DO AMOR, DO LUTO: UM PARADIGMA, UMA VIVÊNCIA



“De tudo ficaram três coisas: a certeza de estar sempre começando; a certeza de que era preciso continuar; a certeza de que tudo poderia ser interrompido...”

(Fernando Sabino)

Falando em luto e luta, sobrevivência e vida, remete-me a uma velha tradição do vestir-se em luto. O que traz o texto a seguir é uma idéia da importância da morte ma vida de cada ser humano, quer seja ela ignorada, escondida, despercebida ou presente e vivida.


Em muitos lugares já quase não se vê ninguém de luto. Não é já tão freqüente vermos pessoas usando, de cima a baixo, aquelas roupas muito negras.

Possivelmente, esse antigo costume - tal como muitas outras coisas - tende a desaparecer. E posso dizer que, do ponto de vista estético, me alegro com o fato. O negro fere os olhos e entristece a alma. É preferível o sol, as flores, sorrisos.

No entanto, não recusei investigar acerca dos motivos de uma certa pena que, simultaneamente, senti dentro de mim.

Que perderemos quando perdermos o luto? Que significado existe em que o seu uso se esteja a perder?

O luto acontecia quando a nossa vida se encontrava de tal forma ligada a outras vidas que - perdendo-se alguma delas - a nossa era abalada nas suas mais profundas raízes. Perdíamos então, de algum modo, o nosso sol e as nossas flores com a morte da nossa mãe, de um filho, da mulher, do marido...

Não conseguíamos arranjar espaço para os sorrisos, e a forma de nos vestirmos manifestava a ausência de cores que nos ia por dentro.

O luto implicava, portanto, que o sentido da nossa vida não estava em nós mesmos; que a nossa vida era concebida em função das suas ligações aos seres que nos eram próximos; que vivíamos para os construir e para sermos por eles construídos.

O luto significa a realidade de um amor que não morreu dentro de nós. De um amor que - por ser tão grande e profundo, por ser tão... único - não pode ser esquecido ou substituído enquanto durar o tempo de afastamento.

Se estamos a perder o luto, isso resulta de uma destas coisas:

Que hoje não nos encontramos ligados dessa forma tão intensa àqueles que nos rodeiam. Eles não fazem profundamente parte de nós; são pouco mais do que paisagem e companhia. Assim, a perda de um desses seres não nos afeta tão profundamente e de forma tão duradoura. Consideramo-la como mais um desgosto, que tentaremos esquecer pensando noutras coisas, mas não como uma perda que afeta a própria substância do nosso ser. Se assim for, o desaparecimento do luto manifesta, talvez, que nos tornamos um pouco mais mesquinhos e egoístas... E mais solitários.

A segunda hipótese é que a nossa educação estética melhorou muito. E que, mantendo toda a profundidade que se referiu nos parágrafos anteriores, preferimos guardar dentro de nós os nossos sentimentos, ou manifestá-los de algum outro modo que julgamos ser de maior bom gosto.

Isto é mais aceitável, porque o essencial fica guardado.
Autor: Emanuelle Coelho


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