Educação Física No Brasil: Uma História Política



Centro Universitário UNIFMU
Curso de Educação Física
  

Educação Física no Brasil: Uma História Política.  

Marcilene Rosa Leandro
N.º 30
4º - 1424 B
 
Trabalho de Conclusão de Curso
Professores: Flávio Ascânio Antonio Lauro e
Reury Frank Bacurau
São Paulo – 2002 

Dedicatória

A todos que estudaram e estudam a História da Educação Física no Brasil com o compromisso de conhecê-la, interpretá-la, repassar para o maior número de pessoas possíveis as informações coletadas e o mais importante, perceber que é conhecendo sua história que a Educação Física será a cada dia mais útil à sociedade e à nação. 

Aos professores da UniFMU que de forma direta ou indireta contribuíram para a realização deste trabalho, em especial ao Professor Ms. Dílson Vilela que no primeiro ano da faculdade de Educação Física, me mostrou que era possível discutir temas políticos e sociais numa disciplina tão cheia de atividades práticas.  Ao Professor Ms. Sérgio Luiz de Souza Vieira, que sempre me apoiou na montagem deste trabalho, com todas as nossas divergências políticas.  

E particularmente ao Professor Milton Gehrmann Castro que com suas aulas de sociologia me mostrou toda a riqueza da Educação Física na formação da sociedade e o quanto é importante conhecer esta história para no presente e no futuro construir uma Educação Física com profissionais mais conscientes do seu papel na formação da sociedade.  Também, por toda a paciência que teve em me ouvir e discutir sobre a polêmica, mas entusiasmante Era Vargas, com sua Educação Física Militarista/Nacionalista e principalmente por acreditar no meu potencial e sempre, em todas as ocasiões me estimular e me dizer que “era possível”. 

Aos amigos do Movimento Revolucionário 8 de Outubro e da Juventude Revolucionária 8 de Outubro, por compreenderem o quanto este curso era importante para mim, principalmente por entenderem a necessidade de realizar estágios e que por muitos anos contribuíram na minha formação enquanto cidadã brasileira, sempre me esclarecendo não só sobre as questões político-partidárias, mas principalmente sobre a vida e como viver plenamente e ser feliz, mostrando sempre o caminho certo a seguir, sem perder a ternura jamais. 

Agradecimentos

Aos meus pais Indalécio e Edinalva primeiro por terem me trazido ao mundo, segundo por terem tido a paciência de me educar e terceiro por terem me incentivado sempre, fazendo tudo o que podiam para que este nosso sonho se tornasse realidade.  Qualquer agradecimento é modesto demais para demonstrar o quanto eu os amo e o quanto eles são importantes na minha vida. 

À minha irmã Marcilei e meu cunhado Ulisses, que também tiveram uma participação muito especial neste trabalho, sempre prontos a ouvir e a ajudar no que eu precisasse, mesmo não entendendo porque alguém vai fazer Educação Física e não discute como todo mundo músculos, fibras e articulações. 

Ao meu sobrinho Gustavo, simplesmente por ser o sobrinho mais lindo e maravilhoso do mundo. 

Ao meu grande amor César, que pacientemente esperou, ouviu, falou, concordou, discordou, enfim, a todo o momento participou não só deste trabalho mas da minha vida, e que com seu jeito todo especial, acabou mudando o rumo dela. 

Aos professores que me ajudaram direta ou indiretamente na confecção deste trabalho, particularmente ao Professor Milton Gehrmann Castro por tudo, tudo mesmo. 

As minhas amigas e amigos de faculdade que pacientemente ouviam meus discursos calorosos sobre a História da Educação Física, completamente entusiasmada, mesmo quando não compreendiam absolutamente nada do que eu estava relatando, principalmente as amigas Flávia, Lenker e Ivana que me incentivaram sempre, percebendo o quanto este trabalho é importante para mim. 

Às amigas Cristiane Fonseca e Daiane Santos por saberem exatamente o significado da palavra amizade e serem verdadeiramente minhas amigas.

A todos que de alguma forma colaboraram com a confecção deste trabalho, que eu espero seja muito útil para todos os profissionais não só da área de Educação Física, mas para todos aqueles que contribuem com a formação do cidadão. 
 
Resumo

Conhecer e compreender bem todo o processo de introdução e implementação da Educação Física no Brasil é muito importante para os alunos deste Curso, pois assim, podemos refletir sobre a nossa atuação no presente.

O objetivo deste trabalho é conhecer o processo de introdução da Educação Física no Brasil, qual foi a real influência dos militares nesta implementação, particularmente nos dois Governos de Getúlio Vargas, analisando seus aspectos positivos e negativos sem perder de vista as características do momento histórico e político que o país atravessava, pensando na possibilidade de adaptar à nossa realidade alguns procedimentos adotados no período, que tiveram resultado positivo.

Desde seu surgimento no Brasil, por volta de 1.800 até o final do Estado Novo em 1954 a Educação Física sempre esteve ligada às questões políticas, econômicas e sociais e a presença dos militares foi muito importante não só para a implantação efetiva da Educação Física como disciplina escolar tratando da formação acadêmica dos professores, como também um forte instrumento para criar na juventude um espírito nacionalista.

Através da Revisão da Literatura, foi possível perceber quanto os militares contribuíram com a implantação e disseminação da Educação Física no Brasil, e é de grande importância não só para os futuros educadores como para toda a sociedade conhecer todo este investimento feito em benefício da Educação Física e quanto de clareza eles tiveram no que diz respeito ao bem estar físico, à saúde e a conscientização do povo na construção, desenvolvimento e defesa do país, visando um futuro melhor.

1  Introdução

Falar sobre a introdução da Educação Física no Brasil é um longo passeio pela história política do país, principalmente durante a Era Vargas e conseqüentemente o Estado Novo, período em que houve grandes mudanças na Educação Brasileira.  Além disso, é necessário que os estudantes de Educação Física conheçam e percebam todos os avanços, e em alguns momentos, retrocessos que ocorreram na Educação Física brasileira desde seu surgimento.  É também, um meio de refletir sobre suas teorias e práticas elaboradas no passado buscando experiências positivas, objetivando encontrar uma forma de adaptá-las à nossa realidade.

É abordado aqui, o processo de introdução da Educação Física no Brasil desde seu descobrimento e a contribuição dada pelos militares para seu desenvolvimento e crescimento, os principais acontecimentos políticos, econômicos e sociais da época em questão que tiveram relação direta e indireta com a Educação Física e também a sua interferência nestas questões.  Os métodos adotados, a Reforma Francisco Campos e Capanema, a Associação Brasileira de Educação, o Movimento dos Pioneiros da Educação, a Escola Nova, as Constituições de 1934 e 1937 a relação entre o ensino profissionalizante e a Educação Física e as mudanças ocorridas com o fim do Estado Novo e com o fim do Governo de Getulio Vargas em 1954.

Todo o texto mantém o cuidado de tentar compreender e interpretar esta história, levando sempre em consideração o momento político, econômico e social que o país vivia, já que depois da Proclamação da República o país passou por momentos bastante conturbados, levando-se em conta também as questões internacionais de grande influência não só na política brasileira, mas em todo o mundo.  Particularmente a Era Vargas e o Estado Novo são sem dúvida nenhuma um momento riquíssimo da história do Brasil e também da história da Educação Física.

Conforme comenta Moacir Gadotti na introdução de um dos livros escritos por FREIRE (1981) citado por MEDINA (1990) “... a Educação é sempre um ato político.  Mesmo aqueles que tentam argumentar o contrário afirmando que o educador não pode “fazer política”, estão defendendo uma certa política, a política da despolitização...”.

2. Objetivos

    1. Objetivo Geral

 
 
 

Conhecer o processo de introdução da Educação Física no Brasil e particularmente a influência dos militares durante as décadas de 30, 40 e 50, sua evolução ou retrocesso nesse período levando em consideração o momento político social e econômico tanto nacional como internacional da época.  

    1. Objetivo Específico

Identificar por intermédio dos fatos ocorridos como a Educação Física pode ser utilizada tanto como instrumento de manipulação e alienação, como instrumento de conscientização e transformação de toda uma sociedade, revelando os valores implícitos ou explícitos na prática dessas atividades e suas conseqüências futuras.

Deixar para os futuros profissionais de Educação Física as informações mais relevantes deste período da história fundamental para o desenvolvimento da Educação Física e de toda a sociedade brasileira. 

3. Metodologia

A metodologia utilizada para a confecção deste trabalho de conclusão de curso é a revisão da literatura, mapeando o caminho percorrido pela Educação Física.  Para sua execução foram utilizados livros, artigos científicos e informações coletadas em sites da internet. 
 
4. Revisão da Literatura

    1. Histórico do Surgimento da Educação Física

A história da Educação Física começa com os chineses, hindus, egípcios, persas e mesopotâmicos e com os gregos e romanos assume maior precisão em face de um conhecimento melhor das condições de sua civilização.  A Idade Média é o período de obscuridade da Educação Física que ressurge com o movimento conhecido sob a denominação de Renascença.  Os períodos moderno e contemporâneo são os mais ricos em informação e constituem muito razoavelmente o de maior interesse para nosso estudo.

 Marchar, trepar, correr, saltar, lançar, atacar e defender, levantar e transportar são movimentos desenvolvidos pelos homens pré-históricos.  Possuíam grande resistência nas longas caminhadas e marchas, velocidade nas corridas, precisão nos arremessos e força nos braços e pernas, o que lhes garantiam extraordinário desenvolvimento muscular.  As horas de ócio destes homens foram preenchidas de acordo com as necessidades de sobrevivência.

 Mais ou menos 3 mil anos a.C. os chineses desenvolveram a caça, a luta, o arco e a flecha, a esgrima de sabre, danças e um jogo de bola.  Datam também deste período os exercícios físicos com finalidades higiênicas e terapêuticas, o Cong Fou que designa o homem que trabalha com arte, o Ginasta.

 Entre 1122 e 255 a. C. as atividades físicas e as práticas desportivas ganham grande popularidade, como a luta, o tiro ao arco, a equitação e a dança das espadas, introduzida tanto nas escolas como no exército.

 Os hindus também realizavam exercícios corporais e as práticas higiênicas, as atividades físicas mais populares realizadas na índia eram as corridas, equitação, caça, natação e box.  As atividades físicas praticadas pelos japoneses eram a natação, equitação, esgrima, ginástica médica e as manobras de massoterapia, as duas últimas como prova da forte influência que os chineses e hindus exerciam sobre os japoneses.

 No período feudal, a ginástica se populariza, caracterizada por exercícios sem aparelhos, de flexibilização, destreza e exercícios realizados com um grosso bambu de 2 metros.  Além destes, a marcha, a corrida, o salto e os exercícios de equilíbrio encontraram grande aceitação assim como o Jiu-Jitsú que se tornou um sistema nacional de cultura física.

 Entre os povos do Oriente, podemos citar os egípcios que realizavam exercícios gímnicos e acrobáticos, arco e flecha, corrida, salto, arremessos, equitação, esgrima, luta, box, natação, remo, corridas de carro e dança.

 Os assírios e caldeus eram extremamente cruéis, cultivavam a força física, a destreza e a resistência.  Realizavam longas marchas, rápidas corridas, manejavam o arco e flecha, arremesso de lanças, lutas, equitação, natação e canoagem.

 Os hebreus usavam armas e lutavam, utilizavam arco e flecha, lanças e espadas.  Os medas e persas ensinavam as crianças a montar a cavalo, atirar com arco e flecha e a arremessar com o dardo.  Já os fenícios primavam pela prática da natação, o manejo do arco e flecha, o arremesso de lanças, caça e a luta.  Os cretences eram apaixonados pelos exercícios de força, velocidade, corrida à pé, box e touradas.

 Na Grécia Antiga o Plano educacional elaborado por Platão, precursor da Eugenia, estabelecia que os jovens praticariam a ginástica entre 6 e 17 anos de idade.  Entre os 17 e 20 anos eram submetidos aos exercícios militares.  Aristóteles segue a mesma linha de raciocínio de Platão, defendendo a formação do corpo antes do espírito devendo então os jovens praticarem a ginástica e a pedrotríbica que se limitavam aos exercícios mecânicos, portanto o ginasta poderia ser considerado um teórico enquanto que pedrotriba, um prático.  Neste período os jogos eram importantíssimos na vida do povo grego e realizados em todas as cidades tendo como centros:Olímpia, Deltos, Neméia e o Istmo de Corinto. 

 No caso dos Jogos Olímpicos que duravam 7 dias DURANT (1943) citado por MARINHO (1971):

 Somente os cidadãos gregos por nascimento podiam participar dos Jogos Olímpicos.  Os atletas eram selecionados mediante concursos eliminatórios que se celebravam nas localidades e na cidade, depois que eram submetidos a dez meses de treinamento rigoroso sob a direção do paidotribai e gymnastai...”

 Não há uma data certa sobre a realização dos primeiros Jogos Olímpicos organizados pelo povo grego, que podem ter ocorrido em 1.300 a.C. ou 1.479 a.C. Já as primeiras Olimpíadas foram realizadas em 776 a.C.

 Segundo MARINHO (1971) outro povo de bastante destaque foram os Romanos.  Sua história pode ser dividida em organização monárquica, vigência, republicana e constituição do império.  Os romanos praticavam exercícios físicos pela realização de jogos e pequenas tarefas agrícolas e militares.  A ginástica foi muito combatida pelos romanos que achavam imoral e repulsiva a nudez dos ginastas e atletas. 

 Enquanto os gregos tinham uma preocupação estética com a prática de atividades físicas, os romanos tinham finalidades apenas militares.  Assim como os gregos os romanos também realizavam grandes jogos denominados circenses.  A princípio as corridas de cavalos eram as mais célebres, cedendo com o tempo lugar para os combates de gladiadores.  Os jovens adestravam-se diariamente com exercícios militares que compreendiam: marchas ligeiras ou de resistência carregados com armas e víveres, corridas, saltos, exercícios de natação e remo e um jogo com bola chamado de esferomaquia, muito parecido com o futebol.

 O circo foi algo similar ao hipódromo grego.  Nele se praticavam as corridas de velocidade e resistência, lutas e se exibiam os desultórios.  Destes espetáculos onde se exibiam a destreza, vigor físico e habilidade nos combates eqüestres originou-se as lutas dos gladiadores, entre si ou com feras, que culminaram no período da decadência do Império Romano.  Os estádios abrigavam as competições e lutas atléticas, estas introduzidas em Roma no ano de 186 a.C.

 Para MARINHO (1971):  “Assim como os gregos, Nero estabeleceu uma festa na qual se desenvolviam concursos de ginástica, canto, música, poesia e eloqüência...” Os Jogos Capitolinos parecidos com os Jogos Olímpicos eram realizados de 4 em 4 anos com competições e exercícios ginásticos, atléticos, eqüestres e musicais.  Este grande império tem sua decadência com a invasão de hordas de bárbaros que saquearam Roma.

 Durante a Idade Média a Educação Física se torna inexpressiva por conta do Cristianismo que pregava a conquista de uma vida celestial.  Com as cruzadas organizadas pela igreja nos séculos XI, XII e XIII a preparação militar era feito pelo adestramento dos cavaleiros, a esgrima, o manejo do arco e flecha e as marchas e corridas a pé.

 Se na Idade Média, a educação era excessivamente rígida e repressora com relação ao corpo, o Renascimento concede devida atenção à higiene e aos exercícios físicos, com a prática da ginástica, jogos, esgrima, natação, equitação, corrida, lutas, longas marchas, exercícios de resistência ao frio e ao calor, harmonizando como faziam os gregos o corpo com o espírito. 

    1. Histórico da Introdução da Educação Física no Brasil

A história da Educação Física no Brasil é muito rica, principalmente por estar intimamente ligada à política educacional adotada por cada governo, criando assim, de acordo com o período político um tipo de educação física.  Em seu processo de introdução a Educação Física contou com a contribuição de vários setores diferenciados da sociedade como os colonos, imigrantes, militares, isto em diferentes momentos e partes do país, com o objetivo de proporcionar o lazer, a formação corporal, e a disciplina, utilizando jogos, exercícios físicos, recreações e competições.  A intenção não é aqui transformar as informações obtidas através da revisão de literatura feitas uma verdade absoluta sobre esta história.  É importante observar todo o contexto político, econômico e social que atua diretamente na definição dos rumos da Educação Física, o objetivo aqui é, respeitando a opinião de cada autor citado tentar compreender e interpretar os fatos.

 Segundo ROMANELLI (1978) citada por GONÇALVES e YAMAMOTO (2002)

“A organização da educação em determinada sociedade é, antes de tudo, um problema de ordem política.  Essa afirmação decorre do fato de que a organização se faz através da legislação, e esta, votada pelo legislativo, ou apenas decretada pelo executivo, dependendo sempre do poder real de quem a vota ou decreta e da representação própria desse poder e emana das camadas sociais existentes”.

Outra questão relevante é como o corpo é visto, trabalhado, utilizado pelo governo no sentido de disciplinar ou transformar a sociedade, através da prática diária da atividade física.  Segundo afirmação de BRUEL (1990) citada por BASTOS (2002):

“Não é apenas o corpo que entra em ação pelo fenômeno do movimento, é o homem todo que age, que se movimenta...A Educação Física não deve prender-se na compreensão restrita do movimento, mas entender o seu significado na relação dinâmica entre o ser humano e o meio ambiente... Há uma extrema coerência entre o que somos, pensamos, acreditamos ou sentimos, e aquilo que expressamos através de pequenos gestos, atitudes, posturas ou movimentos mais amplos”.

Para iniciar este histórico, é necessário retroceder ao Descobrimento do Brasil em 1500, mais precisamente em 1549 quando do desembarque da frota de Tomé de Souza, Padre Manoel da Nóbrega e outros jesuítas na baía de Todos os Santos. Os índios brasileiros que habitavam o Brasil no século XVI se entregavam de forma natural à prática de atividades físicas, não com a consciência dos seus benefícios para a saúde ou higiene, mas sim, por mera questão de sobrevivência.  Caçavam, pescavam, lutavam, utilizavam arco e flecha, tacape, canoas, nadavam, mergulhavam, corriam e algumas tribos faziam uso dos cavalos, todas estas atividades com muita destreza.  Tinham a consciência que na luta pela existência era preciso ser forte para garantir a sobrevivência. 

Fazia parte destas atividades também a dança, não só aqui no Brasil com os índios, mas em toda a sociedade primitiva.  Era através das danças, parte essencial da vida dos povos, que estas sociedades cultuavam seus deuses, faziam orações, pedidos e agradeciam por benefícios recebidos.  Historicamente, a dança é uma satisfação primária, como o alimento quando estamos com fome, o movimento é necessário para o nosso organismo. Segundo Ted Shawn citado por MARINHO (1971)

“Dançamos porque o homem primitivo dançou e o homem primitivo dançou porque seus antepassados, os animais também dançaram e porque acredita que a dança possa assegurar-lhe sucesso nesses acontecimentos tão necessários para ele, assim como a caça; e finalmente, encontramos isso em todas as grandes religiões do mundo, onde a dança é o melhor meio de expressão.”

 Com a vinda dos jesuítas e a fundação de seus colégios os índios que estavam sendo catequizados faziam aulas de manhã e tinham a tarde toda para dar vazão aos seus instintos.

 No século XVI, os negros bantus, gegês, negros nagôs, negros haussas trazidos para o Brasil pelos portugueses em número considerável procedentes de Angola, Congo, Benguela, Cabinda, Mossâmedes, África Ocidental, Moçambique e da  Quelimânia para trabalharem nas lavouras de cana-de-açucar, nas minas, aos encargos domésticos dos senhores brancos se fixaram no Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco e criaram nas senzalas a capoeira, uma rixa ardilosa muito criativa e ritmada.  Estes movimentos criados pelos negros serviam para sua auto defesa em relação aos capatazes. 

 Os escravos que conseguiam escapar das senzalas se refugiavam nos Quilombos onde desenvolveram a capoeira sem a utilização da música.  Quando eram recapturados ensinavam aos negros que ainda estavam na senzala os golpes aprendidos.  Para mascará-la os escravos inseriram a música, oriunda da África para dar a impressão aos senhores de engenho que estavam praticando uma espécie de dança e não uma luta.  Em 1891 a capoeira foi proibida tendo sua prática liberada apenas em 1945 por um Decreto Lei do então Presidente Getúlio Vargas. 

 4.3. A Educação Física no Brasil Império

Chega-se ao Brasil Império e começam a aparecer os primeiros documentos escritos tratando da Educação Física, enfocando principalmente os conceitos de higiene.  D. Pedro II, defensor dos exercícios físicos, presidiu diversas conferências na então Escola Normal defendendo o tema.  Nesta época a educação era dividida em educação intelectual, moral e física.  A Educação Física deste período tem como principal preocupação a melhoria da saúde e da higiene da população, com marcante presença de doutrinas naturalistas, nacionalistas e militares.  Conforme citação de NISKIER (1996) “...a medicina mereceu por parte de D. João grande atenção, criando em 1808 na cidade de Salvador o Colégio Médico-Cirúrgico da Bahia, instalado no Hospital Militar...”

 O caminho da Educação Física é definido, seu espaço delineado e seu campo de conhecimento delimitado, ela então se torna um instrumento de ação e de intervenção bastante valioso na realidade educacional e social.  A Educação Física surge como um sinônimo da saúde física e mental, é eleita a promotora da saúde, regeneradora da raça, das virtudes e da moral.  Os médicos higienistas brasileiros contribuíram em muito para a construção de uma nova política econômica e social, já que o Brasil carecia de um “novo homem”.

 Depois que o Governo Real se transferiu da Bahia para o Rio de Janeiro, o ensino militar passou a receber maior atenção.  Em 1808, D. João VI cria a Academia da Marinha e 04 de dezembro de 1810, a Academia Real Militar da Corte responsável pela formação do oficialato do Exército Brasileiro e onde deveriam ser ministrados os seguintes cursos: Ciências Matemáticas, Ciência das Observações, Física, Química, Mineralogia, Metalúrgica, História Natural e das Ciências Militares.  A Escola passou por várias reformas e modificações e se chamou também Academia Real Militar, Academia Militar da Corte, Escola Militar, Escola Central e Escola Politécnica.

 Em 1821 Dom João VI retorna à Portugal deixando D. Pedro como Príncipe Regente.  Em 1822 D. Pedro declara a Independência do Brasil e se torna o primeiro Imperador do Brasil com o título de D. Pedro I.

 A primeira manifestação de caráter oficial da Educação Física no Brasil foi anotada em 04 de Junho de 1823.  Era uma proposta da Comissão de Instrução Pública apresentada pelo Deputado pela província de Minas Gerais o Padre Belchior Pinheiro de Oliveira à Assembléia Geral Constituinte.  Como a matéria foi considerada urgente, se transformou em Projeto de Lei, recebeu várias emendas, mas não retornou ao plenário.   Em 1828, Joaquim Jerônimo Serpa que compreendia por educação a saúde do corpo e a cultura do espírito lança em Pernambuco a primeira obra especializada em educação física publicada no Brasil, com o título de “Tratado de Educação Física e Moral dos Meninos” tinha como base noções de higiene e puericultura.  Outras obras escritas e lançadas em Portugal foram enviadas ao Brasil como o “Tratado de Educação Física e Moral” de Luiz Carlos Munis Barreto, “Tratado de Educação Física dos Meninos” de Francisco Melo Franco e “Tratado de Educação Física” de Francisco José de Almeida.

 Antes disso algumas publicações sobre Educação Física foram lançadas em Portugal e trazidas para o Brasil conforme citação de SOEIRO (2003)

 “...Tratado de Educação Física e Moral” de Luiz Carlos Muniz Barreto, publicada em 1787; “Tratado de Educação Física dos Meninos” para uso da nação portuguesa, com 12 capitulos, de Francisco Melo Franco, em 1890, “Tratado de Educação Física” de Francisco José de Almeida, em 1891...”.

 Em 25 de março de 1824 foi aprovada a Carta Constitucional contemplando a questão do ensino pelo Art 179, nos parágrafos XXXII: “A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos” e XXXIII: “A Constituição garante colégios e universidades, onde serão ensinados os elementos das ciências, belas letras e artes”, segundo citação de NISKIER (1996).

 A Lei Geral de 15 de outubro de 1827 institui o ensino primário para o sexo feminino e a primeira escola normal construída no Brasil aparece em 1830 em Niterói, nos anos seguintes outras escolas seguem este exemplo como a Bahia, o Pará, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso, e Goiás.  Em 1831 D. Pedro I abdica em favor de seu filho D. Pedro II, na época com apenas 8 anos de idade, que só se torna Imperador do Brasil em 1840 quando completou 14 anos de idade.

 Ainda em 1832, o deputado Martim Francisco Ribeiro de Andrada, defende na comissão de definição da Assembléia Constituinte um projeto sobre educação da sociedade que recebeu emenda de José Mariano de Albuquerque Cavalcante sugerindo uma premiação para quem apresentasse um plano de Educação física, moral e intelectual (SOEIRO 2003).   Segundo AZEVEDO (1996) neste mesmo ano

 a Academia da Marinha e a Academia RealMilitar se fundem numa só instituição de engenharia militar, naval e civil com os seguintescursos: A) curso de matemática, de 4 anos; b)curso militar, de 2 anos; c) curso de pontes ecalçadas, de 2 anos; e d) curso de construçãonaval, de 2 anos.  Dessa instituição, por sucessivos desmembramentos, é que se destacam,em 1833, em 1858 e em 1874, para constituíremescolas superiores autônomas, três grandesescolas: A Escola Militar, a Escola Naval e aEscola de Engenharia do Rio de Janeiro.  Em1833, revoga-se o regulamento de 1832 e desliga-se a Academia Naval da Academia Militar que se mantém com 2 cursos até 1839,quando passa a denominar-se Escola Militar comuma nova organização.”

 Em 1837 o Deputado baiano Antonio Ferreira França apresentou à Câmara um Projeto em favor da cultura e da instrução onde indicava a inserção da “ginástica e defesa do corpo” entre outras cadeiras no programa das escolas de primeiras letras. 

 Em 1845 o Dr Manoel Pereira da Silva Ubatuba apresenta à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro o trabalho “Algumas considerações sobre a Educação Física” demonstrando a necessidade e a importância do moral sobre o físico e vice-versa.  Em 1846 Joaquim Pedro de Melo defende a tese “Generalidades acerca da Educação Física dos meninos”.  Mas a atividade física somente passa a fazer efetivamente parte dos programas escolares da Corte em 1851 por obra do ex-deputado e então Ministro do Império, Luiz Pedreira do Couto Ferraz com a chamada Reforma Couto Ferraz.  Sua regulamentação foi expedida três anos depois e entre as matérias a serem obrigatoriamente ministradas estavam a ginástica no primário e a dança no secundário, mas somente nas escolas da corte.

 O Ato Adicional da Reforma Educacional dizia que tanto a educação primária como a secundária ficariam a cargo das províncias e o ensino superior a cargo da administração nacional, portanto cada Província, hoje Estado, adotavam as disciplinas que melhor se adaptavam às necessidades do período.  Neste sentido em 1852, Toureiro Aranha, Presidente da Província do Amazonas determina que em seu programa escolar constará a Educação Física, que seria ministrada também, para o grupo feminino, respeitando suas peculiaridades.  O Inspetor Geral da Instrução Pública do Município da Corte fazendo uma viagem pelo país, demonstra sua preocupação com a continuidade da prática da ginástica na escola secundária, principalmente pela falta de estrutura das escolas.

 Em 1854 a ginástica passa também a fazer parte do programa da escola secundária, realizada no Colégio Pedro II, localizado no Rio de Janeiro, criado em 1739 com o nome de Colégio dos Órfãos de São Pedro.  Somente em 1837 por iniciativa do Secretário e Ministro do Império, Bernardo Pereira de Vasconcelos e por ocasião da comemoração dos 12 anos do Imperador é que o Colégio dos Órfãos passa a se chamar Colégio Pedro II.

 Em 1860 foi introduzida no Brasil a Ginástica Alemã na Escola Militar, antiga Academia Real Militar da Corte, segundo citação de MELO (2000) “... influenciada principalmente pelo grande número de migrantes alemães que no Brasil continuavam com seus hábitos gímnicos e fundamentalmente da Guarda Imperial, na força militar brasileira que possuía raízes austríacas devido a influência de nossa imperatriz..”

 A Ginástica Alemão utilizava a ginástica aérea de aparelhos, a barra fixa, a barra paralela, o trapézio e as argolas.  Isto ocorre particularmente a partir de Friederich Ludwig Jahn que entendia que a prática da ginástica deveria ter características militares com o objetivo de manter o povo forte e saudável, afirmando espírito cívico e patriótico.  Reforçando esta influência temos como instrutor de Ginástica na Escola Militar o alemão Pedro Guilhermino Meyer, alferes do estado maior da 2ª classe.

 A inserção das atividades físicas no Colégio Pedro II ocorre seguindo o exemplo dos colégios europeus que já utilizavam o discurso dos médicos para justificar a presença dos exercícios ginásticos nas instituições escolares.  As aulas eram realizadas em seis dias da semana por 1 hora.  O primeiro mestre de “gymnástica” deste colégio foi o Militar, ex-Capitão do Exército Imperial Guilherme Luiz de Taube.  Já no final do século XIX começam a surgir as resistências quanto à utilização deste método na sociedade brasileira iniciada pelo Dr. Eduardo Augusto Pereira de Abreu.

 Em 1870 a ginástica passou a ser matéria obrigatória em todas as escolas, mesmo tendo sido recebida com muita resistência principalmente no que dizia respeito à sua prática pelas meninas.  Em 1876 são criadas no Município da Corte duas Escolas Normais, uma para cada sexo.  O objetivo destas escolas era a preparação de professores para a instrução primária, tendo o curso três anos de duração.

 No primeiro ano a ginástica era composta de exercícios graduados sem instrumentos, no segundo ano com instrumentos e também princípios gerais de Educação física, intelectual, moral, religiosa e cívica.  Já em 1880 as escolas possuíam exercícios disciplinares, movimentos parciais, exercícios ginásticos, equilíbrios, exercícios pírricos, marchas, corridas e saltos.

 Mais uma prova da forte presença dos militares no meio civil é a nomeação do Capitão Ataliba M. Fernandes como professor de Ginástica na Escola Normal em 1881.

 Segundo citação de SOEIRO (2003)

 “... Pelo decreto n.º 330, de 12 de abril de 1890, fica determinado que nas Escolas Militares da capital federal e do Rio Grande do Sul haveria uma sala d’armas, campo de exercícios e linha de tiro, picadeiro, barca e demais aparelhos necessários aos ensino da natação, trem de pontes, ferramentas e utensílios para os trabalhos de guerra.

 Em 1886, Pedro Manoel Borges publica um “Manual Teórico-Prático de Ginástica Escolar” destinado às escolas públicas, colégios, liceus, escolas normais e municipais.  Segundo MARINHO (1971), Pedro Manoel Borges

 “... demonstra a necessidade da Educação Física desde o berço e a sua importância para o indivíduo, transcreve uma série de preceitos higiênicos a serem observados na sessões, muitos dos quais ainda tem aplicação hoje.  Cogita das noções anatômicas e antropométricas que devem ser ensinadas aos alunos, a partir dos dez anos.”
Autor: Marcilene Moura


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