O HOSPITAL E A MEDICINA CLÁSSICA



Introdução

Este trabalho é uma pequena abordagem da história da medicina e do hospital clássico nos séculos XVII e XVIII. De forma que seu conteúdo apresentada uma analise Foucaultina da relação estreita entre doença-doente no período citado. Veremos qual era a funcionabilidade do hospital e a pratica médica desenvolvida como meio de medicina social na sociedade ocidental e suas formas de inserção e de intervenção no hospital.

1O HOSPITAL FUNCIONAL NA MEDICINA CLASSICA

Para os poucos conhecedores deste conteúdo especifico, até pode parecer estranho, mas até 1780, a medicina não tinha um foco terapêutico, ou seja a intenção propriamente dita de intervenção sobre a doença e o doente. Sabemos que o hospital, enquanto instrumento terapêutico, é uma invenção relativamente nova, pois o hospital, que funcionava na Europa, desde da idade média, não era um lugar de cura. Foucault o descreve mais como um centro de Promoção Social do que como um hospital:

O hospital, como um instituição importante e mesmo essencial para a vida urbana do Ocidente, desde a Idade Média, não é uma instituição médica, e a medicina é, nesta época, uma pratica não hospitalar ( FOUCALT, 1985 p. 101).

Falar que o hospital mais parecia um centro de Promoção Social, se dá pelo fato de que neste momento da história, o hospital era visto como um centro social, onde as pessoas eram separadas e exclusas da sociedade, de modo a não contaminá-la com suas doenças e não prejudicar com suas perturbações condizentes com a situação vivida pelo paciente. O hospital era visto como um lugar de recolhimento do doente e proteção para os sadios. Foucault relata que o personagem ideal do hospital até o século XVIII não era o doente e sua doença, mas sim a pobre situação de alguém que esta morrendo e merece ser assistido com cuidados materiais e espirituais, sendo essa a função principal do hospital. As pessoas que, por ele transitavam e trabalhavam, não eram propriamente pessoas capacitadas ou envolvidas com a medicina. Muitas vezes estavam lá para ajudar alguém a garantir sua salvação. Tinham uma função de participar do momento de transição da vida do doente, estágio esse, entre a vida e a morte.

Foi essa irrelevância social da não funcionabilidade do hospital sobre a doença doente, o primeiro fator motivacional para uma transformação em busca de uma ação positiva do hospital sobre a sociedade.

O que se percebe é que a reorganização hospitalar não partiu originalmente da evolução de técnicas médicas, mesmo porque até esse período, o médico atuava no domicílio, numa ação expectante e não intervencionista; partiu sim, de uma nova organização social, que teve a sua origem em uma política econômica, chamada por Foucault de disciplina - entendida como um exercício de poder, tomando sobretudo a análise do espaço - onde os indivíduos não mais se aglomeravam, mas eram ordenados nas instituições tais como exército, escolas e hospitais. E, para manter essa ordem, era necessário exercer o controle, a vigilância e o registro contínuo sobre os indivíduos permitindo julgá-los, classificá-los, medi-los e, por conseguinte, utilizá-los ao máximo (FOUCAULT, 1985, p.105; MUCHAIL, 1985, p. 196-208).

Foi essa nova organização hospitalar disciplinadora que possibilitou a sua medicalização. Mas, se este poder disciplinador foi confiado ao médico, isto se deveu também à transformação do saber médico. A formação de uma medicina hospitalar deu-se por um lado, à disciplinarização do espaço hospitalar e por outro, à transformação, nesta época, do saber e da prática médicas.

Essa reorganização hospitalar acompanhou as transformações econômicas e sociais do período. A emergência do capitalismo, a urbanização crescente e desorganizada, com conseqüentes epidemias, o aprofundamento da divisão técnica e social do trabalho, o aumento da dependência entre as nações e entre as diversas esferas da atividade humana caracterizaram uma nova estrutura social, apresentando um grau mais complexo de socialização.

E, conforme analisa Foucault (1985), a irrupção do capitalismo possibilitou a passagem de uma prática médica individual para uma prática coletiva e não o contrário, dando origem à Medicina Social - nascente do saber epidemiológico - articulada com o Estado e correspondendo plenamente às suas necessidades de organização da nova sociedade.

Nesse período os agentes do trabalho médico, assumindo a importância social que começava a ser dada ao corpo, adotaram a tarefa de garantir a existência de um grande contingente populacional. "Tarefa que é efetivada através do controle sanitário, onde as medidas tomadas não se dão principalmente através do cuidado individual mas no controle demográfico, das epidemias e do espaço urbano" (SCHRAIBER, 1989, p. 81). E o hospital se constituiu, inicialmente, num espaço privilegiado para esse fim. Em outras palavras, as primeiras ações terapêuticas no hospital reorganizado foram antes de natureza coletiva e social, do que sobre o corpo individual.

Mas, é interessante constatar que foi nesse contexto de hospital que tornou possível à prática médica ir adquirindo novas dimensões como tantas que conhecemos e hoje e as contemplamos num avança social, onde o hospital funciona como uma casa de tratamento do doente-doença. Mesmo com todos os percalços contemporâneos da medicina e do sistema hospitalar, temos uma melhora significativa no tratamento e cura da doença.

2A PRÁTICA MEDICA NA MEDICINA CLASSICA

As práticas médicas nos período compreendido entre os séculos XVII e XVIII, não eram desenvolvidas em locais como conhecemos hoje como "hospitais" ou "instituições médicas". A medicina era uma prática não hospitalar, exercida sob moldes liberais e individualizados e coerente com a concepção de mundo que predominava na Idade Média - eminentemente religiosa - cujas causas das doenças eram buscadas no sobrenatural estabelecendo, portanto, uma ação predominantemente expectante (FOUCAULT, 1985, p. 102,3).

Na pratica médica, nada havia, no que consistia e lhe servia de justificação cientifica, como uma medicina propriamente hospitalar. A medicina, vista aos nossos olhos de hoje, era profundamente individualista. Isso, lógico, por parte do médico, que através de uma vasta formação, tornava-se apta para absorção de textos médicos e transcrição de receitas. Segundo Foucault, o que qualificava um médico não era a qualidade de suas experiências atravessadas e assimiladas e sim a transmissão de receitas, às vezes particular ou públicas.

Para que o médico pudesse interagir com a doença, ele necessariamente teria que descobrir qual a noção de crise de tal paciente. O médico deveria observar a doença e o doente desde seu inicio, ou seja, desde do seu inicio, de forma a assistir o momento em que a crise aparece. Nessa observação, o médico deveria observar os sinais, prever evolução, ver de que lado estaria à vitória e favorecer, na medida do possível. Nessa luta o médico acabava desempenhando um papel de prognosticador, arbitro e aliado da natureza contra a doença. Dessa forma, atingir um órgão não é necessariamente importante para definir uma doença.

Não se estabelece vínculo entre o modo como a doença se manifesta no doente e o local de origem da doença no organismo doente. A definição da doença se constrói a partir daquilo que o olhar superficial do médico pode dela ver, ou seja, a partir dos sintomas, sendo a doença independente, exterior e estranha ao local de fixação da enfermidade no organismo. A medicina que vê a doença desse modo peculiar é a medicina clássica classificatória (SOUZA, 2008, p. 12)

Conforme Foucault, esse modelo tinha como grandes vertentes a observação sistemática, ordenatória e empírica e o modo de pensar as doenças a partir dos estudos da Botânica e, posteriormente, da História Natural. Isto significava a exigência da doença ser compreendida como um fenômeno natural. Ela teria espécies, características observáveis, curso e desenvolvimento como toda planta. A doença é a natureza, mas uma natureza devida a uma ação particular do meio sobre o indivíduo. O indivíduo sadio, quando submetido a certas ações do meio, é o suporte da doença, fenômeno limite da natureza. "A água, o ar, a alimentação, o regime geral constituem o solo sobre o qual se desenvolvem em um indivíduo as diferentes espécies de doenças. De modo que a cura é, nessa perspectiva, dirigida para uma intervenção médica que se endereça, não mais à doença propriamente dita, como na medicina da crise, mas ao que a circunda: o ar, a água, a temperatura ambiental, o regime, a alimentação, etc". (FOULCAULT, 1985, p.107)

Dessa forma, é possível perceber que nada permitir o organizar de um saber hospitalar terapêutico, de modo que a medicina propriamente dita não encontrava espaço para intervir na doença e conseqüentemente na doença.

Como falamos no capítulo anterior, a sociedade disciplinar teve seu surgimento por volta do século XVIII, dando lugar ao nascimento de determinados saberes (o das chamadas ciências humanas), onde o modelo prioritário de estabelecimento da verdade era o exame; pelo exame instaurou-se igualmente, um modo de poder onde a sujeição não se fazia apenas na forma negativa da repressão, mas sobretudo, ao modo mais sutil de adestramento, da produção positiva de comportamento que definem o indivíduo (ou o que ele deve ser) segundo o padrão da "normalidade". Concomitantemente ao surgimento desses saberes e ao exercício do poder disciplinar, instalaram-se segundo MUCHAIL (1985, p.196-208), as instituições a eles articuladas (prisões, hospitais, escolas e fábricas).

4CONCLUSÃO

Fica claro que houve uma transição entre uma medicina clássica para uma medicina terapêutica. É possível notar que foi nesse contexto de hospital que a medicina e o hospital tornaram-se mais relevante, de modo que a pratica médica adquiriu novas dimensões, como tantas que conhecemos hoje e as contemplamos num avanço significativo. Temos um médico que cuida das doenças de seus pacientes e um hospital habita por um médico. Apesar de todos as deficiências, de modo geral, vemos uma medicina e um sistema hospitalar mais preocupado com uma melhor saúde social.

HOSPITAL AND MEDICAL CLASSICA OF THE SEVENTEENTH AND EIGHTEENTH – AN ANALYSIS FOUCAULTIANA

Abstract

This article aims to demonstrate the concepts of patient-disease process in Western society in the seventeenth and eighteenth centuries and their forms of insertion and intervention in the hospital. We present two main functional practices: the functional hospital and medical practice in classical medicine.

Keyword:health, disease-patient and hospital.

Referências

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 5. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985.  

SCHRAIBER, L.B. Educação médica e capitalismo: um estudo das relações educação e prática médica na ordem social capitalista. São Paulo: HUCITEC, 1989.   

SOUZA, Luis Washington.Da medicina não hospitalar ao hospital médico:Uma leitura das analises de Michel Foucault sobre a história da medicina. São Paulo. 2008. 84 p. Tese (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

MUCHAIL, S.T. O lugar das instituições na sociedade disciplinar. In: RIBEIRO, R.J. Recordar Foucault - os textos do colóquio de Foucault. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.196-208.


Autor: Osmir A. Cruz


Artigos Relacionados


Eu Jamais Entenderei

Pra Lhe Ter...

Minha Mãe Como Te Amo

Exemplo

Dor!

Soneto Ii

Método Simplex