Defeitos dos Negócios Jurídicos



TEMAS DE DIREITO CIVIL

Djalma Camargo Neto[1]

RESUMO

Este artigo pretende demonstrar os defeitos ou vícios do negócio jurídico e seus principais requisitos.

PALAVRAS-CHAVE: Defeitos, vícios, erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo, e fraude contra credores.

1. INTRODUÇÃO

Neste artigo trataremos as hipóteses em que a vontade se manifesta com algum vício que torne o negócio jurídico anulável.

A declaração de vontade é o elemento fundamental para a existência do negócio jurídico. Essa vontade deve ser manifestada de forma livre e espontânea. Se não corresponder ao desejo do agente, o negócio jurídico torna-se suscetível de nulidade.

Quando a vontade nem ao menos se manifesta, não se pode falar na existência de negócio jurídico, torna-se nulo por faltar o requisito principal.

Porém, quando a vontade é manifestadacom vício ou defeito que a torna mal dirigida no campo do ato ou negócio jurídico anulável, o negócio terá a vida somente até que, por iniciativa de qualquer prejudicado, seja requisitada a sua anulação.

O atual Código Civil Brasileiro, no art. 171, expressa que além dos casos terminantemente declarados por lei, é anulável o negócio jurídico: "I – por incapacidade relativa do agente; II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores".

Dos referidos defeitos, exceto a fraude contra credores, são chamados de vícios do consentimento porque provocam uma manifestação de vontade não correspondente com o íntimo e verdadeiro querer do agente. Cria-se um conflito entre a vontade manifestada e a real intenção de quem a exteriorizou. A fraude contra credores não conduz a um descompasso entre o íntimo do agente e sua declaração, mas é exteriorizada com a intenção de prejudicar terceiros, e por essa razão é denominada vício social.

Ao lado dos vícios de consentimento e deles muito se aproximando, coloca-se a lesão junto do estado de perigo.

2. DOS DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Defeitos do negócio jurídico: são os vícios do consentimento, que se fundam no desequilíbrio da atuação volitiva relativamente a sua declaração; esses vícios aderem à vontade, penetram-na, aparecem sob forma de motivos, forçam a deliberação e estabelecem divergência entre a vontade real, ou não permitem que esta se forme.

Explica Francisco Amaral: "são as imperfeições que neles podem surgir, decorrentes de anomalias na formação da vontade ou na sua declaração" (AMARAL, Direito Civil: introdução, p. 479-480).

Analisemos, portanto, os seguintes fatos:

O primeiro vício de consentimento é o erro, que apresenta as mesmas consequências da ignorância. Trata-se da manifestação de vontade em desacordo com a realidade, porque o declarante a desconhece – ignorância – ou porque tem representação errônea da realidade (erro).

O dolo caracteriza-se quando esse desacordo é provocado maliciosamente por outrem.

O ato é anulável por coação quando o agente é forçado a praticar um ato por ameaça contra si ou contra alguém que lhe é caro.

Quando o agente paga preço desproporcional ao valor real do objeto, temos a hipótese de lesão.

Quando alguém premido da necessidade de salvar-se (ou a pessoa de sua família) de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa, assim caracteriza-se o estado de perigo.

Esses vícios afetam a vontade intrínseca do agente e a manifestação de vontade é viciada. Se não existisse uma dessas situações, o declarante agiria de modo diferente, talvez nem realizando o negócio.

Nos vícios sociais a situação é diversa, pois o objetivo é ludibriar terceiros, a vontade é verdadeira e real, mas dirigida para prejuízo de outrem.

Quando a intenção do declarante é afastar seu patrimônio dos credores, por meio de atos que possuam aparente legitimidade, denomina-se fraude contra credores.

2.1 ERRO OU IGNORÂNCIA

O erro consiste na falsa representação da realidade e interpretação errada de um fato, nessa modalidade de vício de consentimento o agente engana-se sozinho. O Código equiparou os efeitos do erro à ignorância. Erro é a idéia da falsa realidade; Ignorância é o completo desconhecimento da realidade, falta de noção sobre determinado assunto.

O erro apresenta-se sob várias modalidades: A mais importante classificação é a que divide em substancial e acidental.

Erro substancial é o que recai sobre circunstâncias e aspectos relevantes ao negócio. Tem papel decisivo na determinação de vontade do declarante, de modo que, se conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria desejado de modo nenhum, concluir o negócio.

Acidental é o erro que se opõe ao substancial, porque se refere às circunstâncias que não acarretam efetivo prejuízo, ou seja, as qualidades secundárias do objeto ou da pessoa. Se conhecida a realidade, mesmo assim o negócio seria realizado.

As idéias, razões subjetivas, interiores, consideradas acidentais e sem relevância para a apreciação da validade são chamadas de falso motivo. O erro quanto ao objetivo colimado não vicia, em regra, o negócio jurídico, a não ser quando nele figurar expressamente, integrando - o, como sua razão essencial ou determinante, trata o art.140 do Código Civil: "O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expressa como razão determinante".

Sobre a transmissão errônea da vontade, dispõe, efetivamente, o art. 141 do Código Civil: "A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta"

Se o declarante não se encontra na presença do declaratário e se vale de interposta pessoa (mensageiro) ou de um meio de comunicação – fax, email, etc. - e a transmissão da vontade, nesses casos, não se fez com fidelidade, estabelecendo-se divergência entre o querido e o que foi transmitido erroneamente – mensagem truncada – caracteriza-se o vício que propicia a anulação do negócio.

2.2 DOLO

Dolo é o artifício ou expediente astucioso, empregado para induzir alguém a prática de que o ato prejudica, e aproveita ao autor do dolo a terceiro. Consiste em manobras maliciosamente levadas a efeito por uma parte, a fim de conseguir da outra uma emissão de vontade que lhe traga proveito, ou a terceiro.

O dolo é a mola propulsora da vontade do declarante, deve, em outro conceito, estar na base do negocio jurídico. Caso contrário será e não terá potencia para viciar o ato.

A intenção de prejudicar é própria do dolo, mas, em que pese a opinião de parte da doutrina, o prejuízo é secundário, basta que a vontade seja desviada de sua meta para que o ato se torne anulável. O prejuízo pode ser apenas de ordem moral e não econômico.

O dolo deve promanar do outro contratante, se vindo de terceiro, o outro contratante dele teve conhecimento. O silencio intencional de uma das partes sobre o fato relevante ao negócio também constitui dolo.

A essencialidade é um dos principais requisitos do dolo. O dolo principal ou essencial torna o ato anulável. O dolo acidental "só obriga a satisfação das perdas e danos", define o Código Civil, art. 146.

No dolo essencial há o vício do consentimento, enquanto no dolo acidental há ato lícito que gera responsabilidade para o culpado, de acordo com o art. 186 do Código Civil. Tanto no dolo essencial como no acidental existe o propósito de enganar.

O dolo positivo traduz-se por expedientes enganatórios, verbais ou de outra natureza que podem importar em série de atos e perfazer uma conduta. O dolo negativo é a reticência, a ausência maliciosa de ação para incutir falsa idéia ao declaratário.

O dolo também pode ser do representante do agente. O tutor, pai ou mãe no exercício do poder familiar são representantes impostos pela lei. Se esses representantes atuam com malícia na vida jurídica, é injusto que a lei sobrecarregue os representados pelas conseqüências da atitude que não é sua e para a qual não concorreram. O mesmo não se pode dizer da representação convencional, onde existe a vontade do representante na escolha de seu representado, o representado, agindo assim, cria risco pra si.

Se ambas as partes procederam com dolo, há empate, igualdade de torpeza, a lei pune conduta de ambas, não permitindo a anulação do ato. O que a lei faz é tratar com indiferença ambas as partes que foram maliciosas, punindo-as com a impossibilidade de anular o negócio, pois ambos participes agiram de má -fé.

2.3 LESÃO

Lesão é o prejuízo resultante da enorme desproporção existente entre as prestações de um contrato, no momento de sua celebração, determinada pela premente necessidade ou inexperiência de uma das partes. Não se contenta o dispositivo com qualquer desproporção: há de ser manifesta. De fundo moral, visa ajustar o contrato a seus devidos termos, eliminando-se a distorção provocada pelo aproveitamento da necessidade, ou da inexperiência ou da leviandade alheia. Objetiva reprimir a exploração usuária de um contratante para outro, em qualquer contrato bilateral, embora nem sempre a lei exija, para a sua configuração, a atitude maliciosa do outro contratante. A lesão destaca-se dos demais defeitos do negócio jurídico por acarretar uma ruptura o equilíbrio contratual na fase de formação do negócio, desde o seu nascimento. A lesão compõe-se de dois elementos: o objetivo, consistente na manifesta desproporção entre as prestações recíprocas, geradoras de lucro exagerado; e o subjetivo, caracterizado pela "inexperiência" ou "premente necessidade" do lesado. No tocante ao elemento subjetivo, a lesão decorre da falta de paridade entre as partes, determinada pela premente necessidade do contratante.

O instituto da lesão está fadado a desempenhar um papel importante ao lado da boa-fé objetiva, na revisão dos contratos, especialmente nos de natureza bancária, por exemplo. Qualquer negócio bilateral e oneroso em que o agente se sentir pressionado em razão da premente necessidade de realizar um negócio, assumindo a obrigação manifestamente desproporcional á prestação oposta, configurar-se-á lesão, até mesmo em negócios simples de menor valor.

2.4 COAÇÃO E ESTADO DE PERIGO

Na coação a vontade deixa de ser espontânea com o resultado de violência contra ela. A figura da coação não é reduzível a qualquer outro vício, guardando visível autonomia. Dos que podem afetar o negocio jurídico, a coação é o que mais repugna a consciência humana, pois dotado de violência. Nesse vício da vontade, mas vivamente mostram-se o egoísmo, a rudeza, a primitividade. O medo e o temor são fraquezas próprias do homem. Afetam-no dependendo das circunstâncias. Uma pessoa totalmente destemida foge a realidade, sabendo disso, "os mais fortes", buscam aproveitar-se das fraquezas humanas, incutindo temor por ameaças.

"Coação é um estado de espírito, em que o agente, perdendo a energia moral e a espontaneidade do querer, realiza o ato, que lhe é exigido". (CLOVIS, 1980:221)

Na coação absoluta, não há vontade, ou, se quisermos, existe apenas vontade aparente. Éa violência física que não dá escolha ao coacto. Não há vício de vontade, mas, existindo total ausência de vontade, o negócio jurídico reduz-se a caso de nulidade. Na coação relativa, a vítima da coação não fica reduzida á condição de puro autômato, uma vez que pode deixar de emitir a declaração pretendida, optando por resistir ao mal cominado. Nesse caso a vontade do agente é tão só cercada, restringida e não totalmente excluída. Equivale a total exclusão da vontade a situação do assaltante que coloca como "a bolsa ou a vida!". Aqui não há propriamente escolha.

Para que se configure, porém, a coação capaz de anular o negócio, deve existir relação de causalidade entre a ameaça e a declaração.

A intenção de coagir é elemento da própria noção do vício, por outro lado, não haverá intenção de coagir no caso, por exemplo, de alguém que, ameaçado de morte, compra arma pra defender-se. Surge o problema de a coação ameaçar pessoa que não se insere no vocábulo família, mas ligada ao coacto por vínculo afetivo intenso, como por exemplo um amigo íntimo.Quanto aos bens, devem ser eles próprios do ameaçado.

No caso do temor reverencial, o agente se curva a praticar, ou deixar de praticar, ação por medo de desgostar a outrem, a quem deve obediência e respeito. Não havendo ameaça, a lei desconsidera a existência de coação. Entende-se a coação extremamente mais grave que o dolo; na coação de terceiro, desprezava-se a boa-fé do contratante inocente que ignorava sua existência.

No estado de perigo, a questão primordial que se analisa é aquela no qual o indivíduo . de acordo com as circunstâncias, não possui outra saída ou alternativa viável. Importa saber se obrigação contraída em estados semelhantes é válida, levando-se em conta o beneficiado não colaborou para o estado de perigo. Se for entendido simplesmente ter havido vício na vontade do declarante, o negócio será anulável. Ao contrário do que acontece na coação, há uma parte que não é responsável pelo estado em que ficou ou se colocou a vitima. O perigo não foi causado pelo beneficiário, embora ele tome conhecimento da situação. Essa ciência do perigo é essencial para que ocorra o vício. Trata-se, como se nota, de um abuso da situação.

2.5 FRAUDE CONTRA CREDORES

A fraude é vício de muitas faces. Está presente em sem número de situações na vida social e no Direito. Sua compreensão é a de todo artifício malicioso que uma pessoa emprega com intenção de transgredir o Direito ou prejudicar interesses de terceiros. "A fraude decorre sempre da prática de atos legais, em si mesmos, mas com a finalidade ilícita de prejudicar terceiros, ou, pelo menos, frustrar a aplicação de determinada regra jurídica." (LIMA, 1965:29)

A fraude orienta-se em direção á finalidade do ato ou negócio jurídico. Geralmente, o objeto e as condições do ato ou negócio são perfeitos. A causa final do ato é que apresenta vício. Não havendo garantia real, de vários modos pelo próprio devedor para frustrar a garantia, seja pela alienação gratuita ou onerosa dos bens, seja remissão de dívidas, pela renúncia de herança, pelo privilégio concedido a um dos credores e por tantos outros meios capazes de diminuir a capacidade do credor.

O conceito atual de fraude não implica a utilização de meios ilícitos. Pode o vício consistir em atos plenamente válidos, perfeitos e lícitos, mormente porque, sempre que desaparecer a insolvência, ainda que no curso de ação, desparece o interesse para demanda.

A intenção de prejudicar também não é requisito. Geralmente, quem contrata com insolvente não conhece seus credores, Se a intenção fosse erigida em requisito para a ação, estaria ela frustrada, porque muito difícil é o exame do foro íntimo do indivíduo. O requisito será, por conseguinte, na previsibilidade do prejuízo.

O meio para reconhecimento da fraude contra credores é a Ação Pauliana, também chamada de revocatória, que tem por finalidade a aplicação do princípio da responsabilidade patrimonial do devedor, restaurando-se aquela garantia dos seus bens em favor de seus credores. Não tem o condão de anular o ato fraudulento, mas proclama a sua ineficácia relativa, tornando-o inoponível ao credor fraudado, o qual poderá agir, na defesa do seu crédito, sobre o bem ou bens transferidos do patrimônio do devedor para o de terceiro, partícipe da fraude.

Os legitimados são os credores quirografários, não podendo beneficiar desta ação os que possuem garantias reais, já que têm bens determinados afetados para a quitação da dívida, e que se forem alienados permitirá ao credor exercer o direito de seqüela, penhorando-o nas mãos de quem quer que esteja. Mas, se a garantia tornar-se insuficiente, poderá propô-la.

Explica Silvio Venosa: "(..)diz-se haver fraude contra credores, quando o devedor insolvente, ou na iminência de torna-se tal, pratica atos suscetíveis de diminuir seu patrimônio, reduzindo, desse modo, a garantia que este representa, para resgate de dívidas."

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através desta diminuta abordagem busca-se fomentar a pesquisa e a interpretação do ordenamento de forma a vislumbrar como são os conceitos e os dispositivos dos defeitos dos negócios jurídicos, e sua correta classificação numa das cinco espécies apontadas acima são de fundamental importância para aplicação das normas jurídicas na solução de questões dos vícios do negócio jurídico.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 1, 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 2007. 549 p.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, volume 1: parte geral/Silvio de Salvo Venosa. – 4. ed. – São Paulo : Atlas, 2004. 681 p.

Professor orientador: Julio Cezar Dalcol Advogado militante inscrito na OAB/PR, Professor do curso de Direito das faculdades de Telêmaco Borba (FATEB) e Jaguariaíva (FAJAR).


[1]Acadêmico do 1º. ano do Curso de Direito da Fajar – Faculdade Jaguariaíva


Autor: Djalma Camargo Neto


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