Escuro e silêncio



A experiência de ficar no escuro no mundo moderno é algo realmente assustador que vai além do medo que assombra as crianças: dos monstros escondidos em baixo de suas camas e no interior de seus guarda roupas (considerando que certas crianças transformam os seus em lugares realmente assustadores); e o perigo que correm as donzelas nos becos escuros, do perigo dos cantos sombrios de nossas cidades.

O que me assusta na experiência do escuro é o mesmo que me assusta no silêncio: é não ter as luzes, os sons, os flashes, a TV, a internet para me distrair.  É me desligar do mundo e ter que olhar pra mim mesmo, é se deparar muitas vezes com coisas que não me agradam e que estão em mim, no que me tornei.

Silenciar é entrar no mundo particular e se olhar sem máscaras, silenciar-se estando só, fechando os olhos, isso me permite direcionar toda a atenção para algo que tem passado despercebido durante a maior parte da minha vida: eu mesmo.  Não minhas vontades, sensações, necessidades, exigências.  Nem minhas obrigações, compromissos, trabalhos...

Estou falando de perceber a mim mesmo: ‘Quem sou e por que sou?’ Perceber, além das fraquezas, também, minhas qualidades, sem egocentrismos, sem distorções. Perceber até traços divinos, marcas do eterno.  É reparar naquelas perguntas filosóficas que são formadas naturalmente no coração de cada ser humano e que não se calam em mim, e as respostas a elas que já existem aqui dentro. 

Olhar para os meus sonhos de criança, para as bases de caráter, e perceber que existe lá no fundo uma voz que responde a tudo isso, responde e questiona, questiona e chama de volta. Uma voz que me encontra no escuro silencioso e rompe minha surdez e chama de volta para uma luz já experimentada.

E este silêncio é oração, do tipo mais sincero e mais fecundo, porque não corre o risco de se enganar com minhas palavras, com imagens.  Este é lugar de encontro pessoal com Deus, o que os Santos Padres da Igreja chamavam o lugar do “Santo dos Santos”.  É um Santuário pessoal que posso acessar em qualquer lugar, é o espaço Sagrado que trago comigo.

Estar no escuro me lembra o quanto nossos olhos desejam a luz, as cores, os prismas de cada visão colorida.  Estar no escuro me lembra que meus olhos podem se cansar e se fechar, mas foram feitos parar ver.

Quando experimento o silêncio na solidão do escuro me lembro da semente que deve morrer só, no silêncio escuro de sua cova abaixo da terra. Semente pequena e aparentemente frágil sucumbida pela terra, mas que tem em si a potência de ser árvore.  Que tem em seu código o anseio da luz.  Alimenta-se no silêncio e na escuridão, para romper-se em broto rasgando a terra, para atingir a superfície e abrir-se para a vida.

Escuro não é sombra, que sombra só existe para disfarçar a luz, escuro é contraste, é avesso que me ajuda a ver luz.  Silêncio não é mudez, é pausa.  Não sei muito de música, quase nada, mas sei que a marcação da pausa é quem dá ritmo na melodia.  Sei que silêncio é quem dá ritmo na vida.


Autor: Jorge Carlos Rodrigues de Freitas


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