A PARTIR DE KIERKEGAARD, UMA REFLEXÃO SOBRE A VERDADE



O que é a verdade? Existe uma verdade? O existir deve ser permeado por uma verdade? Como alcançar essa verdade?

Kierkegaard, filósofo que estudou afundo questões tão ambíguas e angustiantes para o homem, chega a uma teoria construída sobre uma descrição genérica do homem. O que lhe interessa é o existir, o fato de haver uma pessoa aqui e agora, com tudo o que possa experimentar a sua volta.

Para Kierkegaard, ninguém vivencia a vida plenamente se ficar trancado dentro de uma biblioteca, teorizando ou discutindo sobre o que dizem que é a vida. Reduzir-se a isto pode dar a impressão de intelectualidade, mas será uma intelectualidade superficial e, muitas vezes, amarga. Apenas quando vivenciamos, quando agimos, quando fazemos escolhas e ousamos experimentar é que nos relacionamos com a própria existência, portanto indo além de um mero projeto mental do que seja a existência.

Pensando em um exemplo da psicanálise, que diz: quando alguém está sofrendo uma dor na alma ele não quer saber se isso é o resultado de um complexo de Édipo mal resolvido, ou se suas pulsões entram em conflito com um supereu que pressiona o eu a controlar os anseios de um isso, do mesmo modo como uma pessoa que é ferida por uma flecha envenenada não tem qualquer interesse de saber de que tipo é o veneno que o ameaça. Essa pessoa quer o alívio e a cura que o possibilitem existir, quer alguém que lhe extraia a flecha envenenada e o ajude a viver. E é isso que é essencialmente importante: viver, viver tanto quanto possa ser possível no curto período de tempo que passamos aqui. Não dá pra perder tempo especulando ou construindo um modelo teórico apenas com o objetivo de ser mais aceitável e melhor que qualquer outro sobre o mecanismo energético do psiquismo humano alimentado por uma energia de natureza sexual chamada libido, etc, funcionando como se fosse um aparelho hidráulico. Isso simplesmente é um modelo, ou um mapa, não o território, e ainda assim voltado apenas para um aspecto do complexo psíquico humano, portanto não pode ser uma descrição acurada da realidade. A contribuição de Freud para a compreensão do psiquismo humano, notadamente quanto ao inconsciente, é inquestionável, mas ele também deixou em sua obra uma visão pessimista de homem e de mundo que tem condicionado e reforçado muito do aspecto negativo de nossa civilização através do que hoje se convêm chamar a psicanálise como uma ética, conceito muito caro aos lacanianos.

Também postulou Kierkegaard, que a verdade é subjetiva, pois o que é realmente importante é pessoal. Um exemplo, quando nos vemos em uma situação de perigo, não ficamos teorizando sobre sua composição, ou se vai ou não se salvar. Você caiu e neste instante você tem de fazer alguma coisa pra se manter vivo. Tem de encarar o momento e experimentar um modo de usá-lo em proveito próprio.

Tem raízes também no pensamento de Kierkegaard o postulado da psicanálise existencial de que as mentiras do caráter são construídas para a criança ajustar-se a seus pais, ao mundo, além de aos próprios dilemas existenciais. Essas defesas do caráter tornam-se automáticas e inconscientes. Essas mentiras negam nossas possibilidades. Conduzem as pessoas a ter medo de pensar por si mesmas. Deixar a criança explorar o mundo e desenvolver seus próprios poderes da a elas uma "sustentação interna", uma autoconfiança diante da experiência.

Kierkegaard contribuiu ainda à Psicanálise, quando trata da saúde, onde esta não é "ajustamento normal" ou "normalidade cultural". A pessoa realmente saudável é aquela que transcendeu a si mesma despindo-se das mentiras do nosso caráter, entendendo a verdade de nossa situação e quebrando nosso espírito fora de sua prisão condicionada. O amadurecimento requer ambos o reconhecimento da realidade de alguém seus verdadeiros dons e talentos e dos seus limites.

O homem pode escolher o pecado em sua fuga da angústia, e o pecado a certa altura, traz mais angústia. O próprio pecado traz ansiedade, um componente da ansiedade de liberdade.

Para Kierkegaard, a verdade é subjetividade: ninguém pode se por no meu lugar. Sou eu quem devo fazer a escolha de ser o que posso ser ou de ser uma cópia do que se espera que eu seja, de acordo com os referencias que nos são dados por outrem ou pela cultura. A existência é o reino do vir a ser, é o reino da liberdade: o homem é o que ele escolhe ser quando consegue atingir um certo grau de lucidez, ele é o que se torna. Isso implica que o modo de ser da existência não é a realidade ou a necessidade, mas sim a possibilidade, e isso traz angústia, que é o sinal de que se atingiu uma "situação existencial". A pessoa pode ou não decidir se dará um salto para um estágio mais elevado de existência. Toda transformação é um renascimento e todo renascimento é também uma morte. Sai-se de um estágio para outro. A pessoa decide se quer ou não ir adiante, e o medo do novo traz a angústia.
"A angústia é a possibilidade de liberdade: somente a angústia, através da fé, tem a capacidade de formar, enquanto destrói todas as finitudes". Ninguém poderá dar esse salto por você. Afinal, todo conhecimento vem de dentro, como dizia Sócrates. A angústia é o puro sentimento do possível, é o sentido daquilo que pode acontecer. "Se alguém souber tirar proveito da experiência da angústia, se tiver CORAGEM de ir mais além, então dará à realidade outra explicação: exaltará a realidade e, até quando ela pesar duramente sobre ele, recordar-se-á de que ela é muito mais leve do que era a possibilidade". (Kierkegaard)


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

KIERKEGAARD, M. Ser e Tempo.
Autor: Emanuelle Coelho


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