O Cárcere do Ter



Num mundo onde mais de dois bilhões de pessoas vivem com menos de dois dólares por dia, não há cárcere maior na vida do ser humano do que aquele que o faz chafurdar no lodo das lamentações, não reconhecendo o valor da sua existência.

Não somos mais capazes de nos admirar com os singelos instantes da vida. Uns tem muito, mas aproveitam pouco. Vivem tão agitadamente que aguardam a velhice para poderem contemplar o espetáculo da vida, ainda que, idosos, não possam realizar façanhas que seriam possíveis somente na jovem. Preocupam-se tanto com riquezas que se tornaram o dinheiro que têm. Esqueceram-se de que a felicidade está na dádiva de agradecer todas as manhãs pelo dia que nasce. Ela está latente no sorriso do menino que aprendeu a dar suas primeiras voltas de bicicleta com a ajuda dos pais.

Muitos indivíduos estão afastando as pessoas que amam para se aproximarem das que lhes trazem lucro. Em breve, poderão ter muito, mas serão pouco. Soterrarão suas possibilidades de serem felizes. Estarão "felizes" com efemeridade.

Nunca vivemos num mundo tão globalizado, todavia, jamais a globalização afastou tanto o ser humano. Deparamos-nos com absurdos gigantescos e abismos que estão segregando os relacionamentos sociais. Já não abraçamos tanto quanto antes. As cartas ficaram para trás, embora, nada substituirá o prazer de receber uma correspondência pelo correio.

A ciência prometeu que do século XX em diante, a solidariedade embriagaria as nações. Somos sim solidários, sobretudo nós brasileiros. Porém, não é possível falar em solidariedade quando a fortuna das duzentas pessoas mais ricas do mundo supera a renda anual de milhões de trabalhadores.

Ter dinheiro e riquezas não é proibido, principalmente, quando advém das fontes de honestidade e da integridade. Ter dinheiro dá conforto, prazeres, alegrias. Não será expulso do paraíso aquele que tem dinheiro. Todavia, quando os limites da saudável ambição são superados, chegando-se à podridão da ganância, ter dinheiro sepulta sonhos alheios, aniquila oportunidades para outros.

Incrivelmente, o ser humano se alegra ao ouvir estrondosos lucros de algumas empresas, sobretudo, as instituições financeiras. No entanto, ninguém se alegra ao ter que enfrentar uma fila para sacar um salário mínimo, por mais de duas horas, pela ausência de contratações, mesmo nessas instituições com resultados astronômicos.

Há uma prisão na qual o ser humano está recluso: a prisão do ter.

Quero que o leitor compreenda que não estamos, de forma demagógica e hipócrita, criticando pessoas que, por meio dos seus esforços, garra, determinação, superação, conquistam riquezas. Falamos de absurdos que têm servido de exemplos para nações. Exemplos esses que têm tornado mais e mais pessoas infelizes, por se julgarem inferiores a outras por não serem abastadas. É incrível perceber que as pessoas não sabem mais aproveitar pequenos instantes. Pais abandonam seus filhos, mesmo vivendo debaixo do mesmo teto. Chegam tão exaustos em casa que, diante do convite do filho para brincar, se rendem ao sofá e a televisão. Trabalham, trabalham, porém, o único motivo pelo qual o fazem é para se comparar ao vizinho, aos parentes.

A busca contínua pelo prazer de viver, de ter saúde, paz, harmonia está sendo substituída pela incessante busca por sucesso, sobretudo, financeiro. Estamos perdendo o real conceito de sucesso que é estar vivo, e diante das dificuldades persistir, até conquistar o que nos faz bem, sem praticar o mal.

O que está acontecendo com o ser humano? Para onde estamos caminhando? Estaríamos nos aproximando do fim dos trilhos?O que aguarda as próximas gerações? Mas, principalmente, o que nos aguarda? Seremos uma sociedade insociável?

Profissionais não têm se permitido aprender. Não têm mais tempo para fazer bem feito seus trabalhos. Lamentam pelo salário que ganham e pela posição que ocupam. Querem ganhar mais, mesmo antes de entregarem mais. Empresários têm tirado o couro dos seus colaboradores. Exigem muito, reconhecem e recompensam pouco. Ambos tendem a imergir no limo das reclamações e serem tragados pela falência mútua.

Ter é ótimo, mas, ter e ser é sublime. É o único caminho que, verdadeiramente pode conduzir às terras da satisfação, à messe da alegria e aos lindos campos da felicidade.

Sejamos mais, sem nos preocuparmos demasiadamente com o ter. Busquemos ser o melhor que pudermos no trabalho e nos relacionamentos. Façamos o que precisa ser feito com brilho nos olhos, com alegria. Sejamos responsáveis pelas conseqüências que nossas escolhas nos trouxeram. Porém, não sejamos os responsáveis por deixar tantos outros sem escolha.

Tenha muito, seja muito mais!

Um abraço e felicidade sempre!

Professor Paulo Sérgio Buhrer


Autor: PAULO SERGIO BUHRER


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