PRECONCEITO LINGUÍSTICO E A CONSCIENTIZAÇÃO



Ângela Catarina de Oliveira Vasconcelos

Orientadora: Mestre Maria José de Azevedo Araujo

RESUMO

O presente artigo "Preconceito Linguístico e a conscientização das normas linguisticas" aborda como acontece o preconceito linguístico na vida das pessoas e como a escola tem dificuldades em contornar a situação no dia a dia do aluno. Elaborou-se uma pesquisa qualitativa e bibliográfica. Sabe-se que a gramática é um dos instrumentos de ensino do professor, embora ainda surjam controvérsias do seu valor. Tem a finalidade de orientar e informar a melhor forma de falar a língua do seu país. Por outro lado, as leituras de textos literários e didáticos não são devidamente trabalhadas em sala de aula para melhor compreensão do aluno. A leitura com textos juntamente com a gramática não deve ser trabalhada separadamente. Sabe-se que os alunos entendem a importância de trabalhar a formação e o emprego das palavras. Não se pode esquecer que as raízes culturais das pessoas devem ser preservadas, pois são inquestionáveis, porém têm finalidade no estudo da língua, para entender a sua origem e o porquê da sua escrita.Ainda não se pode esquecer que noções e orientações quanto o correto e o incorreto para falar a língua, não vai afrontar a cultura de nenhum cidadão.

PALAVRAS-CHAVE

Ensino, língua, preconceito linguístico.

ABSTRACT

This article "Prejudice Language: A barrier to be faced in the classroom," as it deals with the linguistic bias in people's lives and that the school has difficulty getting around the situation on the day of the student. It is known that the grammar is one of the school teachers, although controversies arising from its value are intended to guide and inform the best way to speak the language of their country. Moreover, the readings of literary texts and textbooks are not properly worked in the classroom to better understand the student. The reading of texts with grammar should not be worked separately. With that students understand the importance of work training and employment of words. However, we must not forget that the cultural roots of individuals should be preserved because it is unquestionable, but has no purpose in the study of language, to understand their origin and why it is written. Still can not forget that ideas and guidance on the correct and incorrect to speak the language, will not offend the culture of any citizen.

KEYWORDS

Education, language, language bias.

INTRODUÇÃO

O fenômeno linguagem está hoje, entre as ciências humanas e pode – se afirmar que a linguística contribuiu de forma gratificante na construção desta escolha ao introduzir, ao andar da história, diferentes teorias e formas explicativas sobre sua real função.

Ao pesquisar as comunidades linguísticas o que se pode entender de imediato é o aparecimento de uma diversidade e uma variação lingüística, apontando diferentes maneiras de falar. Esses dois fatores podem ser observados em distintas regiões do Brasil e em diferentes estratos da população.

Segundo o sociólogo Nelson Viana "a linguagem é um fenômeno social e está ligada ao processo de dominação, tal qual o sistema escolar, que é a fonte de dominação lingüística.".

A conscientização da diversificação de normas linguísticas é essencial para que o ensino nas escolas seja lógico. No entanto, já foi comprovado que a norma lingüística ensinada na sala de aula é vista como uma verdadeira "língua estrangeira", pois o aluno que chega a escola, vindo de ambientes sociais diferentes, onde a norma lingüística empregada no quotidiano é uma variedade de português não - padrão.

Felizmente, esse fato lingüístico marcado pelas diversidades já é observado pelas instituições oficiais encarregadas de planejar a educação no Brasil. Assim, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's), publicados pelo Ministério da Educação e do Desporto em 1998, observa-se que:

A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em "Língua Portuguesa" está se falando em uma unidade que se constitui de muitas variedades. (...) A imagem de uma língua única, mas próxima da modalidade escrita da linguagem, subjacente às prescrições normativas da gramática enrolar, dos manuais e mesmo dos programas de difusão da mídia sobre "o que se deve e o que não se deve falar e escrever", não se sustenta na análise empírica dos usos da língua[1].

Há 11 anos, existem os Parâmetros Curriculares Nacionais que vêm fazendo a sua parte. Orienta as escolas nas metodologias pedagógicas. Eles vêm tentando vencer esse preconceito linguístico, porém não conseguiu acabar definitivamente.

O PORTUGUÊS DO BRASIL: UMA VARIEDADE MULTIFACETADA

No Brasil, por volta dos anos 70, lingüistas e filólogos tiveram um grande interesse em estudar a linguagem dentro do seu contexto social. Contudo, o português falado no Brasil foi a temática escolhida pelos estudiosos. No referido tema foram observados os fenômenos e fatores que impulsionaram a mudança do português trazido pelos primeiros colonos portugueses do século XVI ao português falado hoje em diferentes conjuntos.

Segundo Ilari e Basso (2006, p. 14) há algumas hipóteses levantadas que procuram explicar a especificidade do português falado no Brasil. Uma dessas hipóteses afirma que o português falado no Brasil é mais arcaico que o português europeu e outras hipóteses já colocam que o português brasileiro traz características próprias de algumas regiões de Portugal.

Por outro lado, não podemos nos esquecer das situações em que, no Brasil, o português passou a conviver com línguas diferentes num mesmo território, caracterizando um multilinguismo. A presença de diversas línguas indígenas e africanas e o deslocamento de um grande número de portugueses fez com que aqui florescesse um verdadeiro mosaico de línguas e dialetos que, embora suplantados mais tarde pelo português através da catequização indígena e imposição do português da metrópole, cooperou na caracterização e formação do português falado no Brasil. (ILARI & BASSO, 2006, p. 14)

Observa-se que profissionais como professores, historiadores e jornalistas estão convictos que a língua falada no Brasil é homogênea. Essa ideologia diante dos fenômenos lingüísticos expõe uma visão limitada, sendo corrompida sobre as línguas e seus falantes, fundamentando-se apenas nas informações de gramáticas prescritivas. Esses livros didáticos não levam em consideração o uso ativo da língua em seus diferentes contextos de fala, pois influenciam-se no conhecimento de gramáticas prescritivas.

É dada como importância a língua escrita como modelo padrão ou em outras ocasiões, identifica-se determinada variante diacrônica ou geográfica com o português certo.Essa ideologia centrada e preconceituosa em relação aos fenômenos lingüísticos julga o registro de apenas uma variedade da língua anulando qualquer outra modalidade lingüística.No entanto, todas as línguas podem sofrer variação e à mudança, como também o português do Brasil.

As variações linguísticas não acontecem separadamente, o que muitas vezes torna difícil, por exemplo, separar o que é diatópico do que é diastrático.Conforme Ilari e Basso (2006, p. 163), muitas vezes um traço tido como regional, como a queda do "erre" em final de palavras (planejá, viajá, fazê, por exemplo) pode ser falado num momento menos formal de fala, demonstrando com isso que, num certo tempo, pode ocorrer uma variação diatópica junto de uma variação diastrática.

A fala humana está sujeita à atuação de duas forças contrárias: a da variedade e da unidade.A força da variedade se atuasse isoladamente, não permitiria à linguagem a possibilidade de comunicação, uma vez que a linguagem seria pura expressão.Por outro lado, a força da unidade, ou força de unificação faria da língua um código protegido, incapaz de criatividade.Portanto, é sob a ação e interação dessas duas forças que as línguas permanecem em constante atualização, sem, no entanto, se desfigurarem:

A dialética dessas duas forças [diversificadora e unificadora] cria condições de estabilidade na língua, ou seja, permite que os falantes de uma geração tenham a ilusão de que a língua praticada é estável. Mas são naturais, a todas as línguas, os fenômenos da variação e da mudança, e as línguas variam e mudam assim como varia e muda a vida do homem na sociedade. (LEITE, 2008, p.57)

A preferência de uma determinada variedade torna-se, portanto, arbitrária e criada socialmente por razões políticas, sociais e culturais.Deste modo, algumas adquirem uma marca de prestígio, como é o caso da variedade falada por grupos de elite e outras variedades, não desfrutando deste mesmo prestígio social inseparável aos seus falantes, são desprezados, como é o caso do português não padrão.

Sendo assim, a avaliação negativa de erro lingüístico atinge não somente a esfera lingüística como também o indivíduo como um todo.Neste caso, a língua foi utilizada como um marcador de fronteiras de grupos sociais.De acordo com o uso do código lingüístico dos membros do grupo, pode ser indicada uma distinção entre eles e uma conseqüente exclusão social em virtude disso, além de limitar o acesso de determinado grupo social ao poder.

(...) A começar do nível mais elementar de relações com o poder, a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder. Para redigir um documento qualquer de algum valor jurídico é realmente necessário não somente conhecer a língua e saber redigir frases inteligíveis, mas conhecer também toda uma fraseologia complexa e arcaizante que é de praxe. Se não é necessário redigir, é necessário pelo menos entender tal fraseologia por trás do complexo sistema de clichês e frases feitas (GNERRE, 1991, p.22).

Para a Sociolinguística, não existe um único código lingüístico absoluto o qual as pessoas deveriam tomar por linguagem correta porque a própria variedade lingüística reflete a variedade social, assim como a sociedade reflete a diferença de papel entre os indivíduos.

É cada vez mais visível, nas línguas das sociedades mais complexas, que os falantes procurem definir e consagrar modelos de uso. Com isso, em todas as situações socialmente relevantes, falar ou escrever de acordo com os modelos mais bem-conceituados é uma forma de reforçar a aderência a certo grupo e, indiretamente, de acrescentar importância a própria mensagem.

Com a origem do português do Brasil, houve vários modelos que foram motivos de debates que ficaram conhecidos e incentivaram os estudiosos com suas teorias que demonstraram grande vitalidade. Porém os termos norma e modelo demonstram a uma pluralidade de interesses e, de fato, a busca de uma norma para o português brasileiro preocupou autores que tinham planos muito diferentes. Nem sempre essa distinção de planos é apontada com clareza na bibliografia sobre a matéria, e isso tem sido motivo de confusões, levando a ver como facetas de um mesmo fenômeno, situações e iniciativas que eram de fato, bastante distantes.

A variedade de língua ensinada nas escolas é um modelo que serve para a preparação de uma norma para o português escrito culto. Ela busca seguir, por exemplo, os escritores antigos e como efeito sai um código bem mais rígido do que o efetivamente aplicado no uso cotidiano das pessoas cultas.

PRECONCEITO LINGUÍSTICO E ENSINO

Desde o nascimento, o indivíduo possui formas internalizadas da linguagem, assim como, escutando outras pessoas conversarem, conseguem, com o tempo, aprender a se comunicar através da fala.Quando esse sujeito é inserido no ambiente escolar, inicia-se o processo de aprendizagem da língua padrão, ensinada através das Gramáticas Tradicionais, a qual muitas vezes é divergente da língua natural apreendida até então.Esse aluno iniciante, que já possuía sua "própria língua", na escola descobre que tudo o que aprendeu é considerado errado e dessa forma, sua personalidade / identidade se perde abrindo espaço para o preconceito em relação a outros modos de falar.

Nesse processo, a língua padrão passa a ser considerada a forma "correta" de se expressar, em detrimento de outras formas, que por sua vez, passam a ser consideradas "feias ou incorretas".Em conjunto com essas situações reais, pode surgir o preconceito lingüístico, que de acordo com o lingüista brasileiro Marcos Bagno, "é a atitude que consiste em discriminar uma pessoa devido ao seu modo de falar".

Marcos Bagno, afirma que o "preconceito lingüístico é somente uma "denominação bonita" para um profundo preconceito ` social ´: não é a maneira de falar que sofre preconceito, mas a identidade social e individual do falante".Essa afirmação reforça o caráter social da linguagem e a exclusão social que ocorre por meio dela, aquele que não teve acesso, dificilmente ascenderá socialmente, ou seja, permanecerá excluído ao acesso à cultura e à sociedade de maneira geral.

O papel das instituições escolares deveria ser o de ensinar o aluno que existe uma norma padrão, mas que também existem suas variações e que todos nós devemos identificar as situações nas quais utilizaremos uma em detrimento da outra, o aluno deve saber que não existe certo ou errado, apenas situações de uso, para que o aluno não ache que o dialeto caipira, por exemplo, é errado, ou que o jeito como seus pais se comunicam em casa, provavelmente informalmente, também é errado. O aluno como indivíduo inserido na sociedade deve saber refletir, não só sobre o uso da língua, mas sobre todas as questões que afetam a relação entre os seres humanos de maneira geral.

Cada um de nós que esteja comprometido com a luta contra as desigualdades sociais deve reconhecer que pessoas provenientes das camadas populares, falantes de diferentes variedades linguísticas têm o direito de conhecer a norma padrão sem, contudo, deixar de reconhecer a importância de seu dialeto e o motivo pelo qual ele vem sendo estigmatizado.Entendendo isto, o falante desta variedade não padrão será capaz não só de obter uma maior participação na vida política e lutar contra as desigualdades sociais que o discriminam, como adquirir um poder de transformar sua condição de excluído das relações sociais que norteiam sua vida.

O objetivo maior do ensino é preparar o cidadão conhecedor de toda a riqueza lingüística presente nas diversas variedades que compõem o português do Brasil, privilegiando não apenas uma modalidade lingüística, mas procurando a valorização da linguagem como um todo.

A escola precisa apreender que o aluno chega até lá falando o português de sua comunidade, que na maioria das vezes é uma variedade não – padrão, e que seu papel educacional é de acrescentar e não de substituir a norma culta da língua ao processo de construção de saberes da criança. O Brasil será um país cada vez mais elitista, se as instituições formais de ensino não acolher a existência de uma multiplicidade de línguas portuguesas. Bagno propõe uma digna saída para o ensino, indicando que a disciplina língua portuguesa, deve conter uma boa qualidade de atividades de pesquisa, que permitam ao aluno a construção do seu próprio conhecimento lingüístico, como ferramenta eficaz versus a reprodução sem reflexão e crítica da doutrina gramatical normativa.

O tratamento dado ao falante da língua não formal, e as implicações desse tratamento desigual que se perpetuou até os dias de hoje incute – nos uma espécie de missão onde a função essencial dos educadores passa por transformarem tudo que destrói a imagem dos povos que estão à margem da sociedade.

A escola precisa e deve considerar a diversidade lingüística e cultural da humanidade, e estender suas considerações a toda diversidade étnica – cultural – sócio – econômica, haja vista, que em todas as experiências históricas, todo grupo conhecido que se torna dominante, se impõe sobre as demais estâncias sócio – culturais, infelizmente sempre de forma violenta.

O PROFESSOR NOS CAMINHOS PARA O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

Com a democratização do ensino que teve início nos anos 60 e avanço constante dos assuntos lingüísticos houve uma preocupação maior por parte dos educadores com as diferentes variedades / variações linguísticas. Hoje, o número crescente de alunos usuários de uma variedade linguística de menor prestígio fez com que cada vez mais a escola procurasse conciliar a diversa variante lingüística com a chamada norma padrão culta, passando estas a coexistir num mesmo espaço.

A luta por uma situação de equilíbrio tornou-se inevitável, procurando sempre conscientizar o usuário da variedade linguística de menor prestígio sobre a riqueza de sua língua em suas múltiplas formas.Nesta perspectiva, o ensino da língua materna não pode nem deve ter o rigor ditatorial da norma culta padrão com a imposição de um novo padrão linguístico como correto, assim como não se deve desprezá-lo em sua totalidade:

Um ensino de língua materna comprometido com a luta contra as desigualdades sociais e econômicas reconhece, no quadro dessas relações entre a escola e a sociedade, o direitoque têm as camadas populares de apropriar-se do dialeto de prestígio, e fixa-se como objetivo levar os alunos pertencentes a essas camadas a dominá-lo, não para que se adaptem às exigências de uma sociedade que divide e discrimina, mas para que adquiram um instrumento fundamental para a participação política e a luta contra as desigualdades sociais. (SOARES, 1986, p. 78).

O papel da Linguística tem sido de ampliar a visão em relação aos fatos da língua, procurando descrever e analisar as diversas variedades linguísticas e o uso efetivo de seus falantes, possibilitando ao professor a aplicação de novas estratégias no ensino da língua que passa a ser estudada em toda sua completude, com maior rigor e longe dos estereótipos mais comuns.

Idealmente, o estudante e o professor devem adotar em relação aos fatos a mesma atitude do cientista natural: levantar hipóteses intuitivas, dar a essas hipóteses uma formulação exata, inferir suas consequências e confrontá-las com os fatos, para uma confirmação sempre provisória ou uma refutação (ILARI,1985, p.11).

Todo esse processo investigativo evita que tanto o aluno quanto o professor adiram a uma posição dogmática e equivocada em relação ao estudo da língua materna, preparando-os para refletir e reagir de maneira crítica, evitando ceder ao preconceito que permeia o senso comum.

Do ponto de vista teórico, esta nova postura pode ser simbolizada numa simples troca de sílaba. Em vez de repetir alguma coisa, o professor deveria refletir sobre ela.Diante da velha doutrina gramatical normativa, o professor não deveria limitar–se e a transmiti–la tal e qual ela se encontra compendiada nos manuais gramaticais ou nos livros didáticos.

Nessa nova postura de reflexão, é indispensável que o professor procure, tanto quanto possível, estar sempre a par dos avanços das ciências da linguagem e da educação: lendo literatura científica atualizada, assinando revistas especializadas, filiando – se a associações profissionais, freqüentando cursos em universidades, aderindo a projetos de pesquisa, participando de congressos, levantando suas dúvidas e inquietações em debates e mesas – redondas.

Do ponto de vista prático, a nova postura pode ser representada na eliminação de uma única sílaba também.Em vez de reproduzirseu próprio conhecimento da gramática, transformando–se num pesquisador em tempo integral, num orientador de pesquisas a serem compreendidas em sala de aula, junto com seus alunos.

A gramática é uma ciência, por isso,

Não há razão para que o professor de gramática seja dispensado da formação científica que se exige de um professor de biologia ou de psicologia. (...) É definitivamente necessário começar a conceber a gramática como uma disciplina viva, em revisão e elaboração constante. (PERINI, 1996, p. 16 – 17)

Para romper o círculo vicioso do preconceito lingüístico no ponto em que se tem mais poder para atacá-lo a prática de ensino, precisa – se rever toda uma série de "velhas opiniões formadas" que ainda dominam a maneira de ver o próprio trabalho.

Todo falante nativo de uma língua é um falante plenamente competente dessa língua, capaz de discernir intuitivamente a gramática calidade ou agramaticalidade de um enunciado obedece ou não as regras de funcionamento da língua.

Ninguém comete erros ao falar sua própria língua materna, assim como ninguém comete erros ao andar ou ao respirar. Só se erra naquilo que é aprendido, naquilo que constitui um saber secundário, obtido por meio de treinamento, prática e memorização: erra – se ao tocar piano, erra – se ao dar um comando ao computador, erra – se ao falar/ escrever uma língua estrangeira. A língua materna não é um saber desse tipo: ela é adquirida pela criança desde o útero, é absorvida junto com o leite materno. O resultado disso é como diz Perini (1997: 11), que "nosso conhecimento da língua é ao mesmo tempo altamente complexo, incrivelmente exato e extremamente seguro".E o mesmo autor prossegue, afirmando (p.13) que:

Qualquer falante de português possui um conhecimento implícito altamente elaborado da língua, muito embora não seja capaz de explicitar esse conhecimento.E (...) esse conhecimento não é fruto de instrução recebida na escola, mas foi adquirido de maneira tão natural e espontânea quanto a nossa habilidade de andar.Mesmo pessoas que nunca estudaram gramática chegam a um conhecimento implícito perfeitamente adequado da língua. São como pessoas que não conhecem a anatomia e a fisiologia das pernas, mas que andam, dançam, nadam e pedalam sem problemas.

Assim, pode – se dizer até que existem "erros de português", só que nenhum falante nativo da língua os comete!

Em relação à língua escrita, seria pedagogicamente proveitoso substituir a noção de erro pela tentativa de acerto. Afinal, a língua escrita é uma tentativa de analisar a língua falada, e essa análise será feita, pelo usuário da escrita no momento de grafar sua mensagem, de acordo com seu perfil sociolingüístico.

Quanto à língua falada, fica óbvio que o rótulo de erro é aplicado a toda e qualquer manifestação linguística (fonética, morfológica e sintática, principalmente) que se diferencie das regras prescritas pela gramática normativa, que se apresenta como codificação da "língua culta", embora na verdade seja a codificação de um padrão idealizado, que não coincide com a verdadeira variedade culta objetiva.

Sendo assim, usar a língua tanto na modalidade oral como na escrita, é encontrar o ponto de equilíbrio entre dois eixos: o da adequabilidade e o da aceitabilidade.

A PRECARIEDADE DO ENSINO NA LÍNGUA PORTUGUESA

Os professores estão se perdendo nos seus papéis como educadores. Ensinar gramática regularmente está virando privilégio para as escolas particulares, onde o público privilegiado é a elite. Enquanto os alunos de escolas públicas mal têm incentivos de ler e entender a língua do professor. Além das falhas no ensino, surge outro problema: a cultura deles geram conflitos no relacionamento entre professor e aluno. São palavras do tipo "nois", "bicicreta", "cheguemos", etc., causam situações engraçadas e viram preconceito. Por mais que o profissional dê a sua aula ele tem que procurar incentivar ou convencer aquele aluno em falar adequado sem humilhá-lo.

Marcos Bagno (2004, p.52) é bem objetivo quando fala que os professores devem explicar para os alunos que palavras escritas de maneira antiga não deixam de ser palavras. O fato é que ocorre uma mudança, com isso a língua está sempre mudando. Ele ressalta: "o que acontece é que em toda língua do mundo existe um fenômeno chamado variação, isto é, nenhuma língua é falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas falam a própria língua de modo idêntico."

Mais adiante o referido lingüista faz uma crítica de que existem gramáticas que ensinam aos professores corrigirem e dizer que estão incorretas a escrita antiga de palavras do tipo, muleque, bêjo, minimo, bisôro, entre outras, ao invés de mostrar a realidade que antes as palavras eram faladas desse jeito, sem nada comprometer ou justificar que o português popular está errado e o que equivale é o português padrão. "Essa supervalorização da língua escrita combinada com o desprezo da língua falada é um preconceito que data de antes de Cristo!" (BAGNO, 2004, p.52).

Sabe-se que a educação não trabalha sozinha. Ela precisa de todo aparato social, econômico e político. Mas se a educação para as classes menos favorecidas não é de qualidade, então onde está a política e seus trabalhos com órgãos responsáveis para melhorar a capacitação dos professores e colocar as crianças, adolescentes numa escola de qualidade?

Além de trabalhar com qualidade o professor deve aprender a separar o conteúdo e deixar de lado as raízes culturais que o aluno apresenta, para não virar preconceito e perseguição. Isso é muitas vezes complicado, pois se há uma preocupação em falar certo de modo que se julga "as palavras diferentes" do aluno sejam erradas ou pouco faladas, isso se torna um grande desafio para ensinar a gramática normativa.

É preciso, portanto, que a escola e todas as demais instituições voltadas para a educação e a cultura abandonem esse mito da "unidade" do português no Brasil e passem a reconhecer a verdadeira diversidade lingüística de nosso país para melhor planejarem suas políticas de ação junto à população amplamente marginalizada dos falantes das variedades não-padrão. O reconhecimento da existência de muitas normas linguísticas diferentes é fundamental para o ensino em nossas escolas seja conseqüente com o fato comprovado de a norma lingüística ensinada em sala de aula é, em muitas situações, uma verdadeira "língua estrangeira" para o aluno que chega à escola proveniente de ambientes sociais onde a norma lingüística empregada no quotidiano é uma variedade de português não-padrão[2].

Outro fato é a insistência das mídias que estão contribuindo para a ocorrência desse ciclo vicioso. São papéis ilusórios tendo como destaque a fala do nordestino. Na novela "Senhora do Destino", a atriz Suzana Vieira interpretou o papel da paraibana Maria do Carmo Ferreira Silva, que saiu do sertão para melhorar de vida no Rio de Janeiro. Depois de morar um bom tempo na zona urbana, ainda continua com o mesmo sotaque. Isso não é real, se uma pessoa vive em um grupo de povos que têm outros costumes é evidente que vai mudar sua postura. A influência desse meio vai mudá-lo (a) ou pelo menos fazer uma reflexão do que quer.

A colonização acabou a muito tempo, os laços das colônias colonizadoras já se romperam, mas as pessoas não acordam para isso. Então cada povo deve viver a sua origem, respeitando os costumes e valorizando a sua língua.

O EMPREGO DA GRAMÁTICA TRADICIONAL

Sabe-se que cada indivíduo quando nasce e à medida que vai desenvolvendo seu raciocínio, ele vai estruturando mentalmente as palavras escritas ou faladas. Isso ocorre a partir dos 3 ou 4 anos de idade. Também não se pode esquecer que a influência e convívio da família ajudam a criança falar. Essa interação é denominada gramática internalizada.

Em síntese, a gramática da língua vai sendo aprendida naturalmente, quer dizer na própria experiência de se ir fazendo tentativas, ouvindo e falando. Não há um momento especial nem uma pessoa específica destinados ao ensino dessa gramática. Ela vai sendo incorporada ao conhecimento intuitivo, pelo simples fato de a pessoa estar exposta à convivência com os outros, a atividades sociais de uso da língua das conversas familiares às atuações mais tensas e formais. Ou seja, essa gramática está inerentemente ligada à exposição da pessoa aos usos da língua. A escola virá depois, para ampliar. (ANTUNES, 2007, p.29)

Os professores reclamam que os alunos não sabem escrever. Isso não tem fundamento, pois o que eles não entendem é o português de Portugal que as gramáticas trazem. Além disso, já foi mencionado e todo profissional sabe da existência da gramática internalizada, como também outros tipos de gramáticas como culta e padrão.

(...) Como o nosso ensino da língua sempre se baseou na norma gramatical de Portugal, as regras que aprendemos na escola em boa parte não correspondem à língua que realmente falamos e escrevemos no Brasil. Por isso achamos que "português é uma língua difícil": porque temos de decorar conceitos e fixar regras que não significam nada para nós. No dia em que nosso ensino de português se concentrar no uso real, vivo e verdadeiro da língua portuguesa do Brasil é bem provável que ninguém mais continue a repetir essa bobagem". (BAGNO, 2004, p.35)

Então o problema com o ensino da gramática começa pelo método e opinião pessoal do professor. Ele prefere colocar a culpa no aluno ao invés de estudar ou ser criativo em suas aulas. É para isso que existe a dinâmica que tem como finalidade quebrar a monotonia e facilitar o ensino, incentivando ao aluno aprender e usar os seus conhecimentos sobre a língua portuguesa. No entanto, não é incomum ouvir estudantes dizerem que sentem dificuldades de aplicar o português, após terem estudado o ensino fundamental e médio. Se a decoreba de regras desnecessárias ou mal explicadas fossem banidas ou substituídas, as dificuldades seriam diminuídas ou eliminadas.

É claro que é preciso ensinar a escrever de acordo com a ortografia oficial, mas não se pode fazer isso tentando criar uma língua falada "artificial" e reprovando como "erradas" as pronúncias que são resultado natural das forças internas que governam o idioma. Seria mais justo e democrático dizer ao aluno que ele pode dizer BUNITO ou BONITO, porque é necessária uma ortografia única para toda a língua, para que todos possam ler e compreender o que está escrito, mas é preciso lembrar que ela funciona como a partitura de uma música: cada instrumentalista vai interpretá-la de um modo todo seu, particular!(BAGNO, 2004,p.52-53).

Segundo Marcos Bagno a proliferação de ensinamentos dos gramáticos tradicionalistas é tão massacrante que conseguem chegar aos meios de comunicação, inclusive criando supostos "programas educativos", para difundirem as idéias. Esses têm como intuito de divulgar e atrair consumidores para a compra de material didático do tipoCd's- Rom, Dvd's, livros, etc.Os donos desses "produtos" acreditam que os conteúdos vão servir de maneira geral para instruir o indivíduo, não se conscientizando que a língua vive em constante variação. No entanto, o referido lingüista faz um alerta:

Em termos mais brandos, a embalagem do CD-ROM Nossa língua portuguesa oferece o produto como uma ajuda a evitar "armadilhas" da língua. Ora, não é a "língua" que tem armadilhas, mas sim a gramática normativa tradicional, que as inventa precisamente para justificar sua existência e para nos convencer de que ela é indispensável. (BAGNO, 2004, p.39)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Refletir sobre a língua também é um compromisso de cidadania e o professor tem a participação efetiva nesse processo, uma vez que sua atuação deve seguir o sentido da inclusão e não da discriminação.

Da parte do professor em geral, e do professor de língua portuguesa em particular, essa mudança de atitude deve refletir-se na não aceitação de dogmas, na adoção de uma nova postura (crítica) em relação ao seu próprio objeto de trabalho: a norma culta.

É preciso que a sociedade se desligue da fala do português de Portugal. Brasil e Portugal não são sócios da língua. Cada um tem sua cultura definida. O passado colonial ainda continua, pois o cordão umbilical não foi solto e isso está prejudicando os brasileiros de falarem a sua língua atualizada. A omissão de falar coisas do tipo da sua cultura, as pessoas preferem passar por cima da origem e imitar a linguagem de Portugal. Contudo, não há uma gramática normativa que explique o verdadeiro português do Brasil, sem mistura com o português de Portugal.

Logo como se vê a língua portuguesa está virando um mercado capitalista exacerbado, onde os gramáticos tradicionais editam as leis e o consumidor ao invés de fazer papel de um conhecedor nativo da sua língua, é mais um consumidor alienado sem enxergar que está contribuindo para o descaso com a língua portuguesa.

SOBRE AS AUTORAS

Ângela Catarina de Oliveira Vasconcelos é graduada em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo (2007/2) pela Universidade Tiradentes em Aracaju/SE e atualmente é graduanda do segundo período do curso de Letras - Português da referida Instituição, cursando o 2º período, no segundo semestre de 2009. O presente artigo é resultado de uma pesquisa qualitativa do tipo bibliográfica, sob a orientação da professora Maria José de Azevedo Araujo. E-mail [email protected] e [email protected]

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Irandé. Muito Além da Gramática, por um ensino de línguas sem pedras no caminho. Editora Parábola Editorial, São Paulo. 2007

BAGNO, Marcos. Preconceito Lingüístico. 28ª ed. São Paulo. Editora Loyola.2004,

______. Preconceito Linguístico. 39 ed. São Paulo. Editora Loyola. 2009

BORTONI - Ricardo, StellaMaris. Nós cheguemu na escola, e agora? : sociolingüística & educação. ed. ParábolaEditorial,SãoPaulo, 2006.

CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 8ªedição, 2006, editora Cortez. São Paulo,

ILARI, Rodolfo; BASSO, Renato. O português da gente: a língua que estudamos a língua que falamos.1ª Ed. 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2007.

______. A Linguística e o ensino da língua portuguesa. São Paulo: Contexto.2001.

LEITE,Marli Quadros. Preconceito e intolerância na linguagem. São Paulo: contexto, 2008;

LEITE, Yvone e CALLOU Dinah. Como falam os brasileiros. 3ªedição, 2005, editora Jorge Sahar Editor, Rio de Janeiro;

PAVEAU,MarieAnne. As grandes teorias da lingüística: da gramática comparada à pragmática. 2006, editora Claruluz, São Paulo;

PERINI, Mário A. Gramática descritiva do português. 2ª edição, 1996, editora Ática, São Paulo.

______. Sofrendo a gramática. 1997, editora Ática, São Paulo.




Autor: Maria José de Azevedo Araujo


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