A IDADE DA RAZÃO



 

IDADE DA RAZÃO

 

Acho que estou chegando à idade da razão.

Devagar, tropeçando ainda um pouco, mas estou chegando lá.

Lá onde  dois e dois dão sempre quatro; três e três dão sempre seis  ;

E principalmente onde, finalmente conformados com as regras do jogo, sabemos exatamente o que podemos pegar na mesa, com o que temos na mão.

Entro assim na normalidade dos seres adultos e no respeito às normas da vida.

 

Hoje vejo a vida como um  sistema solar, um pouco injusto, mas funcional.

Antes, meu pai era o sol.

Eu era simplesmente um planetinha à-toa – como a terra, por exemplo -  obrigado a girar ao redor dele, sem poder sair um só milímetro  da órbita traçada.

Esquecia, ou fazia de conta de não saber, que tudo o que estava na minha horta vinha dele, e a luz, o calor, as roupas, o conhecimento, os sapatos, a bicicleta.

Mas eu odiava este estado de coisas e queria ditar minhas próprias leis.

O tempo passou, e aos poucos meu pai, sem que nós dois  percebêssemos,  tornou-se um sol pálido e morno.

Eu tornei-me então um astro; e ele ficou sendo um planeta, tão inconformado com  a situação,  como eu mesmo tinha sido.

E ainda o tempo foi passando e passando... Casei, tive filhos.

Então esses, os meus planetinhas, também  inconformados,  orbitavam ao meu redor, e me cabia sustenta-los, e não lhes deixar faltar luz e comida e bicicletas... 

Mais tarde, aos poucos, meu calor também foi diminuindo, minha energia se esvaindo, enquanto a deles florescia e brilhava, para minha grande alegria.

Sinto agora o frio que meu pai deve ter sentido, enquanto as forças o deixavam.

Sinto necessidade do calor, da presença, do envolvimento dos meus planetinhas, que estão, como eu bem sei, ocupados com outras hortas, bem mais necessitadas que a minha.

É o giro da vida, esta  engraçada roda gigante, durante a qual os panoramas mudam  enquanto você sobe, mais lentamente do que gostaria e depois começa a descer, muito mais depressa do que desejaria, na alternância inexorável das suas estações.

Por sorte minha, cheguei à idade da razão.

São os meus netos, agora, que não  se conformam com as regras da vida; eles também, imaginam que dois e dois, às vezes, possam dar cinco. Aprenderão.

 

Mas entendo que esta reflexão é mecânica e racional demais.

Deveria falar em envolvimento, carinho, reconhecimento; não como um pesado  encargo a ser enfrentado com  resignação, ou como pagamento pelo que recebemos deles, mas como uma graça, que a vida nos oferece, permitindo-nos  devolver, renovado, todo o amor com  o qual eles nos cercaram e protegeram.

 

As obrigações impostas pela vida moderna  fazem-nos correr o tempo todo atrás das  horas, dias e anos que já passaram e  que não voltam mais; mal percebemos que todos eles são apenas fantasmas.

 

É no dia de hoje, que devemos pensar; concentrando nele nossas energias e realizando, da melhor forma possível, as obrigações que conseguirmos cumprir.

Amanhã, pode ser tarde demais.

 

Mas talvez seja pedir muito: para entendermos isso, devemos chegar à idade da razão.  E  raramente chegamos a ela,  antes dos oitenta.

 

 


Autor: Romano Dazzi


Artigos Relacionados


Avis Rara

Esmola De Natal

A Palavra-serva

Mensagem De Natal

Meus Caros Leitores

A Vida é Uma Viagem, Não Um Destino

About Me