Parâmetros Curriculares: Tendências e Filosofia



Este estudo é convite a uma incursão pela história do currículo, para conhecer algo de sua genealogia, das tendências e da filosofia. Não se trata de levas às ultimas conseqüências nenhum destes aspectos, nem mesmo de defender um ponto de vista, nem, tão pouco, de se ater a um único olhar ou destacar e, propor uma teoria curricular com acento privilegiado sobre qualquer outra.

Partindo do pressuposto de que o currículo é construção subentende-se que as várias formas que assume obedecem a discursividades diferentes, nos diversos tempos e nos mais diferentes lugares. Tempo e lugar, ou se se quiser, tempo e espaço diferentes produzem discursividades diferentes e, portanto, modos diferentes de entender e de produzir curricula (Currículos).

Currículo é lugar de representação simbólica, transgressão, jogo de poder multicultural, lugar de escolhas, inclusões e exclusões, produto de uma lógica explicita muita vezes e, outras, resultado de uma “lógica clandestina”, que nem sempre é a expressão da vontade de um sujeito, mas imposição do próprio ato discursivo.

Busca-se entender como este fenômeno aconteceu no Brasil, no decurso do tempo, destacando as tendências principais para, finalmente, fazer uma abordagem das mais recentes tendências de entender o currículo à luz dos Estudos Culturais, em que as diferenças produzem situações, entendimentos, resultados, ações, tratamentos, significados, coisas e estados de coisas diferentes que devem e necessitam ser levadas em conta por todas as pessoas em geral e pelos educadores em particular.

O termo “currículo” deriva do verbo latino currere (correr). Há os substantivos cursus (carreira, corrida) e curriculum que, por ser neutro, tem o plural curricula. Significa “carreira”, em forma figurada.

A palavra curriculum foi utilizada como diminutivo de currus (carro), que nada tem a ver com o sentido que lhe atribuímos hoje, nem como cirriculum vitae nem como currículo escolar. Ao buscar as origens do currículo, tal como se entende hoje, sob a dupla dimensão do documento escrito e daquilo que é educativo.

Esta é uma síntese cuja elaboração histórica percorreu longo e plural caminho. Supõem-se, neste conceito, várias construções, como: pedagogia, disciplinas, atividades, objetivos, metas, função, planejamento (educativo), domínio do saber (ciências particulares), aprendizagem, “tempo certo”, nível de aprendizagem, eficácia da aprendizagem. Estes são domínios de conhecimentos bem tardios.

Outro problema enfrentado por quem busca as origens do currículo (não a origem), são as múltiplas vozes que se apresentam com autoridade para informar.

Verificamos que a palavra curriculum migrou da Inglaterra para os Estados Unidos por volta de 1940. é apenas a partir de aproximadamente 1945 que o conceito começa a se delinear, como produto da era industrial.

Isso nos leva a assumir, com Terigi, que o currículo se desenvolve concomitante e inspirado nas linhas conceptuais da pedagogia estadunidense a que Dias Barriga chama de “pedagogia da sociedade industrial”.

A partir da era industrial se faz a produção do ensino atual do currículo, fenômeno que se estabelece definitivamente no pós-Segunda Guerra Mundial.

Terigi faz uma importante distinção ternária, ao se reportar à “verdadeira” origem do currículo, segundo três enfoques de três autores diferentes.

A autora se atém a três possibilidades de determinar a origem do currículo, sem descartar a possibilidade de tantas outras mais, na dependência de diferentes enfoques.

Partimos do pressuposto teórico de que currículo é construção. Se é construção, então a pluralidade curricular é correlata às formas epistemológicas das discursividades. “Sua construção supõe certa perspectiva assumida na área da filosofia da educação, dado que é em função do sistema a que se dá assentimento que se precisa à direção e o sentido próprio do processo pedagógico”.

A prescritividade continua presente em toda a idéia de currículo e em todas as práticas curriculares. Contudo, não se sustenta mais manter um critério curricular universal e um currículo fechado em uma prescritividade única.

Em qualquer acepção que se tome o currículo, sempre se está comprometido com algum tipo de poder. Não há neutralidade nessa opção. Inclusões e exclusões estão sempre presentes no currículo.

Efetivamente, o currículo sempre é currículo para alguém, construído a partir de alguém. Urge, pois, que autor e destinatário coincidem ao convencionar o que é, de fato importante. E esta coincidência só pode nascer da participação efetiva de uma proposta curricular.

Até os anos 1960, as questões curriculares eram tratadas “em si mesmas”. Não se confrontavam com a sociedade onde se inseriam. A implicação social do currículo começou a ser pensada na Grã-Bretanha, a partir dessa década.

Compreende-se, a partir de então, que o currículo traduz elementos da memória coletiva, expressão ideológica, política, expressão de conflitos simbólicos, de descobrimento e ocultamento, segundo os interesses e jogos de força daqueles que estão envolvidos (ou não) no processo educativo.

Quando se fala em “seleção de conteúdos”, não se fala de coisa neutra: na escolha de conteúdos curriculares se determinam variáveis sociais significativas e dinâmicas.

O currículo é um dos “lugares” em que se “concede a palavra” ou “se toma a palavra”, no jogo das forças políticas, sociais e econômicas. A manipulação da informação é facilmente exercitada através do currículo explicado nos manuais escolares que circulam internamente à escola, mas que são curriculum (veiculo) das idéias e das práticas que “rolam” fora da escola-instituição.

No currículo não é diferente: o exercício do poder por meio do currículo é muito difuso, passando pela instituição, pelos grupos que circulam na instituições, pelos sujeitos diversos da comunidade escolar e extra-escolar.

Não temos, no Brasil, algo que corresponda efetivamente a um estudo aprofundado, de tradição consolidada sobre o problema do currículo. É um campo do conhecimento educacional pouco explorado ainda. Esta questão tem sido discutida de forma difusa em muitos “lugares”, por exemplo, junto com a questão do livro didático, na discussão das relações escola e sociedade, junto com a questão das dificuldades de aprendizagem dos alunos, com o problema da competência técnica e política do professor e outras temáticas mais.

A relação estreita entre currículo e sociedade começou a ser posta no Brasil a partir do final da década de 1960.

As diferenças culturais emergiam como temática importante, cujo estudo vem tomando corpo no Brasil, especialmente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul que, nos cursos de pós-graduação em educação, tem oferecido vários seminários avançados sobre o assunto.

O grande desafio ainda por vencer é conseguir que estes enfoques cheguem às escolas. Enfocando como um problema precipuamente prático, o currículo, no Brasil, demorou a alcançar um nível de discussão sociológica.

O debate foi aceso e abrangente. A educação popular ganhou espaços na reflexão e na prática pedagógica, bem como em nível teórico. Além das teorias critico-sociais, o construtivismo teve grande aceitação nos meios educacionais brasileiros.

A pesquisa em torno do currículo do primeiro grau se intensifica em fins de 1985, visando buscar causas da evasão e repetência, grave problema educacional. Tais estudos tendiam a encontrar as causas dos problemas na questão dos conteúdos. Não se chegou a apontar as mudanças que poderiam reverter os problemas e gerar o fortalecimento da educação formal do país.

A tendência mais corrente é a de adotar um currículo crítico ou, ao menos, uma postura crítica diante das questões curriculares. Começou-se a pensar sobre a adequação do currículo às classes e grupos mais excluídos sobretudo pela pobreza material. Buscou-se discutir a questão da formação básica para todos os brasileiros, com respeito mantido pelas questões e interesses regionais. Considerou-se importante, neste período, discutir os conteúdos que se configuram como necessários à educação.

O que se pode dizer é que a questão dos Estudos Culturais vem ganhando espaço na preocupação dos estudiosos do currículo. É, no Brasil, uma discussão que começa a se expandir. O curso de pós-graduação em educação da Universidade do Rio Grande do Sul tem sido um ambiente de receptividade e produtividade nesta linha.

Como já foi comentado, uma das mais recentes tendências quanto aos estudos curriculares é a de ligar o tema às questões culturais. Os Estudos Culturais, que tiveram sua origem na Inglaterra, vem influenciando significativamente a questão do currículo, como se ressaltou acima.

Numa perspectiva foucaultiana, a variável “poder” é decisiva na atual analise dos fenômenos sociais. Na analise, tanto dos componentes, quanto dos veículos desses componentes, no estudo do currículo, bem como na maneira pela qual se desenvolvem na escola. A variável “inclusão/exclusão” é amplamente empregada nessa mesma analise.

Trata-se, mais, de descobrir na cultura as diferenças mínimas, mas significativas, dinâmicas, diferenças que produzem diferenças.

Nos Estudos Culturais voltados para o currículo não se podem mais ignorar as diferenças culturais, de gênero, de raça, de cor, sex, etc.

Se aprofundássemos certos aspectos filosóficos destas questões, desembocaríamos na filosofia prática: a ética. Há, em todo o enfoque cultural destas questões, uma profunda preocupação com os valores éticos do respeito, do cuidado heideggeriano com a vida, com o outro, com o sujeito diferente, com a dor da exclusão, com a mágoa das minorias marginalizadas, com os excluídos, com a discriminação dos gays e lésbicas, com a exploração da mulher, com o abandono das crianças, com o silenciamento dos jovens e adolescentes.

As analises foucaultianas do poder, do disciplinamento dos corpos e das almas, e microfisica dos poderes que pervadem tudo, a política miúda, pulverizada mas eficiente, que submete, tudo isso que Foucault magistralmente trouxe à visibilidade tem servido amplamente para sustentar a analise social da educação e analises curriculares.

O currículo está intimamente ligado às questões culturais, desde o momento em que se faz a pergunta: “Currículo para quem?” Afinal, a questão do currículo é a questão central que diz respeito àquilo que a escola faz e para quem faz ou deixa de fazer.

O currículo tem história recente. Ainda que seja um termo utilizado desde a antiguidade clássica, como é hoje entendido, o currículo começou a fazer história apenas nas ultimas décadas.

Hoje, as questões curriculares estão intimamente conectadas aos problemas sociais e, em dias mais recentes, aos aspectos culturais. Mais uma vez a Inglaterra tomou a frente nestes estudos. A tendência atual é aprofundar esta questão, numa forte tentativa de eticidade perante as diferenças. A filosofia pós-moderna contribui, sem dúvida, a refletir a contingência, a pluralidade, a descontinuidade, o discurso, os recortes mínimos, as realidades pequenas: a “realidade real”.

O currículo é o lugar dos eventos micro e macro, dos sistemas educacionais, das instituições, a um tempo, e o lugar, também, dos desejos mínimos, por outro. As decisões tomadas a respeito do currículo (micro ou macro) afetam sempre vidas, sujeitos. Daí, sua importância.


Autor: Giovanni H Tibaldi


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