiu expulsar a estudante em razão do flagrante "desrespeito aos princípios éticos, à dignidade acadêmica e à moralidade". Entretanto, quando se confronta os preceitos educacionais constitucionais supramencionados com o evento concreto ocorrido na universidade de São Bernardo, conclui-se que há flagrante descompasso entre o que determina a Constituição e o que se verificou na prática.

Considerando que é através da educação que o homem é preparado para o exercício da cidadania, como atingir essa finalidade se não se verifica a promoção de uma educação libertadora, crítica, esclarecedora e aberta? Ao expulsar a aluna, no local em que se deveria promover a discussão, observou-se a prática de uma atitude simplificada e autoritária, relfexo da intolerância com questões morais. Isso demonstra o regresso ao tempo em que a educação era utilizada como instrumento de reprodução de regimes autoritários e totalitários, que anulavam completamente o aluno de sua dimensão social, obstando o exercício da cidadania.

Além do desrespeito ao texto constitucional, com efeito, não se pode esquecer o que o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil determina o atendimento aos fins sociais e às exigências do bem comum, haja vista que se da aplicação do direito resultar prejuízo ao desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania, ou restrição à sua qualificação profissional, ocorrerá violação ao preceito constitucional, pois a educação não alcançará o seu objetivo social.

Indene de qualquer dúvida o fato é que a atitude autoritária da Universidade implicou em graves conseqüências à aluna Geisy, posto que a função daquela deveria ser, no mínimo, a realização de um debate e não a aplicação da medida mais severa sem maiores esforços. A expulsão deveria ser a última medida adotada. Nota-se que, aqui, não cabe julgar a forma de se vestir ou de se portar da aluna, mas tão somente o comportamento retrógrado da Uniban, haja vista que, ainda que as pessoas tenham hábitos, formas de agir e de se vestir inadequadas, a instituição tem o dever de saber como lidar com isso, punindo se necessário, mas sempre dentro dos limites legais, proporcionais e em consonância com o princípio da razoabilidade, ao qual foge o conceito de "exagero".

Há de se destacar também, que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, trouxe para o contexto jurídico educacional outros dois princípios fundamentais: a liberdade e a solidariedade humana (art.2º da LDB), cuja finalidade é o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Como se falar em tais finalidades quando o aluno é tolhido do seu direito a freqüentar a instituição ao qual se encontrava matriculado? Para atingir tais objetivos e para se ter uma educação plena, há de se consagrar o princípio da liberdade, se não há liberdade, o homem não é educado e não se educa, mas sim se aliena, posto que fica sujeito ao que lhe é imposto.

Da mesma forma, a educação, para que promova o pleno desenvolvimento do homem, deve ser fundada nos ideais de solidariedade humana. No episódio em análise não há de se falar em solidariedade, nem de longe há de considerar alguma espécie de atitude solidária por parte daqueles que participaram ou, pelo menos, presenciaram o ocorrido. Ora, se a instituição foi tão rígida ao punir a aluna do curso de turismo, para onde foi toda essa rispidez em relação à punição aplicada aos que deram ensejo ao evento? Se ambas os pólos tiveram suas parcelas de culpa, cada qual merece punição da medida de sua culpabilidade.

Não merece prosperar, portanto, a ideia de que apenas aqueles identificados devem ser punidos, não estamos falando de um crime que enseja punições de reclusão, onde a falta de prova é fator determinante da culpabilidade do agente, mas sim de questões educacionais, de cidadania e solidariedade. O que se busca é a formação de pessoas aptas não só ao mercado de trabalho, mas principalmente ao meio social. O retrocesso, o autoritarismo e rigorismo aplicado à apenas uma das partes, reflete qual é o grau de compromisso da instituição com a educação.

No mesmo sentido, o artigo 206 da Constituição Federal consagra princípios tais como: o da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; o da liberdade de aprender; de ensinar; de pesquisar e de divulgar pensamento, arte e o saber e o do pluralismo de ideias e concepções pedagógicas. Em consonância, a lei nº 9.394 (LDB) dispõe nos seus artigos 2º e 3º uma série de objetivos e princípios que regem toda a educação nacional brasileira; concluindo-se que os princípios jurídicos são os elementos representantes e constituintes da ordem interna do ornamento jurídico, por meio dos quais o intérprete deve se conduzir quando da aplicação do direito ao caso concreto. Mais uma vez o que se observa é que os princípios não puderam ser constatados na vida real. A liberdade de aprender foi obstada, o contraditório e a ampla defesa não foram observados e acusações, talvez até mesmo infundadas, foram utilizadas como base para aplicação de uma sanção drástica.

Evidente que, não poucas vezes, um princípio acaba entrando em choque com outro dentro do ordenamento jurídico, daí a necessidade de uma atividade valorativa, de proporcionalidade e razoabilidade. De acordo com a adequação valorativa de Claus Wilhelm Canaris, deve haver harmonização dos valores contidos no sistema como um todo, com aqueles que se pretende preservar no caso concreto. Através dessa medida de natureza sistemática, preserva-se a ordem e a unidade do ordenamento, sem de desvencilhar da realidade do caso concreto, aplicando-se o direito na medida mais justa e adequada. É necessário se estabelecer um escalonamento valorativo das regras e princípios jurídicos que solucionarão de forma mais adequada aquele caso, impedindo que restem prejudicados valores da ordem e da unidade do ordenamento jurídico. Os princípios não se justificam de forma isolada e restrita, mas sim através do relacionamento com os outros.

Em choque com os regimes totalitários, quando o direito era utilizado como meio de se fazer prevalecer os interesses do mais forte em detrimento aos interesses da comunidade hipossuficiente, hoje, a vida em sociedade desafia a superação das desigualdades entre as pessoas e o respeito à pluralidade de ideias. Não seria possível se falar em sociedade harmônica e organizada se não houvesse mecanismos garantidores do tratamento desigual aos desiguais e o respeito à diversidade de opiniões. Nas palavras de Marçal Justen Filho: "Quanto mais democrática uma sociedade, tanto maior é a relevância reconhecida aos diferentes pólos de interesse, aos variados grupos sociais, à pluralidade, à diversidade. A convivência democrática significa ceder passo à proporcionalidade"[2].

Através dos subprincípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, é possível determinar qual das solução possíveis para um caso concreto é a mais adequada. Em um primeiro momento, avalia-se se há ou não necessidade de se restringir um direito de uma das partes em detrimento ao direito da parte contrária. Num segundo momento, deve-se analisar qual a medida menos gravosa para a parte desfavorecida. E, por fim, avalia-se se a medida restritiva a ser aplicada encontra-se em razoável proporção com o fim desejado. Assim, estabelece-se uma análise valorativa de proporção entre meio e fim, de tal forma que o meio empregado seja apto a solucionar o caso com a mais lídima justiça e o mínimo de sacrifício para os envolvidos.

Transportando este entendimento doutrinário para o caso concreto em tela, verifica-se que não houve proporcionalidade entre os meios adotados e o fim almejado. À estudante do curso de turismo foi aplicada pena de expulsão; trata-se da pena mais grave a ser aplicada por uma instituição de ensino a um daqueles que nela se encontra regulamente matriculado. Ainda que pese o sensacionalismo causado pela mídia e a vultosa manifestação dos demais alunos que presenciaram o fato, isso não justifica os meios de que se valeu a Universidade.

O fim almejado era impedir que a atitude viesse a acontecer, mas como lançar mão diretamente da expulsão? Evidente que antes a instituição deveria ter se valido de meios menos drásticos, quais sejam advertência e suspensão. Esse caso possibilita até mesmo a realização de um paradigma com o direito penal, ramo do direito definido como "a exceção", devendo ser utilizado apenas quando os demais não se mostrarem aptos e eficazes na solução do problema; da mesma forma, a suspensão é a medida extrema, que deveria ter sido empregada apenas quando as outras (advertência e suspensão) não surtissem os efeitos desejados. Portanto, restou frustrada a adequação valorativa pela qual se prima o direito, posto que os danos amargados pela vítima se mostraram mais gravosos do que o necessário.

Portanto, como destacado, a solução para o caso concreto construída e fundamentada com amparo ao princípio da proporcionalidade, conjugado com a interpretação hermenêutica e a interpretação conforme a Constituição, caminha na trilha de uma solução justa e razoável, que permite a consolidação da unidade do sistema, possibilitando uma resolução que exprima o menor prejuízo para o aluno e para o estabelecimento de ensino.

Se o fim máximo almejado é a educação, esta deve ser realizada com base nos ditames legais, o que inclui a aplicação dos princípios norteadores do direito educacional. Apenas dessa forma conseguir-se-á alcançar o ensino preceituado na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, bem como formar profissionais competentes e, sobretudo, cidadãos exemplares.

Bibliografia:

·Folha de S. Paulo, 08/11/2009

·GOLDSCHMIDT, Rodrigo. O principio da proporcionalidade no direito educacional. Editora Universitária.




Autor: Anna Claudia Rodrigues


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