PRISÃO PREVENTIVA E O CLAMOR PÚBLICO



Giovanna Barletta Sanches

Resumo: Este artigo objetiva analisar as confusões acerca do entendimento da prisão preventiva, demonstrando que para a sua decretação existem pressupostos que são imprescindíveis, não podendo ser confundido com a necessidade da população no que tange à sede de justiça. Para tanto, ressalta-se, primeiro, a análise da evolução histórica, onde se demonstra que a prisão na sua maioria não socializa e sim degrada. Em seguida, serão demonstrados, os pressupostos, bem como os crimes que são passíveis de decretação desta medida cautelar e os que não estão no rol da mesma depois, passa-se a analisar as correntes acerca da decretação da prisão preventiva baseada no Clamor Público, bem como jurisprudências.

Palavras-chave: prisão preventiva, medida cautelar, clamor público, pressupostos da decretação da prisão preventiva.

Sumário: 1 INTRODUÇÃO.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PRISÃO.3 PRISÕES CAUTELARES.3.1 PRISÃO PREVENTIVA. 3.1.1 CONCEITO3. 2 PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA.3.3DECRETAÇÃO DA MEDIDA PREVENTIVA E AS SUAS DIVERGÊNCIAS.3.4ADMISSIBILIDADE. 3.5 FUNDAMENTAÇÃO. 3.6 REVOGAÇÃO E PRAZO. 4 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA 5.PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.6 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 7.PRISÃO NO BRASIL 8. PRISÃO PREVENTIVA E CLAMOR PÚBLICO. 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1.INTRODUÇÃO

Nos dias atuais, é de fácil percepção que o clamor público é requisito para decretação de prisão preventiva do acusado ao cometimento de uma infração penal sob o argumento de garantia da ordem pública. Entretanto não está previsto no rol do art.312 do CPP, o decreto deste instituto em face ao clamor público.

O termo garantia da ordem pública não deve ser confundido com clamor público, uma vez que aquele é meramente explicativo. Fazendo-se necessário uma maior preservação sobre o instituto da prisão cautelar, por esta ser medida de caráter excepcional, sendo decretada quando previstos os requisitos elencados no art. 312 do CPP.

É comum o alto índice de revolta em que se vive atualmente pela população, contudo a liberdade do indivíduo é uma garantia constitucional e deve ser respeitado sob pena de ferimento ao princípio do devido processo legal e o da presunção de inocência, ambos princípios defendidos ferozmente pela Constituição Federal Brasileira.

Cumpre salientar que com a ajuda do poder midiático, a população trata igualitariamente o que são distintos, ou seja, a prisão provisória da prisão preventiva. Na primeira há a punição de um crime, que já foi processado e julgado, não cabendo, portanto, sentença. Já a segunda, é decretada com a presença de pressupostos elencados no art.312 do CPP, e pode ser revogada a qualquer tempo.

Quando se trata de prisão preventiva, fala-se em medida cautelar, e não em punição.

Ocorre que, em razão do que erroneamente a mídia com as suas informações sensacionalistas transmitem para toda uma população leiga e carente de justiça, a opinião pública é afetada e confundida quanto a essas duas modalidades de prisão.

Assim, neste momento, a necessidade de se fazer valer a justiça se sobrepõe à legalidade, sendo decretada, portanto, uma medida de caráter excepcional, tornando seu fato caracterizador, a punição pelo crime, ou seja, antes de ocorrer todo o devido processo legal, garantido pela Constituição Federal, o criminoso é sentenciado como culpado, trazendo para sua vida um dano irreparável e irreversível.

Sendo assim, com o presente trabalho, será proposta uma reflexão acerca do clamor público tão mencionado como argumento para o decreto de uma medida cautelar.

Tem que ser analisado que a liberdade do indivíduo é uma regra, sendo a sua privação medida excepcional, inclusive por ser o cárcere entendido e considerado como o pior mal do ordenamento jurídico. Há aplicação de medidas privativas de liberdade anterior à sentença transitada em julgado desde que fundamentadas em critérios legais estritamente objetivos.

Entretanto quando se tem a ausência desses critérios objetivos para a decretação de medidas restritivas é que se percebe a falha do nosso ordenamento jurídico. O clamor público é insuficiente para preencher a necessidade dos parâmetros da legalidade tão exigidos pelos princípios constitucionais do processo legal brasileiro.

Muitas vezes a prisão preventiva vem sendo decretada por causa do clamor social e pela pressão da mídia que na maioria confunde a opinião pública muito mais do que transmite informações do ocorrido. Cabe ao judiciário ser parcial e agir nos termos da lei, sem se ater às questões momentâneas onde a sede de justiça se faz sempre presente.

E para um maior detalhamento do tema é necessário executar os seguintes objetivos específicos: a) investigar o conceito; características e pressupostos atinentes ao tema; b) investigar o problema sob a ótica doutrinária e jurisprudencial no Brasil.

Adentraremos na análise dos dispositivos legais do Código de processo penal (arts. 311 a 316), os quais estabelecem os pressupostos e requisitos da prisão preventiva.

2.EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PRISÃO

Antes de Cristo a prisão não aparece como instrumento de sanção, e sim a flagelação, a decapitação, lançamento às feras. Na Grécia prendia-se em asilos ou templos.

A história nos traz que o império romano detinha grande parte da África, Ásia e Europa e que o Imperador Constantino foi um divisor de águas, pois antes do mesmo os cristãos eram perseguidos, lançados às feras, entretanto após o seu convertimento à fé cristã, e o reconhecimento da igreja por parte do Estado, houve uma inversão, os que não praticassem atos contrários à moral católica ou que não aderissem à fé católica eram considerados não só pecadores, mas também criminosos.

Um poder punitivo foi formado pela igreja. Erigiu em crime o infanticídio, o aborto, o homossexualismo, a blasfêmia, a bruxaria, a feitiçaria e etc. Para manterem presos e mandar seus delinqüentes para a fogueira a igreja começou a construir prisões apropriadas, chamadas de penitenciárias.

As penitenciárias eram escuras e imundas porque segundo os inquisidores só assim elas seriam propícias à penitência, à expurgação. Caso o suplicado não se "convertesse", seria lançado à fogueira vivo.

Somente no fim do século XVI, foi construída na Holanda a primeira penitenciária masculina, inspirado nas penitenciárias do santo ofício da inquisição, e dois anos depois se constrói a penitenciária feminina, as duas em Amsterdã.

No século XVIII, as prisões continuavam sendo, em geral, imundas,os presos nelas jogados ficavam em total estado de abandono, morrendo muitos por esquecimento de todos, ressaltando que muitos suplicados ali para não dizer na sua maioria, eram tidos como criminosos por antipatias políticas e prepotência por parte da nobreza. O rei era o Estado e a Lei.

Após o Código Penal Francês de 1791 que estabeleceu a prisão como instrumento da pena, foi disseminado a pena de prisão por todo o mundo. Podendo ser citado como marco dessa generalização a Revolução Francesa de 1789.

Foi com CESARE BECCARIA, no século XVIII, que se começou paulatinamente a humanização das penas. A legalidade, a proporcionalidade, a humanização trouxeram muito mais justiça às penas, estando esses princípios assegurados pela Constituição Brasileira.

3.AS PRISÕES CAUTELARES

Toda e qualquer medida privativa de liberdade de natureza penal aplicada e cumprida antes do trânsito e julgado da sentença condenatória, constitui prisão cautelar.

Entende TOURINHO FILHO: "É aquela prisão anterior à condenação e que segundo Manzini consiste em uma liminatória mais ou menos intensa de la libertad física de uma persona, por uma finalidade processual penal".

O principal objetivo das prisões cautelares é assegurar a aplicação da lei penal ao acusado que cometeu a infração. É, portanto, um meio para a garantia da efetividade do sistema criminal do operador do direito.

À função cautelar cabe o equilíbrio entre a segurança de toda uma sociedade, bem como as garantias constitucionais do acusado, que não devem ser esquecidas.

As modalidades de prisão cautelar admitidas no direito brasileiro são as seguintes:

Prisão em flagrante - art.301

Prisão preventiva - art.311

Prisão temporária-Lei 7.960/89

Prisão decorrente de sentença de pronúncia nos crimes do Tribunal do Júri- art.408

Prisão decorrente de sentença condenatória recorrível - art.393, I.

Entretanto, vale ressaltar que o objetivo desta pesquisa é a prisão preventiva, elencado no artigo 311 do CPP

3.1. PRISÃO PREVENTIVA

3.1.1CONCEITO

Para Paulo Rangel, a prisão preventiva é "uma espécie de medida cautelar, ou seja, é aquela que recai sobre o indivíduo, privando-o de sua liberdade de locomoção, mesmo sem a sentença definitiva".

É medida cautelar, no sentido de ser uma prisão antecipada, pois é anterior à sentença condenatória, visando assegurar a eficácia da prestação jurisdicional.

A prisão preventiva é deste modo, uma prisão provisória, assim como a prisão em flagrante delito, a prisão temporária e outras.

É a prisão mais usada atualmente no processo penal brasileiro. Encontra-se disciplinada no art.311 e seguinte do Código de Processo Penal Brasileiro.

Todavia é no artigo 312 do CPP, que se encontram os requisitos necessários à sua decretação. São elas, a garantia da ordem pública, a ordem econômica, a aplicação da lei e a conveniência da instrução criminal, a prova da existência do crime (materialidade) e os indícios suficientes de autoria.

Saliente-se que a prisão preventiva pode ser decretada a qualquer momento, até mesmo antes do oferecimento da denúncia, que é marco inicial da fase processual da persecução penal. A sua manutenção fica vinculada à existência concreta dos seus requisitos que autorizam a custódia, sem os quais não haveria o porquê da prisão preventiva, devendo esta ser revogada, mediante o art.316 do CPP.

No seu fundamento entende TOURINHO FILHO: "Toda e qualquer prisão que anteceda à decisão definitiva do juiz, é medida drástica, ou como dizia Bento Faria, é uma injustiça necessária do Estado contra o indivíduo, e por isso, deve ser reservada para os casos excepcionais". Transcrição de TOURINHO FILHO sintetizando a excepcional idade desta medida:

[...]Por isso mesmo,entre nós, a prisão preventiva somente poderá ser decretada dentro daquele mínimo indispensável, por ser de incontrastável necessidade e, assim mesmo, sujeitando-a a pressupostos e condições, evitando-se ao máximo o comprometimento do direito de liberdade que o próprio ordenamento jurídico tutela e ampara[...].

.2.PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA


A prova da existência do crime e indício suficiente de autoria são os pressupostos da prisão preventiva de acordo com o art.312 do Código de Processo Penal Brasileiro. É a existência dos aludidos pressupostos que tornam imprescindível a decretação da prisão preventiva. Entretanto, é necessária a existência dos dois pressupostos, não bastando apenas a existência de um deles.
Ressalte-se a necessidade de comprovação do fato típico, que se configura pelo exame de corpo e delito, sendo este prova indispensável para a decretação da prisão preventiva.
Ademais, para ensejar a decretação da prisão preventiva, é indispensável a prova cabal de existência do crime, não bastando indícios, tampouco suspeitas.Sendo assim, o indício suficiente de autoria é elemento relevante para a decretação de autoria. Entretanto, alguns autores, acreditam ser a palavra indício escrita no art.311, provas leves, porém que sejam suficientes para que a autoria seja admitida. Conclui-se assim, que a lei exige prova de materialidade do crime, todavia, concernente à autoria, a lei se contenta com a possibilidade de ocorrer a sua confirmação.
Assim, pode-se afirmar que presentes esses pressupostos supracitados, ou seja, prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, a prisão preventiva poderá ser decretada. Não podendo esquecer, que a medida cautelar deverá ser adotada para a garantia da ordem pública, ordem econômica e garantia da instrução criminal, conforme será a seguir explanado.


3.3.DECRETAÇÃO DA MEDIDA PREVENTIVA E AS SUAS DIVERGÊNCIAS


A prisão preventiva segundo Paulo Rangel, é "o ponto central de toda e qualquer prisão cautelar de natureza processual", e o a sua decretação deve resultar do reconhecimento, pelo magistrado competente do fumus boni juris (prova da existência do crime e indício suficientes de autoria art.312 CPP), bem como o periculum in mora( garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal, garantia da ordem econômica ou para assegurar a prestação jurisdicional).
Tourinho Filho diz que a ordem pública é a "paz, a tranqüilidade no meio social", entende este doutrinador, que é possível a decretação da prisão preventiva por meio da ordem pública, caso o indiciado esteja cometendo novos delitos . Entretanto, nos caso de infrações que levam a sociedade à comoção exacerbada, a decretação da prisão preventiva é contrária à Constituição Federal.
Por outro giro, entende Roberto Delmanto Júnior que decretar a prisão preventiva com base em ordem pública, seria admitir primeiramente que o imputado, de fato cometeu um delito e que em liberdade cometerá outro crime.
Nesse sentido, entende-se que a decretação da prisão preventiva tendo por base a garantia da ordem pública infringe flagrantemente o princípio da presunção de inocência, da legalidade e, por conseqüência, do devido processo legal.
Ressalte-se que estas são as hipóteses da decretação de prisão preventiva elencadas no art.312 do CPP, o que se percebe que não consta o “CLAMOR PÚBLICO", que é o que defenderemos a seguir.


3.4.ADMISSIBILIDADE


Existem algumas infrações penais que são abarcadas pela prisão preventiva, sendo correto dizer, portanto, que nem toda infração penal cabe prisão preventiva, mas somente aquelas enquadradas nas hipóteses legais:

Art.313 do CPP

“Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos”:
I - punidos com reclusão;
II - punidos com detenção, quando se apurar . que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la;
III - se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no Art. 64, I do Código Penal - reforma penal 1984.
IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. (Acrescentado pela L-011. 340-2006)


A prisão preventiva não poderá ser decretada em hipótese alguma quando da existência de contravenções penais. Não sendo admissível a sua decretação mesmo em se tratando de uma contravenção penal que seja considerada grave. Acontece que o legislador se ateve somente aos crimes dolosos, sendo os crimes culposos excluídos também do rol de admissibilidade da decretação da prisão preventiva.


3.5.FUNDAMENTAÇÃO


Por fim, no que tange à prisão preventiva, a lei estabelece que sua decretação seja segundo o art. 315 do CPP, fundamentada. Segundo Tourinho, o juiz “deve reportar-se à existência da materialidade do fato, bem como aos indícios suficientes de autoria”.
A existência dessa fundamentação na decretação da prisão preventiva cumpre uma função importante, ou seja, é mais uma forma de ter prudência quando se decretar uma medida de caráter excepcional como a que estamos tratando.
O juiz, portanto, analisa antes de deferir o requerimento ou acolher a representação, ou decretar a preventiva de ofício se há naquele caso em questão a tipicidade a uma das hipóteses do art. 313 do CPP, e depois se existem os pressupostos previstos no art.312 do CPP, e após isso, se há a necessidade de fato desta medida para o caso em questão.


3.6.REVOGAÇÃO E PRAZO


Concernente à revogação e ao seu prazo, a prisão preventiva possui características peculiares.
Conforme preconiza o art. 316 - O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
A prisão preventiva é medida excepcional, possuindo caráter provisório, devendo ser decretada somente em casos excepcionais, assim, se inexistentes os pressupostos e requisitos que a determinaram, deve ser revogada, e o réu colocado em liberdade.
Nas palavras de Júlio Fabbrini Mirabete, a prisão preventiva "tem a característica de rebus sic stantibus, podendo ser revogada quando da inexistência das razões de sua decretação durante o processo. Se não existem os motivos que a determinaram, não deve ser mantida.
No que concerne ao prazo da prisão preventiva, a legislação brasileira deixa lacunas, não estabelecendo prazo fixo sobre quanto tempo pode uma pessoa permanecer presa. Portanto, ainda não existe uma solução no sistema jurídico brasileiro concernente ao prazo máximo de duração da prisão cautelar do réu ou investigado que responde ao procedimento de persecução penal. Isso se deve, em grande parte, à omissão do legislador em estabelecer, no Código de Processo Penal, um prazo máximo razoável, sem prejuízo para a busca da verdade processual possível.
Traz assim, uma maior responsabilidade quanto à sua decretação, vez que pode sua revogação pode não possuir tempo definido, o que pode gerar danos inenarráveis para o acusado.
A Lei 9.034/95 dizia ser o prazo máximo de cento e oitenta dias para os crimes previstos nesta lei. Entretanto, a Lei 9.303/99 alterou a redação deste dispositivo, passando a dispor que o prazo para encerramento da instrução criminal nos processos em que trata essa lei será de oitenta e um dias (quando o réu estiver preso e cento e vinte dias para o réu que estiver solto).


4 PRINCIPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA


Este princípio encontra-se no inciso LVII do art. 5o da Constituição Federal de 1988, "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
Por conseguinte, é presumida a inocência do acusado até que ocorra a sentença penal que a condene.
Sendo consagrado, assim, como um dos princípios fundamentais para a busca da garantia processual penal. O aludido princípio visa à tutela da liberdade pessoal.
Contudo, apesar do artigo supracitado tratar do princípio da presunção da inocência, não enseja a revogação das prisões cautelares, uma vez que as mesmas são permitidas constitucionalmente, de acordo com o art.5º LXI da Constituição Federal.
No que tange ao conflito existente entre a prisão preventiva que é medida excepcional de natureza cautelar e o princípio da presunção da inocência, Antônio Alberto Machado relata:

“Desde que o legislador constituinte de 1988 consagrou a presunção de inocência na vigente ordem constitucional, afirmando que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5°, inciso LVII), instalou-se a discussão acerca da subsistência ou não das prisões provisórias no curso – ou mesmo antes do processo – em face daquele preceito.”.

A jurisprudência de todos os tribunais vem sendo no mesmo sentindo e vem reconhecendo que a consagração do princípio da inocência não implica no afastamento da constitucionalidade das espécies de prisões cautelares, visto que todos são iguais perante a lei, este é o princípio basilar da democracia, devido a isso não se pode precipitar o momento de decisão do futuro do acusado.
Cumpre salientar que todos os seres humanos são passíveis de erros, e a decretação de uma medida cautelar pode muito bem ser desnecessária ao caso que esteja sendo aplicada e comprometer toda uma trajetória de vida, visto que em momento algum deve ser esquecido que se lida com seres humanos.
Nas palavras do professor italiano Luigi Ferrajoli, seria plausível a abolição da prisão processual, visto que para o aludido professor, o decreto de uma prisão antes mesmo do trânsito em julgado de uma sentença penal, "é ilegítimo e inadmissível". Em outro giro, Antônio Magalhães Gomes Filho relata:

“As prisões decretadas anteriormente à condenação, que numa visão mais radical do princípio nem sequer poderiam ser admitidas, de situações em que a liberdade do acusado possa comprometer o regular desenvolvimento e a eficácia da atividade processual.”

Verifica-se, portanto, que a existência da prisão preventiva deve ser solicitada mediante preenchimento dos requisitos que fazem parte do artigo 312 do CP, sob pena de ferimento ao princípio da presunção de inocência. Sobre a real função deste princípio constitucional, José Jairo Baluta escreve:
“Apesar de um primeiro momento, excogitarem-se interpretações equivocadas quanto ao alcance dos postulados do princípio – entendendo-se que se tratava de um aforisma com força de afastar qualquer limitação provisória da liberdade acusados, até que a presunção de sua inocência fosse destruída por uma sentença que reconhecesse a culpabilidade – um grupo de jurista da Comunidade Econômica Européia concluiu recentemente, que na verdade, o princípio constitucional não veio com a finalidade de impedir a prisão antecipada, mas sim, para reforçar-lhe o disciplinamento de sua decretação.”

Assim, a prisão processual só é legítima quando sua decretação ocorre para o cumprimento dos atos processuais, quando da preservação da integridade física dos indivíduos entre outros. Entretanto, quando do não cumprimento das medidas supramencionadas, deve ser lembrado que a prisão preventiva tem caráter meramente excepcional, podendo ser decretada em caso que se verifique de forma enfática a sua extrema necessidade.

5 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL


O princípio do devido processo legal se encontra expressamente previsto no artigo 5º,LVI da Constituição Federal de 1988, nos seguintes termos:

Art.5º...

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
...

Percebe-se então, que bem como o princípio da presunção de inocência está relacionado ao princípio da proteção à liberdade, o devido processo legal parece decorrer de ambos, vez que funciona inclusive como garantia de sua efetividade.
O aludido princípio pode ser percebido de duas formas divergentes. Assim, alguns entendem que precedendo à sentença condenatória deve-se ter um processo, na qual este deve obedecer os trâmites legais instituídos, bem como há que entenda, que o texto constitucional exige um determinado tipo de processo, o processo devido. Este último, pe uma maneira de enxergar o due process of law, que segundo CANOTILHO, uma pessoa não tem direito apenas a um processo legal, mas sobretudo a um processo legal, justo e adequado.De igual modo menciona SILVA JARDIM:


A cláusula "devido processo legal" deve significar hoje mais do que significava em épocas passadas. Assim, a questão não mais pode se restringir à consagração de um processo penal de partes, com tratamento igualitário, onde o réu seja um verdadeiro sujeito de Direito e não mero objeto de investigação(...)


Sendo assim, o devido processo legal, será um processo cujos trâmites estejam previstos anteriormente na lei, porém deve ser um processo baseado no sistema acusatório de processo penal, ou seja, composto por um juiz imparcial e partes em igualdade de condições.


6. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DIREITO E PROCESSO PENAL.

Este princípio defende a condição humana mesmo em se tratando de acusado de prática de crimes penais.
É um dos princípios que rege o Direito Penal, onde defende o acusado na insistência de uma justiça devida, proporcionando ao mesmo um tratamento igualitário.
O texto do art.5º da Constituição Federal de 1988, trouxe importantes obrigações do Estado acerca da sua função punitiva, devendo ser tais obrigações observadas e seguidas sob pena de violar o princípio da dignidade da pessoa humana. Em uma dessas obrigações se encontra o devido processo legal, fornecendo, assim, a garantia de um processo justo com contraditório e ampla defesa, onde se observam procedimentos legais no desenrolar do processo penal em virtude da garantia de um resultado útil e justo da prestação judicial.
Resta comprovado então, todo o aparato legal que traz em seu bojo a finalidade de ser respeitado os princípios constitucionais demonstrados no presente trabalho, quais sejam o princípio do devido processo legal, o do estado de inocência, bem como o da dignidade da pessoa humana,devendo ser ressaltado que todos estão em consonância com o respeito à obrigatoriedade de preenchimento de critérios legais para a propositura da prisão preventiva, uma vez que já demonstrou comprovado o seu caráter cautelar.
Assim, mediante a essas elucidações, se faz presente a necessidade de salientar o quanto a prisão preventiva antes de ser decretada pela autoridade judicial deve ser revista sob forma criteriosa pela aludida autoridade.
Após citar não somente este princípio, mas também o do estado de inocência e o do devido processo legal, torna-se nítida a importância da fundamentação em toda ação penal, visto que o acusado possui uma vida e em conseqüência também possui direitos apesar da acusação de uma prática delituosa.
Todos esses aparatos legais são criados em vista de uma preocupação maior, qual seja, o impedimento que a função punitiva do Estado, manifestada sob o interesse na preservação de uma segurança de uma sociedade, resulte na tentativa de justificar a depreciação do acusado.




7 PRISÃO NO BRASIL


No Brasil existe um enorme desrespeito ao direito à liberdade tão defendida pela Constituição Federal. Isso ocorre também pela falta de preparo da polícia judiciária e militar. Estes cometem erros gritantes, a exemplo de agressões físicas e psicológicas. Tais situações são motivos freqüentes de reportagens em meios de comunicação acerca da falta de preparo, falta de equipamento necessário para a realização de certas atividades inerentes ao cargo, bem como ausência de instrução por parte dos policiais.
A Constituição Federal em seu art 5º que todos são iguais perante a lei, garantindo esta aos brasileiros e aos estrangeiros qua aqui residem, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança dentre outros direitos tão relevantes que a aludida lei abarca.
Um fator intrigante acerca da segurança no Brasil, é que os mesmos que deveriam por lei assegurar a eficácia das normas criadas para banir da sociedade aqueles que infringem as leis, são os mesmos que violam a própria lei. Como falar, portanto, em garantia de segurança, em eficácia das normas e ressocialização?
Qualquer resposta a ser dada seria insatisfatória, uma vez que o sistema em que o país se encontra não é proporcional ao que ele pretende através dos textos legais, ou seja, a prisão que julga ser para um tratamento de ressocialização no indivíduo acaba por comprometer ainda mais o seu estado mental, bem como a sua revolta e insatisfação perante o aludido sistema.
Outro fator importante a ser salientado seria a existência de leis paralelas dentro das penitenciárias do País.
É cediço que as prisões possuem leis que devem ser seguidas sob pena dos acusados serem julgados por uma justiça interna que cresce cada vez mais e se apodera do sistema carcerário brasileiro.
Toda essa discussão faz-se necessária para a reflexão das decretações acerca das prisões processuais, reflexões acerca do ambiente ao qual o acusado estará se submetendo antes mesmo do trânsito em julgado da sua sentença.
O sistema carcerário brasileiro não possui respaldo para aprimorar o perfil do indivíduo, tampouco de ajudá-lo no retorno à sociedade ao qual foi posto à margem.
É necessário, assim, possuir maior cuidado quando da decretação da prisão cautelar sob pena de estar equivocadamente mudando o sentido para o qual a mesma foi criada, qual seja, o caráter estritamente cautelar.
No país o número de casos concretos cujos indivíduos que foram submetidos a prisão preventiva ter sido posteriormente no trânsito em julgado da sentença absolvido, é grande, bem como a crescente discussão do crescimento da decretação desta prisão sob a fundamentação do clamor público.
Em outro tópico será demonstrado mais detalhadamente as jurisprudências acerca do tema, bem como o entendimento de alguns tribunais no que concerne à comoção pública criar uma necessidade de se decretar uma medida excepcional como forma de acalmar os ânimos de uma sociedade que encontra-se repleta de ânsia por justiça.
Entretanto, não é com a prisão preventiva que se fará a justiça que a sociedade tanto almeja, e sim com a adoção de novas políticas públicas, a fim de reorganizar o sistema brasileiro em todos os âmbitos, dando maior valorização ao texto expresso, onde os juízes devem ser imparciais, e lembrar que apesar dos supostos delitos cometidos, visto que consoante dito ao longo do presente trabalho, os indivíduos são inocentes até que seja provado o contrário, após todo o processo penal necessário, os mesmos (juízes) estão lidando com a vida e com os direitos de indivíduos que necessitam passar por todo um tramite legal até a sentença transitar em julgado.


8.PRISÃO PREVENTIVA X CLAMOR PÚBLICO


Conforme foi demonstrado, o princípio da presunção de inocência, tido como o mais importante dos princípios processuais, deve ser entendido como uma conseqüência do princípio da proteção à liberdade, ou seja, aquele princípio é uma condição para que o direito à liberdade esteja bem resguardado.
Ainda neste sentido, faz-se mister salientar a letra do art. 8º, nº. 2, da Convenção Americana sobre Direitos humanos, ou Pacto de San Jose da Costa Rica, assinado pelo Brasil e vigente por força do Dec.nº678/92:

Art.8 Garantias Judiciais
.....................................
2. "Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.

A opinião prevalecente na doutrina, é que as prisões processuais só podem persistir enquanto cumpridoras da função cautelar, sendo descabida a sua decretação mediante outros requisitos que não aqueles imprescindíveis para a garantia do resultado útil do processo penal de conhecimento, devendo estar presentes, obviamente os requisitos do fumus comissi delicti e do periculum libertatis.
É nítido, portanto, que tendo como base o princípio da presunção de inocência, a prisão processual deve ser sempre uma medida excepcional, ou seja, a última opção para a preservação do resultado útil do processo de conhecimento.
Diante de tais elucidações, verifica-se que a prisão preventiva é uma medida que necessita de respaldo legal, bem como requisitos que estejam elencados pela norma jurídica sob pena de ferimento não somente ao princípio do estado de inocência tão comentado neste trabalho, mas também ao devido processo legal.
Interessa analisar então, o clamor público, que vem sendo utilizado para a decretação da prisão preventiva e que é bastante confundido com a garantia da ordem pública. Alguns entendem que o art.312 quando explicita a garantia da ordem pública como um dos requisitos para a decretação da medida cautelar, nada mais é do que meramente explicativa, entretanto outros entendem ser esse requisito o necessário para acalmar os ânimos da sociedade e trazer novamente a estabilidade perturbada com o delito praticado.
Clamor público não se confunde com garantia da ordem pública, pois nada mais é do que a sede que a sociedade tem de justiça, diante de crimes horrendos de justiça, entretanto não se faz justiça lesionando a lei que cria e fundamenta tais requisitos para a obtenção da prisão preventiva que como foi dito tem caráter excepcional.
A mídia é outro fator que contribui exacerbadamente para a decretação da aludida prisão. O sensacionalismo e o poder que é inerente a este instrumento de comunicação, salientam na sociedade a sede de justiça, esquecendo a mesma que a segurança, a ausência de violência não parará após a decretação de uma prisão preventiva, e sim com a adoção de políticas públicas sérias, que devem ser trazidas à tona pelo poder Executivo, não podendo o Judiciário substituir uma função que não lhe é inerente.
Por outra vertente, o destino de um indivíduo pautada nos anseios de toda uma população, compromete o processo legal institucionalizado pelo Estado Democrático de Direito.
Jurisprudências acerca deste tema são trazidas em questão, segundo o STJ “... quando o crime praticado se reveste de grande crueldade e violência, causando revolta e insatisfação na sociedade, na qual se percebe então a necessidade de cautela".
Entendeu desta maneira o STJ por perceber que muitos crimes brutais provocam uma comoção pública e um descrédito muito grande no que concerne à demora da prestação jurisdicional. Entretanto por outro lado, entendem outros autores que a decretação de medida cautelar, afrontaria o princípio da presunção de inocência, pois não estaria a medida sendo decretada por estarem presentes os requisitos elencados no art. 312 do CP, na finalidade de assegurar o processo, e sim por ter sido o crime grave.
Esta outra corrente, em sentindo contrário ao STJ é defendida pelo STF que enuncia: "A repercussão do crime ou clamor social não são justificativas legais para a prisão preventiva". O que se percebe nos tribunais superiores, é uma tentativa de pacificar o entendimento de que o clamor público não tem escopo legal para isoladamente definir a decretação ou não da prisão preventiva.
De acordo com o supramencionado, faz-se necessário trazer para maior esclarecimento acerca dos entendimentos nos tribunais no que concerne ao clamor público como requisito ou não da prisão preventiva, como demonstra a Jurisprudência abaixo:

“EMENTA. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 121, § 2º, INCISOS I E II, DO CÓDIGO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. LIBERDADE PROVISÓRIA. FUNDAMENTAÇÃO. CLAMOR PÚBLICO.
Na linha de precedentes do Pretório Excelso a mera referência ao clamor público, por si só, não constitui razão suficiente para justificar a medida segregatória. Writ concedido.
VOTO O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: Busca-se, no presente writ, a revogação da custódia cautelar a que se submete o paciente, por falta de fundamentação e em razão do paciente ostentar condições pessoais favoráveis. Com efeito, a prisão preventiva deve ser considerada exceção, já que, por meio desta medida, priva-se o réu de seu ius libertatis antes do pronunciamento condenatório definitivo, consubstanciado na sentença transitada em julgado. É por isso que tal medida constritiva só pode ser decretada se expressamente for justificada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal.
In casu, o decreto prisional encontra-se assim fundamentado: ‘Sobre a representada recai acusação grave de homicídio qualificado de seu próprio marido, que foi morto por tiros a queima roupa, na porta de sua casa. O fato chocou esta pequena cidade de São Sebastião da Grama e foi notícia na imprensa,gerando clamor público considerável. A materialidade do crime é evidente. Por isso, a prisão já se justificaria, posto que pretende resguardar a ordem pública e imprimir celeridade ao processo, permitindo rápida formação da culpa, preservando a boa instrução criminal que apura crime onde a vítima e a representada eram muito próximas, o que revela a complexidade da causa e a facilidade de desvirtuamento da investigação se a MARIA estiver solta. Levando-se em consideração que a causa é complexa e que existem várias prisões com datas diferentes, e que são poucas as diligências necessárias para a conclusão do inquérito, é de se deferir a prisão preventiva requerida antes mesmo de oferecida a denúncia, posto que o fato típico, em si, já esta bem demonstrado.
A fim de preservar a garantia da ordem pública, assegurar a instrução criminal e a aplicação da lei penal, torna-se imprescindível a sua custódia cautelar. Posto isto, acolho o pedido para decretar a prisão preventiva de MARIA BEATRIZ LUIS, com fundamento no artigo 312 do Código de Processo Penal’ (fls. 46/47).
Posteriormente, quando da prolação da r. decisão de pronúncia, houve ainda menção à necessidade da constrição cautelar, exarada nos seguintes termos: ‘Os acusados tiveram prisão decretada, sendo certo que tal fato foi relevante para sucesso do procedimento criminal. Ademais, nesta pequena e pacata comarca a repercussão de um crime de homicídio causa clamor a ensejar a prisão, para acautelamento social, que deve ser mantida ademais que pronunciado o acusado. Da decisão conclui-se pela autoria e materialidade de crime tido por hediondo. Por isso, nos termos do artigo 408, parágrafo 2º do Código de Processo Penal, mantenho a prisão’ (fl. 180).
Conforme orientação do colendo Supremo Tribunal Federal, a decisão que indefere a liberdade provisória deve obrigatoriamente demonstrar a ocorrência concreta dos
requisitos da custódia cautelar, não sendo motivo idôneo a referência ao clamor público, o qual, por si só, não tem força de embasar a constrição cautelar. Confira-se a propósito os seguintes precedentes: ‘1. Prisão por pronúncia de réu já anteriormente preso: pressuposto de validade da prisão cautelar anterior. É sedimentada a jurisprudência no sentido de que, se a pronúncia, para conservar preso o réu, cinge-se à remissão aos fundamentos do decreto de prisão preventiva anterior, a eventual
inidoneidade destes contamina de nulidade a prisão processual; a fortiori , a orientação é de seguir-se quando a pronúncia silencia totalmente a respeito, como ocorreu no caso. 2. Prisão preventiva: motivação inidônea. Ausente fundamento cautelar no decreto de prisão, devem ser desprezadas, porque a ele aditado pelas sucessivas instâncias, a alegada situação peculiar do paciente - descrita osteriormente na denúncia - e, especialmente, as invocações relativas à gravidade do delito, ao clamor público e à garantia da credibilidade da Justiça que, de resto, têm sido repudiadas pela jurisprudência do STF como motivos idôneos da prisão preventiva’.
(HC 83782/PI, 1ª Turma, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 25/02/2005).
‘HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS: AUSÊNCIA. 1. Conveniência da instrução criminal. A mera afirmação de que o paciente influiria nas investigações, sem elementos concretos que a comprove, não constitui fundamento idôneo à decretação da prisão
cautelar. 2. Necessidade de preservação da ordem pública. É insuficiente o argumento de que esse requisito satisfaz-se com a simples assertiva de clamor público em razão da hediondez do fato delituoso e da sua repercussão na comunidade, impondo-se a medida constritiva de liberdade sob pena de restar abalada a credibilidade do Poder Judiciário. 3. Garantia da aplicação da lei penal. A circunstância de o paciente ter fugido após a consumação do crime não significa que pretenda furtar-se à sanção penal que eventualmente lhe for aplicada, já que, decorridos cinco dias do fato delituoso, compareceu perante a autoridade policial e confessou a autoria, permanecendo no distrito da culpa durante cinqüenta dias, quando foi decretada a sua prisão preventiva. 4. O caráter hediondo do crime não consubstancia motivo suficiente à adoção da prisão preventiva automática, de muito abolida do sistema processual penal brasileiro. Habeas corpus deferido’.
(HC 82446/MG, 2ª Turma, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 12/06/2003).

‘HABEAS CORPUS - CRIME HEDIONDO – ALEGADA OCORRÊNCIA DE CLAMOR PÚBLICO - TEMOR DE FUGA DO RÉU - DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA - RAZÕES DE NECESSIDADE INOCORRENTES - INADMISSIBILIDADE DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE - PEDIDO DEFERIDO. A PRISÃO PREVENTIVA CONSTITUI MEDIDA CAUTELAR DE NATUREZA EXCEPCIONAL. - A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade. A prisão preventiva, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e indício suficiente de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu.
A PRISÃO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO TEM POR OBJETIVO INFLIGIR PUNIÇÃO ANTECIPADA AO INDICIADO OU AO RÉU. - A prisão preventiva não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão preventiva - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.
O CLAMOR PÚBLICO, AINDA QUE SE TRATE DE CRIME HEDIONDO, NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE.
- O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade. O clamor público - precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) - não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu, não sendo lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contém no art. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal. Precedentes. - A acusação penal por crime hediondo não justifica, só por si, a privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu. A PRESERVAÇÃO DA CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES E DA ORDEM PÚBLICA NÃO CONSUBSTANCIA, SÓ POR SI, CIRCUNSTÂNCIA AUTORIZADORA DA PRISÃO CAUTELAR. - Não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de que o réu, por dispor de privilegiada condição econômico-financeira, deveria ser mantido na prisão, em nome da credibilidade das instituições e da preservação da ordem pública. ABANDONO DO DISTRITO DA CULPA PARA EVITAR SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA - DESCABIMENTO DA PRISÃO PREVENTIVA. - Não cabe prisão preventiva pelo só fato de o agente - movido pelo impulso natural da liberdade - ausentar-se do distrito da culpa, em ordem a evitar, com esse gesto, a caracterização da situação de flagrância.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE DECRETAR-SE A PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE. - Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão preventiva.
DISCURSOS DE CARÁTER AUTORITÁRIO NÃO PODEM JAMAIS SUBJUGAR O PRINCÍPIO DA LIBERDADE. - A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem. Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível - por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) - presumir-lhe a culpabilidade. Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial
condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da não-culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário’.
(HC 80719-4/SP, 2ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, DJ de 28/09/2001).
‘Prisão preventiva: motivação substancialmente inidônea. Não serve a motivar a prisão preventiva " que só se legitima como medida cautelar " nem o apelo fácil, mas inconsistente, ao clamor público " mormente quando confundido com o estrépito da mídia ", nem a alegação de maus antecedentes do acusado " quando reduzidos a um
processo penal no qual absolvido " nem, finalmente, que se furte ele " já superada a situação de flagrância " à ordem ilegal de condução para ser autuado em flagrante, à qual se seguiu decreto de prisão preventiva, contra o qual, de imediato, se insurgiu em juízo: precedentes do Supremo Tribunal’. (HC 80472-1/PA, 1ª Turma, rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 22/06/2001).
‘Habeas corpus . 2. Decreto de prisão preventiva. Fundamentação. A base
empírica que justificou a decretação da prisão preventiva não se sustenta. 3. Policial militar. A circunstância de o paciente ser policial militar não é suficiente para embasar a prisão cautelar. Precedente. 4. O clamor público e a credibilidade das instituições, por si sós, não autorizam a custódia. 5. Habeas corpus deferid’. (HC 82.832-9/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 05/09/2003).

Corroborando este entendimento colaciono o seguinte precedente desta Turma:
‘HABEAS CORPUS . DIREITO PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE. CARACTERIZAÇÃO. 1. A simples referência ao clamor público, sem mais, e a alusão a notícia de ameaças por parte dos apontados autores dos delitos, desprovida de efetiva definição e indicação da prova da sua existência, não podem ser acolhidas como bastantes à preservação da prisão decretada, porque não demonstram as suas razões legais, como o exige a natureza
excepcional da cautelar prisional, decorrente do princípio constitucional da presunção de não culpabilidade. 2. A fuga do autor do delito, para evitar a prisão em flagrante, sem outras circunstâncias que revelem a sua deliberação de livrar-se da ação da justiça, não autoriza a decretação da prisão provisória. 3. Ordem concedida, com extensão ao co-réu’. (HC 35026/MG, 6ª Turma, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de
14/02/2005).
Ante o exposto, concedo a ordem para conferir à paciente o benefício da liberdade provisória, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que venha a ser
novamente decretada a custódia cautelar, devidamente fundamentada. É como voto.”
(STJ, Habeas Corpus Nº 35.672 - SP (2004/0072030-9). Rel. Ministro Felix Fischer, j. 07/04/2005)


O que se percebe, portanto, é que a jurisprudência vem demonstrando que o clamor público por si só não está apto a produzir uma prisão preventiva, pois a mesma ocorre quando o acusado possui possibilidade de fuga, ou impede seja através de ameaça ou destruição de provas, o trabalho que deve ser realizado na instrução criminal.
A insatisfação e a descrença na justiça por parte da sociedade é grande, porém não é através de comoção pública que a justiça estará determinando e cumprindo o seu papel quanto órgão responsável pela segurança de toda uma população, e sim seguindo critérios e não afrontando princípios tão ressaltados pela norma maior: a Constituição Federal.

9.CONSIDERAÇÕES FINAIS


Prisão preventiva é medida excepcional, na qual existem pressupostos e requisitos que devem ser atendidos, não podendo ser decretada uma medida cautelar por comoção pública, uma vez que inexistam elementos essenciais à sua decretação.
É cediço que a população tem sede de justiça. Entretanto, esquece-se que a liberdade é o maior bem após a vida, bem este defendido pela Constituição Federal.
Há que se ressaltar, o princípio da presunção da inocência que, no calor da emoção é completamente esquecido, configurando a prisão preventiva como fator predominante de culpabilidade do acusado, sendo esquecido que a aludida prisão somente é decretada quando a existência da periculosidade.
Não se pode esquecer também, que se inocente for o acusado, com a decretação da sua prisão, a sua reputação corre o risco de jamais voltar ao seu estado anterior, o que pode acarretar sérios danos morais e psicológicos não só ao mesmo, mas a todos que o cercam, sua família, entre outros.
Ocorrem situações em que, a prisão preventiva do acusado é decretada e como não existe previsão legal para a sua duração, o indivíduo passa no cárcere por tempo indeterminado, e após todo o sofrimento psicológico e físico, uma vez que o cárcere no Brasil tende a degradar muito mais do que ressocializar o acusado, o mesmo é inocentado com o trânsito em julgado da sentença.
Assim, permanece a pergunta, quem pagará pelo tempo que este indivíduo permaneceu erroneamente no cárcere?
Deve ser levado, portanto em consideração todas essas circunstâncias que podem comprometer a vida de todo indivíduo acusado e preso precipitadamente sob forte comoção pública.
Sendo assim, resta claro acerca da necessidade de ser respeitado o princípio da presunção de inocência, e o devido processo legal, para que os procedimentos sejam realizados dentro de uma extrema legalidade, prevalecendo somente os pressupostos necessários para proceder a uma medida excepcional.
Nesse sentido, é com o intuito de resguardar os interesses individuais, que a prisão cautelar possui todo um aparato de dispositivos legais que devem ser obrigatoriamente respeitados.
Traçados os pontos salutares da prisão preventiva, constata-se que por mais que a sociedade almeje a coibição da impunidade, não é através de decretação de medida cautelar que se encontra a origem dos problemas, tampouco na resolução dos mesmos, e sim que o Estado de maneira imprescindível, disponha de recursos que possibilitem uma aplicação efetiva do Direito Processual Penal.



































10.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração.Rio de Janeiro:.Renovar,1998

FARIA, Bento. Código de Processo Penal. Ed. J. Ribeiro dos Santos, Rio de Janeiro, 1942.


FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 2 ed. Ver. E atual. São Paulo:
RT, 2000.

FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. 3 v. 18º ed. Saraiva, São Paulo, 1978.


GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo,
1997.

JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual Penal. 10ªed.rev.atual.Rio de Jneiro:Forense,1997.

JESUS, E. Damásio de. Direito Penal, I vol – Parte Geral, 1998, 21 ed. Saraiva, p. 517

MIRABETTE, Julio Fabrini. Código de Processo Penal interpretado. Atlas, 2 ed. São Paulo1994.

MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, tomo XII. Rio de Janeiro:
Forense, 1976.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 7. ed. rev. ampl. e atual. Lumen Juris : Rio de Janeiro, 2003. p. 04.


Autor: giovanna barletta


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