DESAPOSENTAÇÃO



A partir de um momento histórico em que se tem observado constantes mutações legislativas no âmbito previdenciário, com a supressão explícita de direitos[1] e constituindo-se a própria aposentadoria em benefício com vistas à manutenção do segurado na sua velhice, tem-se que o tema ora observado é de grande valia para o futuro do instituto.

O instituto da "desaposentação", que se constitui na renúncia à aposentadoria para aproveitamento do tempo de contribuição com vistas à nova aposentadoria mais favorável ao segurado, no mesmo ou em outro regime previdenciário, é questão controversa no universo do Direito Previdenciário.

Com construção doutrinária e jurisprudencial, apenas, estudiosos da matéria têm se dedicado a discorrer sobre o instituto da desaposentação, apresentando posicionamentos divergentes.

Ao seu turno, os defensores do ato de desaposentação apoiam-se no caráter personalíssimo e renunciável do direito à aposentadoria, quando o for por ato voluntário do segurado e em seu benefício, como no caso de obter nova aposentadoria mais vantajosa. Baseiam-se, ainda, em ausência de proibitivo legal, calcando-se no princípio de legalidade, consubstanciado no artigo 5º, inciso II da Constituição Federal.

Ao revés, os opositores da desaposentação defendem o caráter indisponível e irreversível da aposentadoria, conforme disposto no artigo 181-B do Decreto nº 3.048/99, e também invocam o princípio da legalidade de observância obrigatória para administração pública, nos termos do artigo 37, caput, da CF/88, mas sob o enfoque da ausência de previsibilidade legal para o procedimento de desaposentação e suas implicações no sistema de seguridade, além de classificarem a aposentação como ato jurídico perfeito e assim intangível conforme preceito constitucional.

Em face da conotação da discussão em torno desta matéria, observa-se que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 7.154-C/02, com vistas a introduzir modificação na Lei 8.213/91, inserindo-lhe a questão da desaposentação, o que proporcionaria entendimento comum à matéria.

Contudo, mesmo não havendo em nosso ordenamento jurídico legislação específica para o instituto da desaposentação, impõe-se destacar que existem dispositivos legais, de caráter constitucional e infraconstitucional, que garantem o direito dos segurados aposentados ao seu exercício.

Entretanto, em que pese os argumentos levantados pelos opositores ao instituto da desaposentação, visando demonstrar que os mesmos são infundados e não merecem prosperar em nosso ordenamento jurídico, necessário traçar as seguintes considerações:

Quanto aos argumentos da irrenunciabilidade e irreversibilidade da aposentadoria, giza-se que constituem garantias favoráveis ao segurado, frente à pretensão do Estado, na qualidade de seu concessor, de cessação da aposentadoria. Portanto, não poderá, de maneira alguma, ser utilizado em desfavor do beneficiário, visto que, o interesse à desaposentação é seu, já que busca a obtenção do melhor benefício.

Outro argumento utilizado pelos opositores da desaposentação, que também não encontra guarida em nosso ordenamento jurídico, em razão da sua natureza é a invocação do princípio da legalidade, posto que não há necessidade que exista legislação específica para o assunto para viabilizar e instrumentalizar o instituto, pois que opera-se na legislação variadas normas legais que o apoia, garantido, assim, a sua apreciação se dar de forma positiva a desaposentação pelos tribunais.

Fruto da discussão ferrenha sobre o assunto, estatuída entre os doutrinadores da matéria e juristas que se dedicam a analisá-la, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei de nº 7.154-C/02, o qual evidencia o cabimento da desaposentação, visto que está tão presente no ordenamento jurídico-previdenciário que se impõe a criação da sua previsibilidade para o seu aperfeiçoamento, uma vez que aprovada, obstará de uma vez por todas qualquer argumento em razão da imprevisibilidade legal.

Apenas subsiste, de forma não tão pacífica, a controvérsia doutrinária e jurisprudencial, a questão referente à devolução dos proventos recebidos pelo segurado aposentado enquanto perdurou a aposentadoria renunciada, conforme se vislumbra na jurisprudência. Contudo, vale lembrar que o STJ já se pronunciou a respeito, de forma favorável à sua desnecessidade, em razão de ser, o salário-de-benefício, efetivamente devido desde a sua concessão até o ato da sua renúncia, já que possui caráter alimentar.

Além deste argumento, cumpre destacar outros argumentos utilizados pelos doutrinadores e juristas que coadunam com o entendimento favorável à desaposentação. Entre eles, destaca-se o fato do salário-de-benefício ter sido concedido de forma regular, portanto, desnecessária a sua devolução. Também, salienta-se o fato de a aposentadoria ser concedida no intuito de perpetuar-se até a morte do beneficiário, o que preserva o equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social. Ainda, impõe-se chamar a atenção à questão de que o instituto da desaposentação não causará acúmulo de benefício, mas tão só um acréscimo na sua renda mensal, por força da substituição de uma aposentadoria por outra mais benéfica.

Outrossim, há que se levar em conta as hipóteses em que o segurado, mesmo aposentado, continua no exercício de atividade remunerada e, por isso, retendo contribuições previdenciárias aos cofres do INSS. Com efeito, nestes casos a desaposentação sem a devolução dos proventos até então percebidos, seguida da percepção de outro benefício de valor maior, torna equitativa a relação entre segurado e Previdência Social, na medida em que estará havendo o pagamento da prestação (benefício) condizente com a contraprestação (contribuição previdenciária).

Destarte, considerando a argumentação retro, consubstanciada em bases legais, doutrinárias e jurisprudencial, reafirma-se o cabimento da renúncia da aposentadoria visando aposentar-se novamente, porém com um benefício mais benéfico, sem a necessidade de devolução das parcelas recebidas enquanto aposentado pelo benefício renunciado, utilizando-se, inclusive, o tempo de contribuição que viabilizou a aposentadoria renunciada, para contagem de tempo para jubilação pretendida.

Somando-se, ainda, ao exposto acima, ou seja, sobre a desconstituição dos argumentos contrários à desaposentação, visto que não se coadunam com o ordenamento jurídico-previdenciário e muito menos com as normas constitucionais, impõe-se, por oportuno, destacarmos mais argumentos favoráveis à desaposentação:

Inicialmente, destaca-se o fato de que ninguém é obrigado a permanecer aposentado contra o seu interesse, motivo pelo qual a renúncia à aposentadoria é perfeitamente cabível.

Salienta-se, também, que a renúncia tem a finalidade à obtenção de benefício mais vantajoso, isso porque o aposentado abre mão dos proventos, mas não do tempo de contribuição que já teve averbado. Nessa égide, destaca-se a melhor interpretação a ser aplicada à norma infraconstitucional, que é aquela em que a irrenunciabilidade e a irreversibilidade das prestações previdenciárias são relativas, pois que quando for exercida em benefício do próprio segurado, a renúncia deverá ser permitida.

Ainda, insiste-se que a renúncia resume-se em ato unilateral do agente, e assim independente do deferimento de outrem, consiste no abandono voluntário de direito ou de seu exercício, portanto, não há que se falar na sua impossibilidade.

Por fim, giza-se que tanto a CF/88, quanto a legislação específica previdenciária não vedam a desaposentação. A CF/88 é omissa quanto ao assunto. Já a legislação específica, apenas, apresenta um ditame no Decreto 3.048/99, que limita o direito do segurado aposentado, porém é passível de afirmar a sua inconstitucionalidade, ao passo que limita direito quando a lei maior não o fez.

Tem-se com esse entendimento, a consolidação do princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que o segurado obterá mais renda de cunho alimentar, possibilitando usufruir de uma vida digna. Permite, também, efetivar o princípio da isonomia, já que conforme referido, o valor do benefício terá a necessária correspondência com as contribuições previdenciárias efetuadas e, por fim, consolida o direito fundamental à Previdência Social, porquanto, o segurado estará obtendo o proveito máximo e condizente do trabalho desempenhado durante longos anos – aposentadoria - um dos objetivos maiores da Previdência Social.

Assim sendo, o que existe no sistema previdenciário é a sua ausência de norma proibitiva, tanto no que se refere à desaposentação quanto no que se reporta à contagem do tempo referente ao período utilizado na aposentadoria renunciada, subsistindo, portanto, a permissão, já que a limitação da liberdade individual deve ser expressa, não podendo ser reduzida ou diminuída por omissão.

A parti do todo o exposto, pode-se concluir que é perfeitamente cabível o direito do segurado ao exercício do instituto da desaposentação, inclusive, sem a obrigatoriedade da devolução dos valores percebidos a título de aposentadoria.

Há, no entanto, necessidade de ser observado pelos segurados aposentados quando visarem a desaposentação, a legislação vigente à época do seu exercício, em razão das constantes modificações, que acabou penalizando o cálculo da renda mensal dos benefícios previdenciários.

Sendo assim, giza-se que atualmente nem sempre um benefício com mais tempo de contribuição resultará num valor de renda mensal maior, motivo pelo qual a desaposentação necessita de análise para cada caso particular, sob pena de causar prejuízos ao segurado aposentado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, Isabella Borges de. Da desconstituição do ato de aposentadoria e a viabilidade atuarial da desaposentação. Revista de Previdência Social. n. 317. São Paulo: LTr, Abr. 2007.

BRUXEL, Márcia Maria Pierozan. A contagem recíproca do tempo de serviço rural na perspectiva dos princípios constitucionais estruturantes e diretivos do sistema de seguridade social. Dissertação de Mestrado. UNISC, Santa Cruz do Sul, 2005.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Aposentadoria. Processo 007.474/1994-6; Acórdão 885/2003. Grupo I /Classe V / Primeira Câmara. Unidade: Ministério da Fazenda. Interessada: Lazara Cotrim. Ministro Relator: Lincoln Magalhães da Rocha.Disponível em: <https://contas.tcu.gov.br/portaltextual/

ServletTcuProxy>. Acesso em: 8 mai. 2009.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Classe: AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. Processo: 2006.70.00.031885-5. UF: PR. Data da Decisão: 02/04/2008. Orgão Julgador: TURMA SUPLEMENTAR. Fonte: D.E. 20/06/2008. Relator: FERNANDO QUADROS DA SILVA. Disponível em: <http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/acompanhamento/resultado_pesquisa.php?selForma=NU&txtValor=200670000318855&chkMostrarBaixados=S&selOrigem=TRF&hdnRefId=a0365cacdbe5e804150ddc3f21856796&txtPalavraGerada=JURI>. Acesso em: 06 nov. 2009.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Classe: APELREEX - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO. Processo: 2008.71.00.017998-2. UF: RS. Data da Decisão: 01/07/2009. Orgão Julgador: SEXTA TURMA. Fonte: D.E. 28/07/2009. Relator: VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS. Revisor: JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA. Disponível em: <http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/acompanhamento/resultado_pesquisa.php?selForma=NU&txtValor=200871000179982&chkMostrarBaixados=S&selOrigem=TRF&hdnRefId=6c38e43cc876d5bfec781def3f0eaa68&txtPalavraGerada=JURI>. Acesso em: 06 nov. 2009.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Acórdão: Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL. Processo: 2000.71.00.027268-5. UF: RS. Data da Decisão: 13/10/2009. Orgão Julgador: QUINTA TURMA. Fonte: D.E. 26/10/2009. Relatora: MARIA ISABEL PEZZI KLEIN. Revisor: RÔMULO PIZZOLATTI. Disponível em:<http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/acompanhamento/resultado_pesquisa.php?selForma=NU&txtValor=200071000272685&chkMostrarBaixados=S&selOrigem=TRF&hdnRefId=37ca56419f2e52bd7b7abb8bcefabd89&txtPalavraGerada=JURI>. Acesso em: 06 nov. 2009.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Acórdão. Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL. Processo: 2007.72.05.004733-5. UF: SC. Data da Decisão: 30/09/2009. Orgão Julgador: TURMA SUPLEMENTAR. Fonte: D.E. 05/10/2009. Relator: LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE. Revisor: RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA. Disponível em: <http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/acompanhamento/resultado_pesquisa.php?selForma=NU&txtValor=200772050047335&chkMostrarBaixados=S&selOrigem=TRF&hdnRefId=c4535ee4a50d85ea4ec220805f521950&txtPalavraGerada=JURI>. Acesso em: 06 nov. 2009.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão. Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL. Processo: 2009.71.00.009238-8. UF: RS. Data da Decisão: 30/09/2009. Orgão Julgador: SEXTA TURMA. Fonte: D.E. 08/10/2009. Relator: CELSO KIPPER. Disponível em: < http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/acompanhamento/resultado_pesquisa.php?selForma=NU&txtValor=200971000092388&chkMostrarBaixados=S&selOrigem=TRF&hdnRefId=1cc0f2822db645aab7ad1a872bee4f1c&txtPalavraGerada=JURI>. Acesso em: 06 nov. 2009.

BRASIL. Egrégio Superior Tribunal de Justiça.(REsp 692.928/DF, Rel. Min. NILSON NAVES, DJ de 5/9/05). Recurso especial improvido. (REsp 663.226-MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima, julgado em 06-11-2007). Disponível em: < http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200400713658&pv=000000000000>. Acesso em: 06 nov. 2009.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 10. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008.

CAZÚ, André Luis. Desaposentação. Revista de Previdência Social. n. 324. São Paulo: LTr, Nov. 2007.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha. Curso de direito da seguridade social. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

CUNHA, Roseval Rodrigues da. Desaposentação e nova aposentadoria. 2002.Disponível em: <http:///agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/

desaposentação.PDF>. Acesso em: 30 jun. 2008.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. v. 01; 03; 04. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

FIGUEIREDO, Antonio Borges de; OLIVEIRA, Marcela Gallo de. Renúncia à aposentadoria (desaposentação) no Projeto de Lei N. 7.154/2002. Revista de Previdência Social. n. 314. São Paulo: LTr, Jan. 2007.

FONTOURA, Iara Purcote; SABATOVSKI, Emílio. Vade-Mécum Previdenciário. 7. ed.

Curitiba: Juruá, 2007.

GARCIA, Elsa Fernanda Reimbrecht. Da desconstituição do ato de aposentadoria e a viabilidade atuarial da desaposentação. Revista de Previdência Social. n. 321. São Paulo: LTr, Ago. 2007.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2001.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Direito adquirido na previdência social. 2. ed. São Paulo: LTr, 2003.

MARTINS, Sérgio pinto. Fundamentos de direito da seguridade social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução. v. 2 e 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e Jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

PINTO, Antônio Luiz de Toledo; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Lívia. Vade Mecum. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

ROCHA, Daniel Machado da. O direito fundamental à previdência social na perspectiva dos princípios constitucionais diretivos do sistema previdenciário brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004.

ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR, José Paulo Junior. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 7. ed. Porto Alegre: Esmafe, 2007.

SANCHEZ, Adilson; XAVIER, Victor Hugo. Advocacia previdenciária. São Paulo: Atlas, 2008.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.




Autor: Gustavo Schneider


Artigos Relacionados


Locação De Imóveis E O Direito Constitucional

Diacronização!

O Salmo 23 Explicitado

Biodiesel - Impactos E Desafios

Direito Ambiental - Meio Ambiente

Revisão De Benefício Previdenciário

Estabilidade Do Servidor Público