O REINO ENCANTADO DA PEDRA BONITA:



ACADÊMICO JOSCIVANIO DE JESUS

ACADÊMICA MARIA ADELCI LIMA FREIRE

ACADÊMICA ROSÂNGELA DOS SANTOS

ORIENTADORA MESTRE MARIA JOSÉ DE AZEVEDO ARAUJO

RESUMO

A pesquisa bibliográfica objetivou analisar uma importante questão presente nas obras "Os Sertões", de Euclides da Cunha, "Pedra Bonita" e "Cangaceiros", de José Lins do Rego e "Pedra do Reino", de Ariano Suassuna. O que foi o movimento histórico-fantástico da Pedra Bonita e como ele é abordado por esses autores que viveram e produziram em diferentes épocas. Percebe-se que o relato é histórico e carregado de lendas, sendo tratado de maneira poética nos romances de José Lins do Rego e Ariano Suassuna, enquanto Euclides da Cunha, que por um lado coloca o movimento como conseqüência do fanatismo e delírio dos pobres sertanejos, procura conferir um estatuto científico/jornalístico ao fato, tratando a questão sob uma análise objetiva baseando-se para tanto de teorias positivas, muito em folga na época.

PALAVRAS-CHAVE: Fanatismo religioso, sebastianismo, sertanejos, Pedra Bonita, Literatura Brasileira.

ABSTRACT

This article has the purpose of analyze and discuss am important question present in the works "Os Sertões", by Euclides da Cunha, "Pedra Bonita" and "Cangaceiros", by José Lins do Rego and "Pedra do Reino", by Ariano Suassuna: What was the historic-fantastic movement of Pedra Bonita and how the works cited above approach this topic. It is possible to realize that the treaty is historical, full of legends and poetical in the works by José Lins do Rêgo and Ariano Suassuna. In other way, Euclides da Cunha seeks to confer the scientific status to his masterpiece, treating the question in objective way, based in contemporary positivist theories, reducing the movement to the fanaticism and delirium of poor people in the northeast region of Brazil.

INTRODUÇÃO

Este artigo pretende analisar as representações do acontecimento de Pedra Bonita (ou Pedra do Reino), que serviu de fonte histórico-literária para muitos escritores, a exemplo de Euclides da Cunha, Ariano Suassuna, José Lins do Rego. Nota-se as diferentes maneiras com que esses autores, vivendo em épocas e estilos diferentes, adotaram para recontar o episódio: Euclides sucintamente mostra em "Os Sertões" a dicotomia entre fé x fanatismo; já com Ariano Suassuna e José Lins do Rego o tema adquire áureas de romance ficcional, tanto em "Pedra do Reino", de Ariano, com a narrativa, considerada até insana, do personagem Quaderna, quanto nos romances "Pedra Bonita" e em sua continuação "Cangaceiros", de José Lins.

Antes de especificar o que foi o movimento histórico da Pedra Bonita, faz-se necessário explicar a relação deste com o sebastianismo e os movimentos messiânicos brasileiros.

O sebastianismo é um fenômeno secular, que muitas vezes é visto como uma seita ou elemento de crendice popular. Teve sua origem na segunda metade do século XVI, surgindo da crença na volta de Dom Sebastião, rei de Portugal, que desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir, na África, no dia 4 de agosto de 1578, enquanto comandava tropas portuguesas. Como ninguém o viu tombar ou morrer, espalhou-se a lenda de que El-Rei voltaria. Alimentado por lendas e mitos, sobreviveu no imaginário português até o século XVII.

Vários escritores portugueses estudaram seriamente o movimento sebastianista, descatando-se os nomes do historiador João Lúcio de Azevedo, e ainda Antonio Machado e António Quadros, além do folclorista brasileiro Luís da Câmara Cascudo e a pesquisadora Maria Isaura Pereira de Queiroz, para não deixar de citar nossos brasileiros mais mencionados quando o assunto é sebastianismo. É de Maria Isaura a afirmativa:

Anteriormente ao aparecimento de movimentos messiânicos propriamente ditos, existiu no Brasil uma crença proveniente de Portugal, o Sebastianismo, que mais tarde chegou a servir de base para pelo menos dois movimentos (…) – o da Cidade do Paraíso Terrestre e o da Pedra Bonita.

Segundo os autores citados, o sebastianismo tem suas raízes na concepção religiosa do messianismo, que acredita na vinda ou no retorno de um enviado divino, o messias; um redentor, com capacidade para mudar a ordem das coisas e trazer paz, justiça e felicidade. É um movimento que traduz uma inconformidade com a situação política vigente e uma expectativa de salvação, ainda que miraculosa, através da ressurreição de um morto ilustre.

Chega ao Brasil, principalmente ao Nordeste brasileiro, no século XIX. Unindo fanatismo religioso com idéias socialistas, o movimento se redescobriu no sertão nordestino, assumindo características próprias através de símbolos e do imaginário popular.

No seu Dicionário do Folclore Brasileiro, Luís da Câmara Cascudo sugere que o Sebastianismo pode ter chegado aqui no Brasil com os primeiros colonizadores e é possível que haja assumido "um matiz de culto religioso mais exigente e minucioso, uma moral mais ascética e rigorosa, dentro dos quadros católicos". Acrescenta o folclorista que John Luccock assinalou o vestígio da crença, em 1816, "numa pequena seita chamada sebastianismo", conforme esclareceu no livro Notas sobre o Rio de Janeiro, descoberta que veio a ser confirmada no ano seguinte na Viagem pelo Brasil (de J,B. Spix e C.F. Von Martius), na serra do Caraça Minas Gerais: "Estes sebastianistas – observa L.C. Cascudo - que se distinguem por sua atividade, economia e riqueza, são em maior número no Brasil, e especialmente em Minas Gerais, do que na própria mãe-pátria".

Alguns viajantes estrangeiros afirmam ter conhecido adeptos do sebastianismo, no Rio de Janeiro (1816) e em Minas Gerais (1817), descrevendo-os como pessoas educadas, cordatas e sem traços de crueldade aparente.

No sertão de Pernambuco, no entanto, o sebastianismo apresentou-se como um movimento político- religioso violento, com líderes fanáticos que ludibriavam a boa fé da população, principalmente dos mais humildes e menos informados, que sofriam bastante com o isolamento e os flagelos da seca.

Dois movimentos sebastianistas trágicos aconteceram em Pernambuco: o da Serra do Rodeador, no município de Bonito, em 1819-1820, e o da Serra Formosa, em São José do Belmonte, no período de 1836 a 1839.

O primeiro, conhecido como A Tragédia do Rodeador, tinha como líder Silvestre José dos Santos, "Mestre Quiou", que fundou um arraial no local denominado Sítio da Pedra, destruído em 25 de outubro de 1820 pelo governador de Pernambuco Luiz do Rego. Denominado de "massacre de Bonito", a destruição do arraial pelas forças legais deixou um saldo de 91 mortos e mais cem feridos. Após o massacre, mais de 200 mulheres e 300 crianças foram aprisionadas e enviadas para o Recife.

O segundo movimento, A Tragédia da Pedra Bonita, ocorreu num lugar denominado Pedra Bonita, localizado na Serra Formosa, no município de São José do Belmonte, sertão de Pernambuco. Um grupo de fanáticos sebastianistas, liderado por João Antônio dos Santos, fundou uma espécie de reino, com leis e costumes próprios e diferentes dos do resto do país. Seu líder era chamado de rei e usava até coroa feita de cipó.

Nas sua pregações ele dizia que o rei Dom Sebastião lhe havia aparecido e lhe mostrara um tesouro escondido; e que o rei estaria prestes a retornar e iria transformar todos os seus seguidores em pessoas ricas, jovens, bonitas e saudáveis. O grande número de pessoas pouco esclarecidas que seguiu os fanáticos de Pedra Bonita preocupou o governo, os fazendeiros e a Igreja Católica. Foi enviado o padre Francisco José Correia de Albuquerque para tentar fazer as pessoas voltarem ao seu lugar.

O padre conseguiu convencer João Antônio a parar com a pregação, mas este deixou em seu lugar o cunhado João Ferreira, que se tornou o mais fanático e cruel rei da Pedra Bonita. Ele pregava que Dom Sebastião só voltaria se a Pedra Bonita fosse banhada com sangue de pessoas e animais, comandando um grande massacre de pessoas inocentes em maio de 1838. Entre os dias 14 e 18 morreram 87 pessoas. No dia 18 de maio o arraial da Pedra Bonita foi destruído pelas forças comandadas pelo major Manoel Pereira da Silva.

O movimento político-religioso também foi muito forte e com resultados trágicos nos sertões da Bahia, no arraial de Canudos chefiado por Antônio Conselheiro, entre os anos de 1893 e 1897, que culminou com a Guerra de Canudos. Documentos encontrados no arraial indicam que Conselheiro e seus colaboradores acreditavam no retorno de Dom Sebastião, ou, pelo menos, usavam isso para obter apoio dos seus seguidores. No caso de Canudos, o sebastianismo pregava a volta de Dom Sebastião para restabelecer a Monarquia e derrubar a República. Em 1897, o arraial de Canudos foi destruído por tropas do Exército.

O sentido místico-religioso do sebastianismo também contribuiu para o aparecimento de manifestações folclóricas no Brasil. Há registros de lendas sobre o retorno de Dom Sebastião, como as do Touro Encantado e a do Rei Sebastião.

Na visão de Bárbara Elisa Polastri, Edsel Rodrigues Teles e Raquel Faustino, o movimento da Pedra Bonita é contada de maneira minuciosa, detalhando-se os fatos. A história aconteceu entre os anos de 1836 e 1838 no sertão de Pernambuco. O fanático João Antonio dos Santos acreditando ou fazendo os humildes sertanejos acreditarem que, se eles fizessem alguns tipos de sacrifícios, o El-Rei de Portugal, D.Sebastião, muito querido por seu povo, voltaria como santo. Então essas pessoas os seguiram e o movimento crescia cada vez mais.

O poder local, vendo-o se expandir, mandou prender o chefe do movimento, que fugiu para o interior do sertão do Cariri. Dois anos depois, seu cunhado João Ferreira reativou o movimento de uma forma mais intensa, voltando a praticar atos da época medieval, do tipo: nas cerimônias de casamento a primeira noite de núpcias era concedida a ele, e vários sacrifícios começaram a acontecer às pessoas sacrificavam suas próprias vidas a começar pelo pai do mesmo, pais sacrificaram seus filhos e animais.

Foi muito sangue derramado, o local da Pedra Bonita ficou inabitável devido ao forte odor de carne em estado de putrefação, então os fieis foram montar acampamento mais a frente. Os sertanejos fanáticos viviam em uma espécie de prisão, só alguns tinham permissão de deixar o acampamento para formar mais fieis. Jose Gomes Vieira assustando-se com a cerimônia, conseguiu deixar o local e foi pedir socorro na vila mais próxima.

Nesse intervalo, e não deixando de ser guerra de poder o irmão de João Ferreira disse que teve uma visão que D. Sebastião dizia que o líder tinha que dar sua própria vida em sacrifício para que as pessoas ali presentes pudessem ter a oportunidade de ter uma vida de luxo e fartura e ainda contar com o retorno de D. Sebastião. Contra sua vontade, foi sacrificado e imediatamente o irmão assumiu o controle e se intitulou Dom Sebastião mas seu reino durou apenas um único dia, pois, a milícia chegou ao local e houve muito derramamento de sangue. Tanto o líder dos fanáticos com o da milícia morreram no episodio e muitos sertanejos foram sacrificados. Dos que sobreviveram alguns foram presos, as mulheres libertadas, as crianças órfãs adotadas por outras famílias e alguns homens fugiram.

Percebe-se nitidamente que o fato da Pedra Bonita foi possível pela ação de alguns possíveis esquizofrênicos e pelas condições subumanas dos sertanejos quepor não ter perspectiva de vida, se atrelaram aessa possível salvação.

O MOVIMENTO DA PEDRA DO REINO E SUA INFLUÊNCIA NA LITERATURA

A primeira publicação conhecida sobre o assunto é a obra "Memória sobre a Pedra Bonita ou Reino Encantado na Comarca de Villa Bella Província de Pernambuco", do membro de Instituto Histórico e Geográfico de Pernambuco, Antônio Áttico, em revista do Instituto Histórico e Arqueológico de Pernambuco, nº 60, Recife em 1903. Nela constam indicações da documentação existente, comoautos de processos dos homens sobreviventes, submetidos a julgamento e o ofício do prefeito da Comarca de Flores ao Presidente da Província de Pernambuco.

A obra abriu espaços para outras que utilizaram o fato como pano de fundo e inspiração, a exemplo de "Reino Encantado", de Tristão de Alencar Araripe Junior, publicada em 1878, edição hoje esgotada, que possivelmente serviu de inspiração ou fonte de pesquisa às obras posteriores de Euclides da Cunha e José Lins do Rego.

O MOVIMENTO DA PEDRA BONITA EM "OS SERTÕES", DE EUCLIDES DA CUNHA

Euclides da Cunha descreve o movimento de Pedra Bonita de forma breve, superficial, talvez por não ser esse seu objetivo ao escrever "Os Sertões", sua obra máxima, os seja, ele não objetivava focalizar o fato, por isso insere-o no capítulo que trata da religiosidade do sertanejo, após uma discussão breve de seus costumes religiosos, em "Caráter Variável da Religiosidade Sertaneja:...". Em seguida, apresenta dois exemplos desse caráter: o primeiro, em "... a Pedra Bonita...", assim abordado por ele em não mais que duas páginas de sua obra:

As agitações sertanejas, do Maranhão à Bahia, não tiveram ainda um historiador. Não as esboçaremos sequer.

Tomemos um fato, entre muitos, ao acaso.

No termo de Pajeú, em Pernambuco, os últimos rebentos das formações graníticas da costa se alteiam, em formas caprichosas, na Serra Talhada, dominando, majestosos, toda a região em torno e convergindo em largo anfiteatro acessível apenas por estreita garganta, entre muralhas a pique.No âmbito daquele, como púlpito gigantesco, ergue-se um bloco solitário - a Pedra Bonita.

Este lugar foi, em 1837, teatro de cenas que recordam as sinistras solenidades religiosas dos Achantis. Um mameluco ou cafuz, um iluminado, ali congregou toda a população dos sítios convizinhos e, engrimpando-se à pedra, anunciava, convicto, o próximo advento do reino encantado do rei D. Sebastião.Quebrada a pedra, a que subira, não a pancadas de marreta, mas pela ação miraculosa do sangue das crianças, esparzido sobre ela em holocausto, o grande rei irromperia envolto de sua guarda fulgurante, castigando, inexorável, a humanidade ingrata, mas cumulando de riquezas os que houvessem contribuído para o desencanto.

Passou pelo sertão um frêmito de nevrose...

O transviado encontrara meio propício ao contágio da sua insânia.Em torno da ara monstruosa comprimiam-se as mães erguendo os filhos pequeninos e lutavam, procurando-lhes a primazia no sacrifício...O sangue espadanava sobre a rocha jorrando, acumulando-se em torno; e afirmam os jornais do tempo, em cópia tal que, depois de desfeita aquela lúgubre farsa, era impossível a permanência no lugar infeccionado. (Trecho de "Os Sertões")

Segundo Polastri, Teles e Faustino, que pesquisaram sobre "A Questão da Pedra Bonita em 'Os Sertões'", Euclides conta que o movimento aconteceu na comarca de Pajeú, Pernambuco, em 1837. Descreve o local como um largo anfiteatro onde se eleva um bloco solitário: a Pedra Bonita, que é comparada com um púlpito gigantesco, onde o profeta pregava à população o advento do reino encantado de D. Sebastião. Para que a pedra se quebrasse era preciso o sangue de crianças, que teria uma ação "miraculosa" e traria D. Sebastião, pronto a conceder grandes riquezas aos que houvessem contribuído para o desencanto.

Euclides chama de "frêmito de nevrose" o que se passou com aquele povo, levando-os a aderir ao movimento e a oferecer suas crianças para que tivessem a honra de colaborar com o retorno do monarca português. O pregador, "um transviado", havia, portanto, encontrado meios propícios para difundir sua crença.

Em Os Sertões, Euclides fala, de forma clara, desse misticismo que tão profundamente é guardado pelo espírito português e que aqui encontrou meios propícios para sua propagação. Ele comenta essa ligação dos dois povos atlânticos e documenta-a expressicamente, nestes termos:

E no meio desse extravagante adoidado, rompendo dentre o messianismo religioso, o messianismo da raça levando-o insurreição contra a forma republicana:

"Em verdade vos digo, quando as nações brigam com as nações, o Brazil com o Brazil, a Inglaterra com a Inglaterra, a Prússia com a Prússia, das ondas do mar D. Sebastião sahirá com todo o seu exército e o restituio em guerra.

"Desde o princípio do mundo que encantou com todo seu exército e o restituio em guerra.

"E quando encantou-se afincou a espada na pedra, ella foo até aos copos e elle disse: Adeus mundo!

"Até mil e tantos e dois mil não chegarás!

"Neste dia quando sahir o seu exército tira a todos no fio da espada deste papel da República. O fim desta guerra se acabará na Santa Casa de Roma e o sangue hade ir até á junta grossa…"

Aqui, neste ponto, Euclides da Cunha intervêm para completar:

"O profetismo tinha, como se vê, na sua boca, o mês,o tom com que despertou em Frigia, avançando para o Ocidente. Anunciava, idêntico, o juízo de Deus, a desgraça dos poderosos, o esmagamento do mundo profano, o reino de mil anos e suas delícias". E Euclides vai mas longe ao indagar: "Não haverá, com efeito, nisto, um traço superior de judaísmo?"

E é com base nas trovas Sebastianistas da época que Euclides reproduz algumas delas:

"Sahiu D. Pedro segundo

Para o reyno de Lisboa

Acabou-se a monarquia

O Brazil ficou atoa!

E atacava os incréus:

"Garantidos pela lei

Aquelles malvados estão,

Nós temos a lei de Deus

Elles tem a lei de cão!"

"Bem desgaçados são elles

Pra fazerem a eleição

Abatendo a lei de Deus

Suspendendo a lei do cão!"

"Casamento vão fazendo

São para o povo illudir

Vão casar o povo todo

No casamento civil."

E logo cantam os trovadores a pregação de Antonio Conselheiro:

"Dom Sebastião já chegou

E traz muito regimento

Acabando com o civil

E fazendo o casamento!"

"O Anti-Christo nasceu

Para o Brazil governar

Mas ahi está o Conselheiro

P'ra delle nos livrar!"

"Visita vos vem fazer

Nosso El-Rei D. Sebastião

Coitado daquelle pobre

Que estiver na lei do cão!"[1]

Tais "trovas" eram distribuídos em toda a parte utilizando-se dos tradicionais folhetos de cordel, que ainda hoje circulam pelo Brasil, especialmente no Nordeste. Neles, como vimos, os militantes de Antonio Conselheiro difundiam os seus propósitos, como bem expôs Euclides da Cunha em sua obra máxima.

O MOVIMENTO SEGUNDO "PEDRA DO REINO", DE ARIANO SUASSUNA[2]

O título completo do livro escrito por Ariano Suassuna é "Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta", extenso em alusão e homenagem aos folhetos de cordel. onde ficciona a existência de cinco "Impérios Sebastiânicos" no Brasil, com vários reis, um dos quais foi degolado pelos vassalos que descobriram a farsa, mas nas lutas entre eles morreram cerca de 140 pessoas (em Portugal, também apareceram diversos "Reis D. Sebastião" e alguns acabaram na cadeia ou foram condenados à morte).

Nesta obra ele conta a história de Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna, o "intelectual metido a cavaleiro" que narra suas desventuras na Vila de Taperoá. O protagonista começa o romance preso, condenado por se envolver de alguma forma no assassinato do padrinho e na chegada do Rapaz do Cavalo Branco, que, segundo o Juiz-Corregedor, tem ligação com os comunistas da Revolução de 1930.

A partir daí, o narrador personagem conta suas histórias, na reprodução do interrogatório que respondeu ao Juiz e que o levou à prisão. Passa pela sua infância e, principalmente, pelas influências de seus professores e mentores Samuel Wan D'Ernes ("brancofidalgo, católico da Direita") e Clemente Hará ("negro-tapuia, sociólogo de Esquerda"), da literatura de cordel que estudou, das histórias de cavalaria e de seu sangue "real", herdado por parte de mãe e de pai (Garcia-Barretos e Ferreira-Quadernas, respectivamente). Desta última fazem parte os "reis" que subiram ao trono do Império do Brasil na Pedra do Reino. Todo o depoimento é permeado pela "loucura racional" de Quaderna.

A Pedra do Reino é um romance que busca unir a realidade da pobreza do sertão ao mundo fantástico e mítico do sertanejo e suas histórias de cavalarias, reis e mistérios. Não é à toa, portanto, que Ariano Suassuna busca conciliar o real e a ficção, utilizando a voz de escritores renomados (como Joaquim Nabuco) junto à fantasia por ele inventada, o que João Camilo de Oliveira Torres chamou de "transrealismo".

A ascendência real de Dom Pedro Quaderna é uma dessas mesclas. Em "Pedra do Reino", Quaderna é neto de Dom João Ferreira-Quaderna, O Execrável, rei da Pedra do Reino que comandou o massacre de 1838. Suassuna cria uma genealogia para seu personagem por dois artifícios: primeiro, diz que o rei João Ferreira-Quaderna quase não usava seu último sobrenome, o que justifica o fato deste não aparecer nos registros históricos; segundo, dá seqüência à Casa dos Quadernas a partir do filho da Princesa Isabel, uma das esposas d'O Execrável.

Grávida de nove meses, a mulher dá a luz no momento de sua degola. Seu filho sobrevive e é criado pelos habitantes das cidades próximas, assim como as crianças sobreviventes do episódio. É o pai de D. Pedro Quaderna. Assim, estava criada a ponte ficcional entre a história da Pedra do Reino e a "estirpe real dos Quadernas".

Com esse artifício, Suassuna conta a história sob óptica mais popular, dando voz às pessoas que tinham a esperança de melhorar suas condições de vida, unidas sob a promessa de um tesouro, e do retorno do poderoso rei D. Sebastião.

Além disso, note-se que, para Quaderna, o episódio da Pedra Bonita foi apenas um evento dentro dos episódios que culminarão, certamente, no retorno de D. Sebastião, ou seja, foi um evento que dá continuidade ao mito do sebastianismo (por isso o personagem quer dar prosseguimento ao seu "Império", e se auto-proclama rei da Pedra do Reino um século após os acontecimentos).

O MOVIMENTO EM "PEDRA BONITA" E "CANGACEIROS", DE JOSÉ LINS DO REGO

José Lins do Rego transforma o fato da Pedra Bonita em pano de fundo para dois de seus romances: "Pedra Bonita" e "Cangaceiros". Como o próprio autor afirma no início do seu segundo livro sobre a pedra:

Continua a correr neste Cangaceiros o rio de vidaque tem as suas nascentes em meu anterior romance Pedra Bonita .É o sertão dos santos e dos cangaceiros, dos quematam e rezam com a mesma crueza e a mesma humanidade.

Através da abordagem de Rego, o factual é ponto de partida pelo qual uma ponte liga-se ao ficcional, demonstrando que o nosso imaginário e as nossas criações estão em constante contato com a realidade cotidiana. Percebe-se isso no epigrafo de seu romance "Pedra Bonita": "A narrativa deste romance quase nada nada tem de ver com a geografia e o fato histórico desenrolado em Pernambuco nos princípios do século XIX.[3]

Paulo Róni[4], na introdução a "Pedra Bonita", assim se expressa:

Não pude verificar se o romancista teve conhecimento do caso da Pedra Bonita por um dos incontáveis folhetos de histórias em versos do cantador nordestino. O fato, histórico, poderia ter-lhe chegado por outros caminhos, já que, além de assinalado numa página de Euclides da Cunha, inspirara também O Reino Encantado, romance de Araripe Júnior.

Comparando os fatos que se têm conhecimento sobre o trágico fato da Pedra Bonita e os romances de Rego, percebe-se que o autor transpõe o fato quase que total para suas obras, mudando apenas detalhes e o foco. Através do olhar de determinadas personagens o autor conta a história do que foi o fato para as pessoas da época e região, explorando a repercussão que a tragédia exerceu sobre a vida de tais personagens.

Bentinho é o ponto de partida para o início dessa viagem pelo sertão de Pernambuco, pelo sertão da Pedra Bonita. No início do livro Pedra Bonita, Rego prende a atenção de seus leitores através de um mistério que até para a personagem era desconhecido: o que aconteceu na Pedra Bonita que causava tanta repugnância ao povo do Açu? Por que Bentinho e o seu povo (ou família) eram vistos como uma pedra de tropeço para o desenvolvimento da região?

Era constante esse questionamento no personagem Bentinho, que na sua adolescência dividia seus pensamentos cotidianos entre sua profissão de ajudante de padre com a certa importância que ele trazia, e a curiosidade imensa em saber a respeito de suas origens para entender a ameaça constante que ele sabia provocar nas pessoas do Açu, pois constantemente se via adjetivado de "cobra", vinda do ninho Pedra Bonita.

No desenvolver da história a expectativa aumenta, sendo revelados os mistérios sobre o que aconteceu na Pedra Bonita, ao que o fato estava ligado. Na visão de Bentinho a religiosidade se tornou algo incompreensivo, como é que podia ser tão controverso o Deus que ele via todos os dias, tão imóvel na igreja, tão inofensivo, se manifestar tão diferente e impiedoso, subjugando a vida das pessoas ligadas ao "enviado" d'Ele.

Percebe-se nesse ponto que a carência social causa danos irreparáveis a vida das pessoas. Os sertanejos ao verem-se isolados e desamparados do mundo, se apegam a promessas baseadas em atos miraculosos, que pregavam uma vida sem sofrimento, farta e igual para todos. Os poderes políticos da região deixavam a desejar, focando apenas interesses pessoais numa disputa ferrenha pelos privilégios de dominação dos bens e riquezas da terra.

Com tantos desvios de objetivos, o povo sertanejo sofria as mazelas que lhes foram destinadas pela natureza árida da região, se vendo desamparados física e espiritualmente pelos órgãos competentes, ora, a igreja católica também buscava seus interesses e aliados a politicagem deixavam o povo a mercê dos acontecimentos, negando-lhes um socorro para as suas perdas, seja nas secas ou nas chuvas demasiadas.

Para a crítica surtir um efeito maior o autor se viu na responsabilidade de criar um personagem tão caridoso e abnegado de si mesmo, o padre Amâncio. Conhecedor do sofrimento do povo da região nordestina, tentava amenizar a situação oferecendo o apoio espiritual constante, e os bens materiais que lhe caiam as mãos, deixando o conforto próprio na intenção de tornar a vida mais igual e justa para aquele povo.

De tanto sofrer, o povo criou uma crosta impenetrável que, nem a bondade do padre Amâncio pode transpor. A trajetória de Bento foi longa ate chegar ao convívio dos Vieiras, seu povo, tão rejeitada pela população do Açu e pelo povo da Pedra. Com a morte de seu padrinho, Bentinho não viu outra alternativa a não ser ir conviver com seus familiares.

A convivência foi desmistificando o motivo de tanta rejeição, pois, assim como os fatos históricos demonstram, foram os seus familiares, os Vieiras que traíram a confiança do santo da Pedra e os penitentes, relatando todo o acontecido ao poder dos governantes culminando na prisão e morte do líder do movimento sebastianista e alguns penitentes.

O protagonista da historia foi abandonando seus antigos receios que a ignorância sobre o seu passado traziam. Em contrapartida foi adquirindo outros ainda maiores. Ao ingressar na leitura de Cangaceiros, percebe-se que o autor transcreve com detalhes como se deu, ficticiamente, a convivência do "santo" e os penitentes, na Pedra, a chegada doa cangaceiros, a chegada dos batalhões das volantes, a peleja, morte e destruição do santo e acampamento respectivamente. A partir desse ponto, o romancista ingressa no total relato da vida sertaneja, que ora sofre com a presença dos cangaceiros, ora sofre com a presença repressiva da policia, conhecida como volante, que pouco se distinguia dos primeiros, seja em sua forma de trajar, seja em sua violência e astúcia, chegando até a se utilizar dos mesmos métodos para se obter o que queria.

Pedra Bonita e Cangaceiros é um vasto mundo onde se pode estudar com detalhes os diversos aspectos dos estados nordestinos e do seu povo em meados de 1837, pois apesar das obras estarem no plano fictício, sabe-se que toda obra literária é verossímil, sendo a realidade o ponto de partida para qualquer abordagem deste feitio.

Estas obras trazem um caráter critico muito grande em relação aos fatores sociais das classes sem prestigio da população brasileira, pois os nordestinos não são vistos como seres humanos dotados de necessidades como qualquer outro, mas são vistos como animais que servem para manipulação dos interesses daqueles que não se importam com os problemas de seus semelhantes mesmo sendo capazes de ajudá-los.

Mais do que falar da tragédia da "Pedra Bonita", José Lins do Rego quis explanar de forma poética e mística todos os fatores que estão por dessa e muitas outras tragédias, pois que opção de escolha tem as pessoas que vivem longe de um sistema social igualitário, que nem mesmo tem com o que se alimentar? A única saída é entregar-se nas mãos daqueles que lhes demonstrarem uma luz no meio de tantas trevas, de tantos problemas acima de sua capacidade de solução.

Atualmente, em nossa sociedade, muitos casos semelhantes ao da "Pedra Bonita" acontecem sem que sejam notados. As pessoas se deixam seduzir por falta de humanidade que a cada dia se torna escassa.

Um movimento tão vasto não poderia de forma nenhuma ficar de fora do olhar literato, recebendo o toque especial e mágico de José Lins do Rego.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nota-se, portanto, que o acontecimento, historicamente cercado de lendas, influenciou a Literatura em diferentes épocas, sendo tratado de maneira maravilhosa por José Lins do Rego e Ariano Suassuna, enquanto Euclides da Cunha, que confere um caráter científico aos "Sertões", tratando a questão da Pedra Bonita por uma análise objetiva, sob a ótica positivista. Vê-se, assim, como um mito messiânico influencia a vida e os costumes dos sertanejos, levando os autores que trabalharam esse tema a se preocuparem em reviver, literariamente, o acontecimento histórico, incluindo nele a visão dos próprios sertanejos, com suas crenças e valores, aqui analisados sucintamente nas obras de Euclides da Cunha, Ariano Suassuna e José Lins do Rego.

SOBRE OS AUTORES

Os acadêmicos Joscivanio de Jesus, Maria Adelci Lima Freire, Rosângela Dos Santos são alunos de graduação, 2° período do Curso de Letras/Português da Universidade Tiradentes em Aracaju/SE. A elaboração deste artigo científico deve-se à prática investigativa na forma de pesquisa qualitativa do tipo bibliográfico. O artigo foi produzido visando atender à exigência da disciplina "Pesquisa I", do Curso de Letras/Português da Universidade Tiradentes, no 2º semestre letivo de 2009 e contou com a orientação da professora Msc Maria José de Azevedo Araujo. E-mail para contato: [email protected], [email protected], [email protected] e [email protected].

REFERÊNCIAS

CUNHA, Euclides da. Os Sertões (Campanha de Canudos). São Paulo, SP: Martin Claret, 2005.

GASPAR, Lúcia. Sebastianismo no Nordeste brasileiro. Pesquisa Escolar On-Line, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br>. Acesso em: 5 out. 2009.

KÖCHE, José Carlos. Fundamentos de Metodologia Científica: teoria da ciência e prática da pesquisa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

MOURA, Débora Cavalcanti de. Entre duas pedras: catolé (um estudo acerca das contribuições trazidas pelos textos históricos sobre Pedra Bonita e pelos folhetos de cordel nordestinos na composição de "Pedra do Reino", de Ariano Suassuna". Tese de Mestrado apresentada à área de Literatura Brasileira do Departamento de Teoria do Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, Campinas, 2002.

REGO, José Lins do. Pedra Bonita. 7ª ed., Rio de Janeiro, RJ: José Olympio, 1968.

SUASSUNA, Ariano. A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta. Disponível em: <http://www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/ariano-suassuna/a-pedra-do-reino-e-o-principe-do-sangue-do-vai-e-volta-16.php>. Acesso em: 30 set. 2009.




Autor: Maria José de Azevedo Araujo


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