Notícia Policial: a dispersão de informações



“Reconstituindo esse crime do exterior (...), como se fosse um acontecimento, e nada além de um acontecimento criminal, eu creio que nos falta o essencial” (Michael Foucault, dossiê de Pierre Rivière).

A linguagem não é um simples instrumento de comunicação. É um instrumento de poder por onde as relações de dominação são universalizadas. A função referencial da linguagem, ponto de encontro entre o jornalista e o leitor, não passa de uma miragem lingüística. A multiplicidade de sentido é inerente à linguagem. As palavras mudam de significado conforme seus usuários. A notícia é fruto de olhares oblíquos sobre uma realidade opaca em si mesma.

A maioria dos jornais impressos traz uma seção policial em suas páginas, que informam a ação ou a omissão dos órgãos de Segurança Pública diante das mortes trágicas, dos assaltos, dos estupros, do tráfico de drogas, dos acidentes de trânsito, das brigas entre vizinhos, etc. O efeito social dessa rotinização do crime e dessa banalização da delinqüência é a alienação do leitor.

A desgraça dos outro só é comprada pelo leitor por que é atrativa. As técnicas jornalísticas dão um tratamento sensacional à tragédia, espetacularizando-a. A realidade, então, surge no espetáculo; e o espetáculo é real, como bem dizia Debord. As notícias policiais sofrem o efeito “coliseu” – tudo vira circo, tudo vira show. O leitor-espectador apenas observa a encenação e concebe a verossimilhança. Nunca se põe no palco, não se imagina na arena. Das arquibancadas, encontra um lugar seguro para assistir a tudo e se entreter.

Por que o leitor procura as matérias policiais? Ora, porque ele gosta de lê-las. O leitor, ao mesmo tempo em que assiste ao espetáculo, é conduzido a três sentimentos. Primeiro o de purgação, pois se sente mais humano diante de atos tão grotescos. Segundo o de alívio, pois ficou ileso das tragédias lidas. Terceiro o de apatia, o medo e a insegurança são canalizados para o imaginário. Não podemos esquecer que a notícia é um produto simbólico. “Nós contemplamos com prazer as imagens daquelas coisas com as quais temos repugnância de olhá-las ao vivo”, já diria Aristóteles.

A grande questão do discurso jornalístico é o mito da neutralidade, é o jornalista achar que é capaz de ser imparcial. Como disse Foucault, os crimes não podem ser tratados como “acontecimentos”, sendo reconstituído do exterior. O jornalista não é uma máquina registradora que observa passivamente os fatos, para depois descrevê-lo. Ele é um sujeito atravessado por diversas vozes.

Os fatos e as fontes não podem ser “monumentalizados” pelo jornalista, ele nunca será capaz de refletir fielmente o que vê e ouve. O leitor, igualmente, não pode ler as matérias publicadas no jornal como “monumentos”, pois o sagrado ninguém pode questionar, muito menos duvidar. A linguagem é constitutivamente dialógica, e toda aparente naturalidade dos sentidos é ideologicamente construída.

Se a linguagem é polissêmica por natureza, o leitor nem sempre se submeterá ao império do discurso jornalístico. Os bons leitores sabem que as notícias são “pasteurizadas”, e que a evidência produzida pela transparência do sentido é apenas uma vontade de verdade, que podem sofrer deslizamentos e que são passíveis de críticas. Quando leio uma matéria policial e observo as informações dispersas, desassociadas da problemática social que lhe daria significado, exclamo: que formidável censura! Isso é que é imparcialidade, o jornal oculta mostrando. Que bom exemplo teria Bourdieu sobre “violência simbólica”.

O autor é acadêmico do mestrado em letras da UFAC
Autor: eduardo de araújo carneiro


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