A Vida da Outra



Já passava das 22:00 horas e o telefone ainda não havia tocado naquele triste dia de natal.
Quantos dias haviam sido assim, tristes e solitários, mas não comparáveis a este.
No mundo inteiro este dia era o mais feliz para uns e o mais triste para outros.
Dia de surpresas, encontros ou solidão.
Era grande a diferença de idade, mas ele era charmoso, elegante, inteligente e... rico.
Ela pensava
- Onde ele está agora, o que será que está fazendo? Porque até agora não se lembrou de sua promessa? Será que esqueceu de levar a bateria do celular? Será que seus filhos não o deixaram em paz um minuto o impedindo de sair para me telefonar?
Será que foi tudo uma mentira? Ele não estaria se separando? Ele está me cozinhando. Como fui acreditar em contos da carochinha? Mas, parecia tão sincero, tão carente, tão abandonado, tão... apaixonado. Tudo balela, enganação, passatempo.
Ai, dizia ela, quero sumir, desaparecer, não deixar telefone, endereço, recado.
De repente o telefone.
Tilimmmmmmmmm.
- Alô, disse esbaforida.
- Oi, meu amor, tudo bem?, disse ele do outro lado da linha.
- Quase que você não me pega em casa.
- Você ia sair?, pergunta ele.
- Só dar umas voltinhas com uns amigos. A noite está tão linda!
- É bom que você se divirta um pouco, mas não vá me botar um daquele negócio na minha cabeça heim?, disse ele.
- Quê isto bem, meu amor é só seu. Você está com ciúmes?
- Hâmmmm sim, quer dizer não, eu confio em você.
- Fofo, responde ela com voz meiga.
- Agora preciso desligar, meus filhos vem chegando.
- Nos vemos amanhã?, pergunta ele ansioso.
- Sim, sim, tiau.
Ela espera-o desligar primeiro o telefone, deita-se confortavelmente no sofá e conclui.
Ah! ele me ama, que noite maravilhosa! Vou abrir o champanhe e ver um pouco de televisão.

No dia seguinte

Sozinha ela arrisca umas linhas.
Queria conversar com você agora, mas não sei onde acha-lo;
Teria tanto o que dizer, as horas passariam tão depressa;
Eu me sentiria tão feliz!
Acho que esse vazio que está dentro de mim iria embora;
Talvez agora eu estivesse dançando com você em algum lugar;
Quem sabe voando nas nuvens;
Discutindo algum assunto importante;
Falando besteiras, rindo muito;
Quem sabe dando aquele beijo gostoso;
Retocando o batom;
Tomando um bom vinho;
Dando uma cruzada de perna;
Segurando suas mãos;
Dando aquele abraço;
Dando uma ajeitada no cabelo;
Escolhendo um prato delicioso num belo restaurante;
Depois um café expresso, um licor;
Esperando o garçom trazer a conta;
Entrando em um motel;
Relaxando em uma banheira com hidromassagem;
Terminando a noite em uma cama hiper confortável;
Acordando com um delicioso café da manhã;
Pra completar quem sabe até pegar uma praia depois;
Um banho juntos para tirar a areia;
Mas ao invés disso tudo;
Estou esperando por você, aqui sozinha;
Daqui a pouco eu vou para a geladeira.
Seu besta!

No outro dia

Ontem ele não veio, pensou ela, mas hoje por certo virá. Ele não agüenta ficar muito tempo longe de mim.
Então, ela preparou o vestido;
Tomou um banho de estrela de cinema;
Deu uma pintada no cabelo;
Passou hidratante no corpo;
Separou um conjunto de lingerie novo;
A maquilagem estava perfeita;
O batom tinha gosto de fruta;
E a hora não passava.
Quando deu a hora sempre esperada ela já estava pronta.
Quando passou da hora ela pensou.
Só 15 minutos de atraso é normal.
Mas a hora continuava passando.
Uma aflição apertava seu peito;
O tapete ficou marcado no trajeto quarto- espelho - sala.
Uma buzinada e o seu coração disparou,
Mas não era.
Será que ele não viria?
Ela não esperou até amanhã para saber.
Tirou a roupa, a maquilagem, comeu alguma coisa e foi dormir.
A tristeza que vinha de lá de dentro avisou que uma coisa não ia se realizar.
Quem sabe amanhã.
Um telefonema dando uma boa desculpa.
Só que ela amanhã não seria mais a mesma.
Estaria desiludida, fria, agressiva e escaldada.
Antes de pegar no sono fez uma promessa.
Deixa só ele me procurar novamente, vou lhe dizer umas boas.
A luz se apaga.

Dia de branco
Os dias de festa acabaram.
Ao final da tarde o telefone toca e demora em ser atendido.
- Alô, atende ela.
- Porque você demorou para atender este telefone?, diz ele como se tivesse posse sobre ela.
- Estava no banho, responde ela.
- Está se perfumando para mim?
- Claro, estou morrendo de saudades.
- Chego às 19:00, informa ele.
- Vamos jantar fora?
- Hoje estou cansado, quero ficar aí, curtir você e, além disso, é final de campeonato e minha televisão pifou, lembra-se?
- Claro meu bem.
- Faça uma coisinha gostosa para gente comer. Estou levando o vinho.
- Beijos meu amor.
A campainha toca e ele entra com olhar insinuante segurando uma garrafa de vinho e diz:
- Ligue logo a TV que já começou o jogo.
Ela traz uns aperitivos ele tira a roupa e os sapatos e fica só de cueca.
- Traga o abridor de garrafas, o que você está esperando?, diz ele ansioso por causa do primeiro gol contra.
O jogo termina. Os dois vão para o quarto. Ele adormece.
Ela pela primeira vez em sua vida acorda e o lápis entra novamente em ação.
Do outro lado da cama.
Unidos de corpo separados de pensamento,
Tão perto e tão longe,
Aonde vai o teu pensamento?
A quem ele pertence?
Deitas comigo e dormes com quem?
Se estivesses com a outra estarias pensando em mim?
A que ponto chega o amor,
A ponto de aceitar semelhante coisa, a traição,
Mesmo que seja só em pensamento, não deixa de ser uma traição.
Não é a intenção que vale?
Brigarei com ele,
Exigirei seus pensamentos,
Quem os terá roubado de mim?
Criatura perversa!
Rouba-me seus carinhos, tira-me seus pensamentos!
Nada mais me resta,
Vá ter com ela, já que comigo não estás.
É melhor solidão a sós do que a dois.
Se quiseres um dia voltar te aceito.
Desde que outro não tenha ocupado seu lugar,
vá! vá em busca do teu prazer
Só te quero inteiro.
Porque sou tua!
Já passa das 20:00 ele reclama
- Puxa, não sabe que tenho horário para chegar em casa? Porque não me acordou?
- O que foi, o que é isto em suas mãos?
- Nada, vou abrir a porta para você, diz ela.
- Te ligo, diz ele acabando de vestir o paletó.
Ela fecha a porta rapidamente e vai ler o bilhete que achou dentro do seu bolso que dizia;
Ode ao amor.
Minha mulher está um pouco esquecida.
Pode até queimar o feijão.
Mas do meu prato preferido não se esquece não.
Os seus cabelos têm fios brancos;
Mas continua linda.
Não é jovem, mas o que são alguns anos.
Quando dorme ela parece um anjo, quando levanta uma fada.
Quando sorri mostra toda a sua alma que é branca.
Quando fala mostra toda a sua bondade que encanta.
Quando a olho vejo aquela menina que conheci, toda cheia de sonhos.
Não sei se realizou todos, mas ainda faltou algum sei que irá atrás dele.
Eu sei que é feliz, porque assim ela quis.
Seus males ela espanta porque canta.
Não se lembra de suas dores só dos sabores.
Ama a vida e a família reunida.
Rezo a Deus para que me leve antes dela.
Pois ela tem as lembranças felizes, seu crochê, seus livros, uma música, seus contos.
E todas suas crenças de reencontro.
Eu só tenho o seu amor.
Não sei se poderia suportar a dor.
De ao invés da sua alegria, sua fé, seu amor, sua esperança;
Ficar somente com a sua meiga lembrança.
Feliz aniversário meu amor.
Ela senta-se no sofá para pegar fôlego.
Finalmente conclui.
O que ele procurou em mim, uma aventura?
Minha beleza, meu corpo bonito, meu tempo, não valem nada diante de um grande amor.
Que papel estou fazendo?
Idiota!
Quantos anos eu perdi?

Esta é a vida da outra!
Os dois poetas se separam e escrevem um best seller
Iride Eid Rossini
Publicado na 16ªAntologia de Contos de Autores Contemporãneos da Câmara Brasileira de Jovens Autores/abril 2006
Autor: Iride Eid Rossini


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