Despedidas



Willian levantou cedo, foi até o banheiro desviando das caixas que se acumulavam por toda a sua casa. Olhou-se no espelho, a cara inchada e uma expressão nada feliz já pensando no que estava para acontecer naquele dia. Nunca havia se mudado e a sensação era estranha, ver aquelas caixas no chão dava um ar de vazio na casa que sempre fora cheia de vida. Sua cara amarrada tinha muitos motivos, um deles era por saber que nunca mais veria seus amigos da escola, eles iriam mudar de estado e as chances deles voltarem para uma visita eram muito remotas.

Lavou o rosto e começou a vestir-se para seu último dia na escola naquela cidade. Seu uniforme era a única roupa fora de alguma caixa no seu quarto, ele vestiu-se rápido e jogou seu pijama em cima da cama, colocou seu tênis e desceu a escada reparando em cada pedaço de sua casa que antes parecia irrelevante, mas que agora tinha todo um sentido para seus 12 anos de vida.

Fitou seu pai, que estava tomando café, mas não falou nada. Seu pai notou que ele estava triste, mas também não soube o que dizer. Sentou-se a mesa com seu pai e logo sua mãe veio da garagem carregando uma grande caixa, que serviria para guardar alguns utensílios da cozinha. Começaram a conversar sobre a nova casa, o pai esforçando-se para amenizar a tristeza do filho, falando sobre a mudança de cidade e detalhes sobre o novo quarto do menino. Willian tentava concordar com o pai que parecia muito animado com seu novo emprego e com a vida que ia poder proporcionar a mulher e filho.

Depois do café, Willian pegou a mochila e saiu à rua para andar seis quadras até chegar à escola. Naquela manhã ele reparou cada casa por que passou e lembrou-se de cada morador sempre tentando buscar em sua memória as coisas boas que vivera naquela rua.

Parou em frente à casa do Sr. Valter, que era conhecido por seu mau humor e por atormentar as brincadeiras das crianças perto de sua casa. Por várias ocasiões pegou as bolas que caíam em seu quintal e raramente devolvia às crianças, esperava que algum pai viesse buscá-las para poder lembrar, insistentemente, que era um senhor de idade e que precisava de um pouco de paz. Willian tinha certeza que ele adorava toda aquela badalação em frente a sua casa, e provavelmente se lembrava de quando era criança e aprontava tanto quanto eles. O menino riu por um momento e continuou andando.

Chegou em frente ao campinho de terra batida onde jogara futebol com os amigos quase todas as tardes, antes do sol se pôr por várias vezes sua mãe gritava da esquina para que Willian fosse para casa antes que ficasse escuro demais. Ele prontamente a atendia, convidava seus amigos para ir à frente de sua casa, fazer duas traves com o chinelo havaianas para jogar a famosa travinha livre. Acabava jogando pelo menos mais uma hora quase sem enxergar a bola por causa do escuro e depois entrava em casa todo suado.

Antes de tomar banho tomava um copo grande de achocolatado quase que sem respirar, no final dava um arroto e um sorriso amarelo para sua mãe, que o olhava de cara feia.

Continuou andando e pode ver a movimentação em frente a sua escola, o sinal já tinha tocado e as crianças estavam subindo as escadas que iam em direção à portaria, onde funcionada a direção. Um dia normal de aula, mas Willian não se sentia assim. Parou um pouco e sentiu um vazio dentro de si, lembrando-se de seu motivo especial para não querer mudar de cidade. Sentou-se no meio fio, tirou um caderno e apoiou-o nas suas pernas. Começou a escrever, olhando para os lados e para cima, pensando no que escreveria e que palavras usaria.

Arrancou a metade da folha que escrevera e dobrou-a várias vezes, colocou no bolso e guardou suas coisas na mochila.

Correu em direção ao portão onde a servente já passava o cadeado, gritou para que ela esperasse, entrou rápido e parou, olhando para a mulher fechando definitivamente o portão.

Subiram as escadas conversando, ela falando sobre a importância de não chegar tarde, e ele dizendo que em sua nova cidade estudaria em uma escola particular, e que odiou a idéia e estava estudando meios de convencer seu pai a colocá-lo em uma escola pública.

Foram até o refeitório onde por várias vezes Willian pegou lanche oferecido pelas serventes da cozinha, deu uma última olhada no pátio da escola e seguiu pelo corredor até chegar perto de sua sala.

A porta estava aberta, e ele começou a caminhar bem devagar, olhando em direção a porta de sua sala, dando um ângulo para poder ver quem estava presente aquele dia. Pediu licença para a professora, que fez um sinal positivo com a cabeça para que entrasse.

Seguiu até sua fila, que era a do canto direito, perto da janela. Com a cabeça baixa, colocou sua mochila em cima da carteira e sentou-se, olhando para o lado e observando cada um dos seus colegas. Lucas, seu amigo que sentava ao lado dele disse.

- A que horas você vai?

- Ainda não sei, mas meu pai falou que eu tenho que estar em casa às 11 horas.

- Mas isso é antes da aula acabar!

- Ordens dele, eu falei a mesma coisa, mas não tem jeito, é coisa da transportadora, sempre tem horários para sair e para chegar.

- E o futebol hoje? – Falou Lucas, sorrindo.

- Futebol? – ouviu-se a voz de André falando baixinho na carteira de trás – que horas?

Ricardo olhou da fila do meio, querendo fazer a mesma pergunta. Eles riram baixinho um olhando para a cara do outro e a professora fez sua famosa cara de brava, e eles logo ficaram sérios. Assim que a professora se voltou ao quadro, um olhou para o outro, e sorriram. Willian estava feliz e em seu lugar.

A professora passou no quadro as páginas do livro que seriam lidas naquela manhã e saiu da sala, foi até a biblioteca para pegar um material extra que estava sendo impresso.

Willian se levantou e saiu da sala, levando consigo o material e tirando o bilhete do bolso e colocando-o em cima da carteira de Lucas.

Não olhou para trás e seguiu em direção à saída da escola. Pulou o portão que naquele momento estava fechado e saiu à rua. Caminhou devagar até o campinho de terra batida perto da sua casa, olhando para trás algumas vezes, para ver se via alguma movimentação no portão do colégio, mas não viu.

Desceu o pequeno barranco que separava a rua do campinho e seguiu em direção ao centro do campo. Sentou-se e olhou em direção às árvores, nas quais por várias vezes se machucou tentando subir ou descer delas. Sentiu um grande aperto no peito, pegou uma pedra e começou a desenhar na terra, tentando se distrair para não chorar.

Esperou ali sentado 15 minutos, pensou em como seria sua nova escola, seus novos vizinhos e se teria amigos para jogar futebol no final da tarde. O tempo começou a fechar e Willian logo percebeu que iria chover, mesmo assim não se mexeu, ficou lá sentado olhando para as nuvens que estavam ficando cada vez mais pretas e assustadoras.

Ouviu passos na rua, e olhou rapidamente. Seus amigos vinham correndo segurando suas mochilas em mãos, alguns lançando-as lá da rua em direção ao campo, geralmente seus cadernos ficavam amassados quando faziam isso. Contou rapidamente 11 amigos, não só de sua sala, mas também de outras salas, meninos que moravam perto de sua casa e que jogavam costumeiramente com ele no final da tarde. Desceram correndo o barranco, alguns rolando e sujando totalmente seus uniformes.

Willian se levantou e virou em direção a eles, olhando aquela cena e rindo, sentindo-se feliz como nunca.

Lucas se aproximou de Willian e disse:

- Foi o que eu consegui amigo. Willian olhou para Lucas e o abraçou.

- Você vai perder hoje mané – falou Willian enquanto abraçava o amigo.

- Só se eu deixar – retrucou Lucas sorrindo. Saíram correndo para escolher os times, enquanto começavam a cair as primeiras gotas de chuva, ainda fina, mas transformando rapidamente a terra em lama.

O diretor da escola se aproximou do barranco e fitou os garotos lá embaixo, que logo olharam para ele.

Logo atrás dele vinha caminhando devagar a servente que fechou o portão logo de manhã. Ela parou ao lado do diretor. Perceberam que ela falou algo no ouvido do diretor que respirou fundo e continuou olhando os garotos.

Depois de um tempo de apreensão ele virou-se e começou a voltar para a escola. A Servente deu um sorriso e acenou para Lucas, que retribuiu. Todos os meninos olharam para Lucas.

- Não acharam que eu me esqueci da retaguarda né? Todos riram e começaram a partida, já com a chuva um pouco mais forte e com lama em todo o campo. Gritos, risadas e tombos foram mais constantes que os gols.

Ninguém estava preocupado com o resultado do jogo, só pensavam em como era bom estar com os amigos ali, naquele momento. Willian esqueceu por um momento que estava prestes a deixar tudo isso para começar uma nova vida em outra cidade.

Já passavam das onze horas da manhã, quando o pai de Willian, preocupado, pegou o carro e estava se dirigindo ao colégio para pegar o menino, a mãe foi junto para se certificar de que não atrasariam.

Ao passar pelo campo viram uma movimentação e logo reconheceram seu filho. O pai manobrou o carro e parou ao lado do campo, desceram prontos para dar uma bronca em Willian quando viram que estavam todos rindo, felizes e se abraçando a cada gol feito ou perdido.

Pararam no barranco, a chuva cada vez mais forte, nem se importaram, sentaram-se no barro, um ao lado do outro, se abraçaram e ficaram lá, vendo o filho fazer uma coisa que eles nunca deixaram o menino fazer.

Sorriram e não se importaram mais com horário ou com a mudança, esperaram a vontade de Willian parar de jogar, para que finalmente pudessem ir embora. Viram que qualquer coisa poderia esperar por aquele momento de diversão de Willian, e que não havia dinheiro que pudesse pagar por aquele momento, ficaram felizes por poder ver e ouvir aquelas risadas de Willian, risadas felizes de um menino que estava com seus amigos se divertindo como nunca.
Autor: Tiago Beims


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