A Descrição do Feminino nos Poemas Barrocos



De acordo com Santos (2004), Jerônimo Baía foi celebrado pelos seus dotes oratórios e é atualmente tido por um dos poetas mais emblemáticos do estilo da época, designada como Barroco. Com o seu rigor formal, a arte de jogar com as palavras e sua capacidade analítica e discursiva de tratar de assuntos cotidianos com um propósito maior, o autor consegue se destacar nesse período literário, tendo diversas composições poéticas publicadas nos cancioneiros, denominados de Fênix Renascida e Postilhão de Apolo.

            Buscando lembrar esse cânone literário do período barroco, o presente trabalho pretende verificar dois sonetos do autor: "Ao rigor de Lísi" e "A F., Favorecendo com a boca e desprezando com os olhos", nos quais podemos mostrar suas características barrocas e destacar a visão do eu lírico perante a característica feminina descrita em ambos.

Partindo das características formais, percebe-se que os dois sonetos são decassílabos, pois fazendo a escansão é possível notar em todos os versos a divisão silábica métrica de dez pés, para mostrar a análise pegamos como exemplo os dois primeiros versos de cada poema: "Mais / du/ra,/ mais/ cru/el,/mais/ ri/go/ro/sa" e "Quan/do o/ Sol/ nas/ce e a/ som/bra/ prin/ci/pia,". Além disso, pertence ao estilo cultista, pela caracterização da linguagem culta, pelo aspecto formal rebuscado, pela valorização dos jogos de palavras e pelo abusivo emprego das figuras de linguagem, embora os dois poemas tragam uma linguagem simples, de fácil entendimento. Todo esse estilo formal nos faz lembrar a escola que antecedeu ao Barroco, pois para os classicistas o poema é uma arte, que deve ser feito com muito cuidado e atendendo aos padrões. Essa marca pode ser vista em algumas obras do estilo barroco, pois essa característica predominou nos textos de autores que ainda davam muito valor aos aspectos exteriores.

Podemos notar outra característica marcante que retoma a escola antecedora, a partir dos títulos, percebemos uma dedicatória, os dois poemas são escritos para alguém, eles foram feitos para atingir uma pessoa em especial. Que nesses casos, estão escondidos por uma metáfora, recurso que o eu lírico utilizou ao escolher os nomes Lísi e Fílis para garantir a identidade de sua amada, sem que todos viessem saber o nome de sua musa inspiradora.

Em se tratando dessa inspiração, podemos perceber nos dois sonetos que o eu lírico não era correspondido em sua paixão, pois em "Ao rigor de Lísi" ele descreve uma mulher muito bonita fisicamente, como comprovasse nos versos "Sois mais rica, mais bela, mais lustrosa / Que a perla, rosa, Sol ou jasmim puro" (V. 5-6). Porém, uma figura ruim que não corresponde seu interesse "Mais dura, mais cruel, mais rigorosa / Sois, Lísi, que o cometa, rocha ou muro" (V. 1-2). Do mesmo modo, no soneto "A F., Favorecendo com a boca e desprezando com os olhos", o eu lírico descreve seus próprios sentimentos perante a amada, buscando nela o melhor caminho, mesmo sabendo que é difícil de encontra-lo, pois essa mulher é deslumbrante, mas só lhe traz o sofrimento, "Busco em vós melhor luz, flor mais selecta" (V.11).

O eu lírico nos dois sonetos apresenta-se de forma conformada, pois apesar de amar a figura feminina que se depara, ele a conhece muito bem, e sabe das características positivas e negativas que ela tem, o que seria positivo a aparência física e negativo a essência, a origem, tudo que se deve dar mais valor no ser humano. Assim, as duas figuras femininas são meigas e bonitas a vista dos olhos, mas revoltantes nas suas atitudes, levando o eu lírico à angústia e ao pecado mundano.

A antítese existente nos poemas entre bem e mal, divino e profano, claro e escuro, levam a perceber as características teocêntricas e antropocêntricas implícitas nos sonetos, mostrando que ninguém pode ser bom em tudo, como ninguém é ruim de todo o seu ser. Nas marcas lingüísticas do primeiro soneto podemos perceber palavras positivas como pérola, rosa, sol, jasmim, céu, ave, terra, mar, lembrando a natureza, a descrição do divino, que trouxe tantas coisas boas para o mundo. E ao mesmo tempo, traz palavras negativas como dura, cruel, rigorosa, feio, pobre, escuro, que lembram as trevas, aspectos ruins, que retomam o inferno, lugar cheio de tormento e martírio.

O segundo poema também mostra essa transição, utilizando a imagem da abelha (inseto trabalhador) e da borboleta (inseto vistoso), para descrever como o eu lírico se sente ao pensar na mulher amada. Mostrando que existem dois lados a seguir, o lado do sol, da abelha, da rosa, do céu, contrapondo com o lado da beleza, da sombra, da luz ardente, da crueldade. A partir das características que acompanham os substantivos nesse poema, podemos perceber que os modificadores da abelha são todos bons e pacíficos, já os da borboleta, nos levam ao pecado, por enfatizarem tanto as marcas da vaidade humana.

Portanto, é possível perceber que as características barrocas são de forte valor para o estilo desses sonetos, pois através do contraste e das figuras de linguagem tornam a forma e o conteúdo mais interessantes, prendendo a atenção até o desfeche do poema, fazendo com que o leitor raciocine e desenvolva suas competências de entendimento. Por meio desse raciocínio, podemos dizer que o eu lírico descreve a mulher como um ser bonito, mas infiel, que não o leva para o caminho da santidade, tentando fazer com que ele se desvirtue pelo caminho do mal. Como a escola barroca tem a características de unir idéias teocêntricas e antropocêntricas, o eu lírico faz essa uniam, tomando como partida a descrição da mulher amada.


BAIA, Jerônimo. Ao rigor de Lísi. Disponível em www.alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/baia.html. Acesso em 31 out 2009.

 

FUNDAÇÃO GULBENKIAN. História e antologia da Literatura Portuguesa. Disponível em www.leitura.gulbenkian.pt/boletim_cultural/files/HALP_29.pdf. Acesso em 31 out 2009.

 

SANTOS, Zumira. Frei Jerônimo Baía. Disponível em www.leitura.gulbenkian.pt/boletim_cultural/files/HALP_29.pdf. Acesso em 5 nov 2009.



Autor: Aline Freire de Souza


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