A Existência Humana: Amor e Criatividade



"O correr da vida embrulha tudo,
a vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta
O que ela quer da gente é coragem".
(Guimarães Rosa em Roseana)

Como pensar o existir humano, com suas vicissitudes inquietantes, em seu atributo principal que se resume numa infinita diversidade? E como pensar o amor, esse misterioso e típico fenômeno humano, no interior da complexidade do viver?

Essa emoção enigmática e potente, que é o amor, desperta no homem um instantâneo fascínio, quase surreal. Um conceito (quase) mítico contado e cantado em imagens, versos e poemas. É sempre muito evocado, através dos séculos, nas mais criativas e diferentes formas. Registros singulares e marcas de encontros e separações o acompanham.

O amor permeia cada ato e cada pensamento do ser e de ser. Amar é ser, estar intimamente ligado ao outro, que em dados instantes, ambos embaraçam-se em sonhos, desejos, realidades e fantasias. A criação de um mundo paralelo é dada, e é aqui, neste momento, que o homem pode diferenciar-se dos demais animais, através da capacidade de amar e criar.

Uma das peças chave para a criação (criatividade) é o amor, que toma conta, que absorve, que contamina e faz com que sentimentos, desejos e inconstâncias pessoais possam aflorar, sem mesmo que a própria pessoa possa controlar ou impedir.

A arte seja ela visual ou literária, constitui num dos atos de poder de transformar uma realidade psíquica em narrativas capazes de explicitar a realidade externa e interna de uma pessoa, revelar aquele que está sob a máscara da adequação, numa dimensão com alcance universal. É a criação dando vazão aos verdadeiros sentimentos e até em alguns momentos, mostrando-os de forma reveladora!

Já a experiência com o amor, mediante o processo de crescimento, somente transforma a realidade psíquica com a aquisição de capacidades elaborativas. Aquele deve ser fazer parte dele, e o que fica explicito de emoções e sentimentos, só poderá ser vivido, compreendido e tocado pela própria pessoa. Também é a arte do belo no processo de viver o amor. Resulta num movimento que inscreve uma memória poderosa que volta sempre, como a exigir um tributo e homenagens, e quase sempre um estimulante convite a vive-lo.

O Amor tem uma relação íntima com a complexidade do existir humano. O enunciado de um discurso amoroso não corresponde nunca a uma linguagem direta e simples. A linguagem amorosa é um jogo de metáforas que resulta da intricada arte de viver. A aparência nunca responde pela essência de seu conteúdo subjetivo. O argumento de uma história, em seus ganhos e perdas, é um retrato interior que cria vida no destino particular que alcança a experiência amorosa. É singular e único como uma impressão digital.

A marca da singularidade de uma história Individual abre o espaço para versões surpreendentes, na luta para enfrentar as incertezas e os desamparos da tristeza, do luto nas perdas, da ameaça nas doenças e o medo da morte. O resultado é uma versão inédita, que implica na capacidade de viabilizar transformações e de desafiar alguns limites. Infinitas soluções elaboradas arduamente na direção de alcançar o prazer, a alegria e felicidade, sempre apoiadas nas possibilidades do amor. A criatividade de cada sujeito vai corresponder a um enfrentamento das tensões, conflitos e prazeres nas vicissitudes da experiência amorosa.

O viver humano esconde então a simplicidade da verdade numa múltipla diversidade. Esta nasce de uma raiz complexa: da força de um Inconsciente, que tem uma intima relação em seu berço de sexualidade com o amor, com o narcisismo e com um Édipo.

No mito de Eros e Psique, por exemplo, a angustiosa advertência, anuncia que o amor desaparece. A inquieta curiosidade moveu Psique para olhar seu rosto, quebrou assim a proibição que estabelecia como única condição não ser visto. O preço deste atrevimento é a separação, ou seja, pode-se perder de vista o amor .

Em Eros e Psique está anunciado o entusiasmo e a separação, e se expressa um movimento comum na condição de olhar para ver. Está presente neste mito uma interrogação sobre a imagem capaz de figurar o amor, e também está anunciada a idéia de que uma imagem do amor perturba a capacidade de amar.

“Qual será a cara do amor? E porque razão a condição é estar Oculto? Porque não ser visto, (mirado) olhado, admirado, pois se pode até ser amado? Será porque vive no inconsciente e nasceu na cegueira do narcisismo e da travessia um campo edípico?”

A capacidade de sentir amor, e de amar enfrenta uma encruzilhada existencial quando nasce de uma vivencia de completude que na verdade nunca é plena. Mas justamente desta incompletude vive o amor, o desejo, o prazer, e também o desprazer. A capacidade de amar é então um paradoxo Humano essencial já que se organiza com a origem do amor. A marca desta contradição de origem irradia-se na sexualidade, que é o campo do desejo, do prazer e do amor.

Quando o ser humano atua patologicamente, em geral vive cometendo os mesmos erros, adiando mudanças importantes. Quando se repete, iguala-se aos animais irracionais, como se não tivesse a visão do global. Quando adia, assemelha-se aos seres inanimados, como se não tivesse sequer força para agir. Quando cria, e ama, digamos que pode assemelhar-se a algum tipo de divindade ou deus. Realiza o ato transformador e põe em ação sua capacidade de realização pessoal.

Com criatividade, pode-se encontrar soluções para os problemas do amor. Usar a criatividade no amor é embelezar uma festa que já está linda, é transformar em fogueira cinzas quase apagadas.



Bibliografia consultada:

VIEGAS, Sônia. Amor e Criatividade. Belo Horizonte, Mar. 1994.

NIETZSCHE, Friedrich. Assim Falou Zaratustra. Tradução Alex Marins. Editora São Paulo: Martin Claret, 2005.

ROGERS, Carl. Tornar-se Pessoa. Tradução Manuel Jose do Carmo Ferreira e Alvamar Lamparelli. São Paulo: Martins Fontes, 1995
Autor: Emanuelle Coelho


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