Eliezer Batista: o engenheiro da nação brasileira



Aos 85 anos, Eliezer Batista ainda traz consigo o característico sorriso largo e franco como preâmbulo de palavras sempre carregadas de emoção simples, lucidez e extrema profundidade. No dia 24 de novembro, tive o imenso prazer de reencontrar o “dr. Eliezer”, como todos respeitosa e carinhosamente o chamam, feliz e emocionado na pré-estréia do documentário “Eliezer: o engenheiro do Brasil”*, de Victor Lopes, no Unibanco Arteplex Botafogo, no Rio de Janeiro.

 O filme, baseado no livro “Conversas com Eliezer”, de Luiz César Faro, Cláudio Fernandez e Carlos Pousa (Pousa assina a produção cinematográfica ao lado da TV Zero), nos ajuda a compreender a própria construção do Brasil moderno, a história de uma das mais importantes instituições empresariais brasileiras, a Companhia Vale do Rio Doce, hoje simplesmente Vale, e, muito mais do que isso, nos leva a refletir sobre o futuro do nosso país e o modelo de nação que queremos e estamos a construir neste exato momento.

A saga de Eliezer é a história do possível, ou melhor, do que era impossível e foi transformado por ele em algo possível, como afirma Eike Batista, em um dado momento do filme, visivelmente orgulhoso da história do pai. Engenheiro ferroviário contratado pela Vale, então uma empresa inexpressiva, no final dos anos 1940, coube a Eliezer Batista transformar a mineradora em uma das maiores companhias do planeta, da qual ocupou a presidência, pela primeira vez, em 1961.

Dono de uma mente brilhante e estrategista empresarial internacionalmente reconhecido, Eliezer logo percebeu que havia uma enorme oportunidade em fornecer minério brasileiro para o Japão, país em plena recuperação, após o impacto da Segunda Guerra Mundial. Havia, no entanto, uma dificuldade até então intransponível: era “impossível” competir com a Austrália, grande produtora de minério de ferro e geograficamente próxima do país do sol nascente. O Brasil simplesmente estava isolado economicamente pela localização antípoda.

Eliezer, de modo pioneiro na História, rompeu com a idéia do empecilho geográfico e desenvolveu o conceito de “distância econômica”, demonstrando, por exemplo, que a construção de mega navios, de calado muito superior aos que eram projetados na época, viabilizaria a entrega de minério do outro lado do globo a preços competitivos. Demonstrou, convenceu e fez construir o majestoso Porto de Tubarão, no ES, uma das maiores obras de engenharia do globo, a despeito da crença de muitos governantes e banqueiros que não queriam financiar a obra; viabilizou o envio de minério ao Japão em termos competitivos e, com isso, revolucionou todo o conceito de comércio transoceânico mundial. Hoje, os gigantes graneleiros como o cape-size  Berg Stahl, construído pela Hyunday, com capacidade superior a 365tpb (toneladas de porte bruto), ou mesmo os grandes petroleiros que cruzam diariamente os oceanos do planeta, devem sua existência a essa idéia simples e genial de Eliezer Batista. O bolso dos consumidores em todo o mundo também, na medida em que a escala barateou toda a forma de custo unitário.

Mas Eliezer Batista fez muito mais do que isso! Foi ministro de Jango e de Collor, presidente e fundador da MBR, um dos mentores da indústria brasileira de papel e celulose (a Aracruz é um de seus grandes legados), conselheiro de todos os presidentes da República, desde a redemocratização do país, e mentor da idéia de unificação logística da América do Sul. O documentário tem a felicidade de demonstrar tudo isso através de uma pesquisa histórica apurada e de depoimentos do próprio Eliezer e de personalidades como Fernando Henrique Cardoso, Luiz Ignácio Lula da Silva, Roger Agnelli, Raphael de Almeida Magalhães, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, amigos e familiares. E mais: mostra que Eliezer, hoje diretor da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, a Firjan, continua ativamente e influenciar grandes inovações no Brasil.

O filme narra também a enojante perseguição empreendida pelo regime militar, após o golpe de Estado de 31 de março de 1964, quando então Eliezer foi sumariamente afastado da presidência da Vale sob a acusação de ser “comunista”. Curiosamente, o adjetivo foi atribuído a ele por uma de suas mais admiráveis características: a preocupação social com o bem estar dos trabalhadores, o respeito e o apoio ao desenvolvimento das comunidades locais e o profundo senso aplicado de preservação ambiental, em um momento histórico no qual as empresas simplesmente não eram cobradas por isso. Por construir escolas, creches, educar os trabalhadores retirando-os do analfabetismo e dando a eles formação técnica avançada, e por falar fluentemente sete idiomas, entre eles o russo, Eliezer foi tratado como subversivo e só não foi preso pela intervenção providencial do empresário brasileiro Augusto Trajano de Azevedo Antunes, que possuía ótimas relações com o regime. Pelas mãos do empresário, Eliezer foi trabalhar no Grupo Antunes. Era isso ou a cadeia! Segundo o próprio Eliezer, não foi muito difícil escolher.

Com Azevedo Antunes, fundou a Minerações Brasileiras Reunidas (MBR).  Quinze anos depois, o próprio regime militar se ajoelhou aos pés de Eliezer para pedir que voltasse à presidência da Vale pois não existia ninguém no mundo mais capaz do que ele para a edificação de um projeto da magnitude de Carajás, a maior província mineral do planeta, a qual ele também construiu.

Enfim, o filme é uma jóia histórica e deve ser sessão obrigatória para todo e qualquer profissional e cidadão que queira entender os fundamentos da construção de um país. É também uma prova da incrível potencialidade humana quando sustenta suas vocações com crença, trabalho duro e focado, inteligência e criatividade e, o mais importante: ética e elevado espírito humano.

Em uma época em que os brasileiros se envergonham com os seguidos escândalos na administração pública e com a lamentável atitude de políticos que colocam seus interesses pessoais acima do bem comum, a figura de Eliezer Batista é um modelo vivo do administrador público honrado e capaz que todos nós brasileiros queremos e merecemos ter.

“Eliezer: o Engenheiro do Brasil”, 2009, 84 minutos. Roteiro: Maurício Lissovsky e Victor Lopes. Fotografia: Manuel Águas. Produção: TV Zero e Carlos Pousa. Distribuição: Espaço Filmes.


Autor: Renato Manzano


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