Noite Urbana



Passando pelas ruas eu via, sentia o que não me parecia real. Todas aquelas luzes, aquelas pessoas desconhecidas e humanas tanto quanto eu. Perguntava-me de onde elas vinham, quais delas quase foram abortadas e permaneceram vivas por mero capricho das causalidades, quantas preenchiam seus pulmões pelo simples prazer de inflá-lo, se algum dia nossas vidas ecoariam umas nas outras.

Eu caminhava rumo ao nada, a lugar nenhum. Realmente, o deslocamento me era irrelevante e, de certa forma, sempre me é.

Hospitais e bares, igrejas e bordéis; todos ali para aliviar a pressão de ser urbano, de ser humano, de ser carne, de ser vazio. Seria bem interessante destituir de significado esses eufemizantes da existência, desnudando a noite à pura pele.

A visão, mesmo distorcida, era-me fiel ao projetar imagens, pois o mundo não passa de uma refinada distorção; cada extensão de vida parece sem assinatura, completamente impessoal e agonizante. Quanto aos demais sentidos, perderam o sentido pela sinestesia alucinante da civilização.

Bem que eu poderia ter ascendido um cigarro, anuviado a mente para distinguir melhor os contornos do meu playground esquizofrênico, mas perderia o gosto, a textura, o perfume de rosas, aquela lua de céu prata. Permaneci distante, próximo ao desdém dos que me viam não passar, não chegar, não ir.

O tempo foi rompido, não por mim ou por qualquer um em perfeito estado de inconsciência consciente, mas pelo choque caótico e frenético de acontecimentos e nada, nada e acontecimentos. Eu e a noite ríamos da desgraça do tempo, que se julga o senhor de tudo e de todos; víamos os seus pedaços aos pés da abstração, do relativo, da transmutação do estático em dinâmico e vice-versa.

Apesar da permanência dos meus passos no rumo casual e torpemente banal das esquinas, senti a ausência do meu lar e de tudo o que me impelira a sair, a ver o lado de fora pelo lado de dentro e, assim, gozar um pouco do prazer que o contraste proporciona. No caminho de volta, percebi que não estava retornando; para outra direção eu estava indo. Acredito que sou desses seres que não são regidos pelos entes convencionais de direção, se é que se pode fazer tal afirmação.

Do meu quarto, ficaram para trás os bares, as igrejas, os hospitais, os bordéis, as pessoas, as coisas; ficaram na noite, em resquícios na minha mente de pensante esclerosado. E surgiram paredes, cama, lençol, o sono, a vontade de sonho.

Uma noite assim se vive só. Em uma noite assim não há personagens além da própria consciência em monólogo constante, procurando não achar o concreto do substancial.
Autor: Júnior Lopes


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