Só me faltava essa! (cap 6-7)



283 - Só me faltava essa! – Capítulo 7

 

 

Mas era só encenação.

Apesar de toda a aparente segurança, Felícia estava tremendo feito vara verde e já estava arrependida, ainda antes de a aventura começar. 

Mas sabia que esses cretinos precisavam de uma boa lição.

Só não sabia que tipo de lição receberiam, visto que ambos sonhavam exatamente o que estava por acontecer; e isto de mão beijada, sem fazer força alguma, sem truques, trapaças, esconde-esconde, mentiras.

Ela chegou a pensar se não estariam erradas.

Mas agora o jogo tinha começado e não seria ela tão covarde de ir bater na casa da Teresa pedindo a devolução de seu homem e dizendo:

- Toma,amiga, pega de volta o teu marido! Não brinco mais!

Trato é trato; e não havia como desistir.

O fato é que, sem dizer uma única palavra, ela passou a mão nas roupas de dormir, encerrou-se no banheiro e ficou se preparando para os momentos seguintes, sem saber o que aconteceria e pior: sem saber o que ela mesma faria.

 

Vê-se que não passamos de crianças; cometemos as maiores traquinagens, molecagens, trapalhadas, mas no fim somos apenas uns pobres fantoches, controlados pelo destino.

É ele que nos leva, nos dirige, nos conduz.

Nossa vontade pouco pode fazer, diante desse imenso jogo no qual seis, sete bilhões de pessoas interagem sem sabê-lo e sem percebê-lo.

Depois que o destino arma uma jogada qualquer com a nossa vida, só nos resta pular de alegria ou chorar de tristeza pelo que nos aconteceu.

 

Ao sair finalmente do banheiro, Felícia estava mais deslumbrante ainda – mas  gostaria de não o ser. 

Atravessou o quarto correndo e se enfiou sob o lençol.

Tremia de medo, de ansiedade.

Daniel, que já tinha vestido o pijama,  deitou-se ao lado dela, pedindo licença. Ele também estava sem jeito, por esta traição escancarada e consentida. Quanto mais pensava, mais a achava uma loucura.

- Boa noite, Daniel – a voz dela tranquila, suave

    - Boa noite Felícia – a dele um tom acima do normal, pois ele não conseguia disfarçar seu estado de nervosismo.

 

Mas afinal, porque tanto drama?

As moças estavam acostumadas a deitarem com seus maridos; e um homem, teoricamente, não difere muito dos outros.

 

Eles, então, já tinham tido suas experiências – é praxe, é considerado normal, é aceito sem discussão, numa sociedade machista como a nossa, que o homem tenha o direito de deitar-se com várias moças antes do casamento.

Não está bem clara a razão e nem existe justificativa desse comportamento, mas é o que a sociedade faz.

 

Em breve, apesar de estarem ambos com o coração aos pinotes, o efeito do vinho, da comida e das emoções contrastantes, fez-se sentir. 

E adormeceram imediatamente.

No meio da noite – seriam umas três horas, talvez – ambos acordaram, quase ao mesmo tempo. 

Estavam virados para o mesmo lado, os corpos se tocando, encaixados, como ela costumava dormir com o Jorge.

Não foi preciso nenhum outro estímulo:

Daniel ficou embevecido com o perfume dos cabelos dela; passou a mão entre os longos fios, que lhe lembravam a linda cabeleira da Teresa.

Ela – não era Teresa, mas Felícia, e ele bem sabia – virou-se para ele e um leve beijo, quase um suspiro, quase o vibrar da asa de um pássaro, selou um tácito acordo entre eles.

Sem uma palavra, sem um som, abraçaram-se, fundiram suas vontades, reconheceram-se e deixaram que tudo acontecesse.

Não era amor, com certeza; seria desejo, paixão, vontade, volúpia; seria qualquer um dos cem pecados da carne, que nos perseguem, a todos nós,  a vida toda.

Mas também não era apenas um simples ato mecânico.

Era algo melhor, mais são, mais puro – se esta não for uma blasfêmia.

Cortadas todas as conexões com o mundo exterior, de repente sobraram só eles dois, sozinhos no jardim do Éden, transformados em um único ser; e todo o resto não existia mais. 

 

 

Na casa da Teresa, algo semelhante acontecia.

Ambos, depois de uma aproximação difícil e cansativa, movidos pelo temor de se expor demais e ao mesmo tempo, de ofender o parceiro, acabaram indo para a cama, virando cada um de um lado.

Mas durante a noite, a proximidade , a presença, a própria respiração do outro, tornou-lhes impossível continuar dormindo.

Acariciaram-se um pouco, com gestos ingênuos de carinho e depois começaram a trilhar o caminho da paixão, do prazer.

Em poucos minutos, possuíam-se de maneira quase selvagem, como se uma represa tivesse cedido de repente, sem que nenhuma força lhe pudesse resistir.   

Depois cansados,  esgotados, até, quem sabe, envergonhados – mas não arrependidos  - adormeceram, um nos braços do outro, com um ar de felicidade que daria inveja a um anjo – e esta também pode ser uma outra blasfêmia.. .

 

A manhã seguinte – uma sexta feira – Felícia acordou cedo, para fazer o café da manhã para o Daniel. 

Ele sairia às seis e meia, para entrar na fábrica às sete.

Tomaram café juntos, sem olhar muito para trás, conscientes que o que tinham feito tinha sido concordado por ambos e pelos outros dois.

Nada havia a reclamar, nada a replicar. 

Felícia deu-lhe um beijo, entregou-lhe um pacotinho com o lanche e esperou, parada na porta, que o Daniel sumisse, virando a direita na segunda esquina.

 

 

A cinquenta metros dali, na porta de sua casa, Teresa dava sua despedida, igualmente calorosa, ao seu novo marido, Jorge. E também aguardou na porta, até que, depois de lhe dar um ligeiro sinal, ele desaparecesse  da vista.    

 

Entrou depois, completou com calma o seu café, e aguardou que Felícia chegasse, para contar as novidades.

 

 


Autor: Romano Dazzi


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