Gregório de Matos Guerra



Para muitos historiadores, o Gregório de Matos é o iniciador da literatura brasileira. Mas é interessante observar que permaneceu inédito até meados do século XIX. Sua produção poética sobreviveu, até então, em livros manuscritos, colecionada por admiradores. As duas tentativas de publicação completa — por sinal, muito insatisfatórias — ocorreram já no século XX: a edição da Academia Brasileira de Letras, em 6 volumes (1923-1933), e a edição de James Amado, em 7 volumes (1968).

1. INTRODUÇÃO

Como filho de senhor de engenho, Gregório estudou Direito na Universidade de Coimbra em Portugal, retornando ao Brasil, em 1682, nomeado para funções na burocracia eclesiástica da Sé da Bahia como juiz-de-fora.

Durou pouco no cargo e foi destituído em 1683, iniciando-se, então, a última fase de sua vida, casando-se com Maria dos Povos, a quem dedicou belíssimos sonetos. Isso não impediu a sua decadência, social e profissional.

Ficou famoso em suas andanças e pândegas pelos engenhos do Recôncavo. Mais famosas ainda eram suas sátiras. Talvez por causa delas, foi deportado para Angola, em 1694, retornando ao Brasil, no ano seguinte, mas para o Recife, onde morreu aos 59 anos de idade.

Gregório de Matos Guerra ficou conhecido na história da literatura como o Boca do Inferno, por causa de suas sátiras e de sua poesia. Mas sendo um autor barroco e, portanto surpreendente e contraditório, esse mesmo Boca do Inferno também disse coisas belíssimas sobre o amor.

2. CARACTERÍSTICAS DAS OBRAS DE GREGÓRIO DE MATOS

2.1. LÓGICA ARISTOTÉLICA

Reformatado, o pensamento cristão medieval reapareceu no Barroco: o equilíbrio do homem medieval se transformou em conflito permanente, representado em jogo de oposições e contrastes; havendo, assim, a substituição da "medida velha" medieval (redondilhos menor e maior — de 5 e 7 sílabas métricas) pela medida nova, proveniente da Itália: sonetos (versos decassílabos distribuídos em duas quartetos e dois tercetos).

O soneto foi uma das formas poéticas mais usadas na era clássica e sua estrutura segue a lógica aristotélica: tese (1ª estrofe), antítese (2ª estrofe) e síntese (3ª e 4ª estrofes).

A lei aristotélica da não-contradição diz que nenhuma afirmação pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo, e a lei aristotélica do terceiro excluído diz que uma afirmação deve ser ou verdadeira ou falsa; combinadas, estas duas leis requerem dois valores de verdade que são mutuamente exclusivos. Então uma afirmação pode ser falsa ou verdadeira, mas, de modo algum, pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo.

2.2. INTERTEXTUALIDADE

A poesia lírica religiosa de Gregório de Matos explorou temas como o amor a Deus, o arrependimento, o pecado, e apresentou referências bíblicas através de uma linguagem culta, cheia de figuras de linguagem.

O exemplo mais conhecido da literatura sacra de Gregório de Matos é o soneto A Jesus Cristo Nosso Senhor, no qual o poeta baseou-se numa passagem do Evangelho de S. Lucas, quando Jesus Cristo narra a parábola da ovelha perdida e conclui dizendo que "Há grande alegria nos céus quando um pecador se arrepende". Numa curiosa dialética, o poeta apelou para a infinita capacidade de Cristo em redimir os piores pecadores, alegando que a ausência de perdão representaria o fim da glória divina.

O soneto A Jesus Cristo Nosso Senhor é um poema simultaneamente contrito e desafiador, humilde e presunçoso.

2.3. CONCEPTISMO/ CULTISMO

Todo o rebuscamento que aflorou na arte barroca foi reflexo do dilema do conflito entre o terreno e o celestial, o homem e Deus (antropocentrismo e teocentrismo), o pecado e o perdão, a religiosidade medieval e o paganismo renascentista, o material e o espiritual.

A arte assumiu, assim, uma tendência sensualista caracterizada pela busca do detalhe num exagerado rebuscamento formal, havendo então a notoriedade de dois estilos:

·Cultismo: caracterizado pela linguagem rebuscada, culta, extravagante; a valorização do pormenor mediante jogo de palavras, com visível influência do poeta espanhol Luís de Gôngora; daí o estilo ser conhecido, também, por Gongorismo.

·Conceptismo: marcado pelo jogo de idéias, de conceitos, seguindo um raciocínio lógico, racionalista, usando uma retórica aprimorada. Um dos principais cultores do Conceptismo foi o espanhol Quevedo, de onde deriva o termo Quevedismo.

2.4. ANTÍTESE

A oscilação da alma barroca entre o mundo terreno e a perspectiva da salvação eterna aguçou-se em Gregório de Matos Guerra. Até meados do século XVIII, nenhum homem de letras poderia fugir a uma educação contra-reformista, pois os jesuítas controlavam todo o sistema de ensino.

Por outro lado, Gregório era filho dos verdadeiros senhores da terra, que possuíam todos os direitos, inclusive o de vida e morte e que, por isso, podiam exercer o estupro ou o simples domínio sexual sobre índias e escravas. Estavam presentes nele, portanto, os elementos contraditórios da época: a licenciosidade moral e a posterior consciência da infâmia, seguida do arrependimento.

Na maior parte dos poemas de Gregório de Matos, o poeta se ajoelha diante de Deus, com um forte sentimento de culpa por haver pecado, e promete redimir-se. E, como todo poeta barroco, buscou evadir-se pelo culto exagerado da forma, sobrecarregando a poesia de figuras da linguagem, tais como: metáfora, antítese (bem x mal; claro x escuro; céu x inferno; pecado x perdão), hipérbole, gradação, paradoxo, etc.

2.5. TEOCENTRISMO/ ANTROPOCENTRISMO

Pode-se afirmar que o estilo barroco se configurou nos moldes da Contra-Reforma e dos Concílios de Trento (século XVI), tentando conciliar o paganismo renascentista, o antropocentrismo, com a tradição religiosa que vinha da Idade Média, o Teocentrismo. Foram principalmente esses dois acontecimentos, que marcaram os princípios ideológicos do homem daquele tempo, impondo-lhe traços relevantes em pensamento, concepções sociais e políticas, arte e, naturalmente, a religião.

O barroco nasceu da crise dos valores renascentistas (antropocentrismo x teocentrismo) ocasionada pelas lutas religiosas e pela crise econômica da época (falência do comércio com o Oriente). O homem do Seiscentismo (os anos de 1600) vivia em estado de tensão e desequilíbrio.


Autor: Claudia Silvania


Artigos Relacionados


Os Olhos De Deus

ParÓdia: Tema : O Sol E A Terra ( Os Astros )

Presos Ao Tempo... Questionamos

Poemas Malditos – Ii ( álvares De Azevedo )

Esperança

Pico E Bico

About Me